Alceu A. Sperança*
Saiu o esperado livro Tempos de Gabiroba, de Luiz Carlos Schroeder, leitura que vai avançar a deliciosa experiência de Ewald, um alemão (ambos pela editora BesouroBox), seu livro anterior. Fantasias e realidades se misturam na imaginação, nos temores e surpresas ao transitar da infância para a juventude e no seguir em frente.
A delícia de
descascar uma gabiroba no verão para saborear sua polpa se estende às demais
estações do ano quando o sentido é figurado e vai se explicitando no avanço da
adolescência.
O sentido figurado
independe da fruta presencial na busca pelo prazer de viver. Descascar gabiroba
funciona como rito de passagem, aprendizado, experiências de desfrute saudável.
Como são tempos de
tensões, desafios e expectativas, muito do que os jovens silenciam e se oculta atrás
das festas, baladas e cliques enlouquecidos nas redes sociais não é
despreocupação, irresponsabilidade, apatia ou desinteresse pela realidade que
os cerca, mas formas de convivência, buscas e transições.
Crianças e jovens
escondem coisas que nem sempre são reveladas, pois até grandes e minuciosas
memórias são traídas pelo curso do tempo. Anos depois fica até difícil entender
por que fez tal coisa ou tinha tal costume. A saída é racionalizar, atribuir a
excentricidade a algum parente ou amigo.
Não somos os mesmos
nem vivemos como nossos pais
Se é verdade geral
que nos termos de Tales de Mileto ninguém entra duas vezes num rio, já que depois
da primeira vez nem você nem o rio serão mais os mesmos, a conclusão do sábio
grego pode ser igualmente aplicada na vida de cada um.
Para o cineasta Steven
Spielberg, “todos nós somos uma pessoa diferente a cada ano”. Não continuamos a
ser a mesma pessoa por toda a vida: a criança birrenta dá lugar a um menino
quieto e estudioso que vira um adolescente rebelde, mas frente às necessidades
da vida, por fim, chega a ser um adulto cumpridor de seus deveres.
Antes de nascer
sequer existia e nunca foi o mesmo em cada etapa da vida. O namorado sarrista não
será igual ao noivo anelado, nem este antecipa o marido barrigudo das bodas de
cristal ou o viúvo mirrado e neurastênico depois das de ouro. Uma vida são
muitas vidas.
Lendo Tempos de
Gabiroba será impossível não identificar aqui e ali, apesar de as
biografias serem sempre diferentes, momentos de perplexidade diante dos
desafios da vida, angústias frente a divergências familiares, amigos que não se
programam e vão acontecendo, sonhos fantásticos de amores frustrados,
realidades imaginadas e vividas de formas diferentes.
Os pontos de contato
entre biografias de quem escreve e quem lê podem ocorrer nos insights que repentinamente
pulam na mente como coincidências incríveis, até nos fantasmas que aparecem,
desaparecem ou influenciam a trajetória de cada um.
Há sentidos reais e
não só fantasia ou imaginação no fantasma que enche a cabeça do moleque e depois
desaparece num banhado. Um dia ele decidirá que sua obra estará completa, dela
restando um ser humano adulto e desassombrado.
No que virou o
fantasma de Marx
Um velho barbudo
que sempre assombra nossas vidas falava sobre um espectro que apavorava os reis.
“Um fantasma ronda a Europa”, dizia ele, hoje didaticamente explicado pelos
franceses Ronan de Calan e Donatien Mary no livro O Fantasma de Karl Marx,
a ser lido sem medo.
Aquele fantasma
mudou tanto nestes 200 anos que hoje virou a sinuca de liberais assombrados
pelos capitalismos chinês e russo e pelos EUA quebrados em dívidas (quem
diria!) “socialistas”.
Menos mutável, o fantasma
que acarinha um menino e o acompanha pela adolescência é tão cheio de conselhos,
pressões e puxões de orelhas que inevitavelmente será entendido como uma presença
genética e a bicicleta será a extensão dos pés ansiosos por ganhar distâncias.
Pessoas mentalmente
sadias não relatam ouvir vozes em suas cabeças, mas existe em todos nós um
streaming incessante que só não é fantasmagórico por ser vivo, real e presente.
O diálogo interno jamais cessa, a não ser provisoriamente com truques momentâneos
de atenção focada.
Disciplinar o
fantasma que age em nossa mente em tempo integral e conflita com opções,
escolhas, situações e realidades é uma das maiores dificuldades da vida. Mas nossos
fantasmas pessoais também têm seu tempo e sempre irão para um banhado filosófico,
existencial ou apenas como fecho de mais uma etapa da vida, que depois vai se
desenvolver como novas escolhas e vozes.
Ler uma autobiografia,
ainda que romanceada, repleta de metáforas e insinuações, é de certa forma
revisar a própria história à medida que as coincidências vão aparecendo.
Onde fica a cidade
de Cristo Rei?
Mesmo que não se
conheçam fatos mais pessoais sobre o autor, sempre se entenderá que Cristo Rei
é uma cidade do Oeste do Paraná com sua realidade de imigrantes, caboclos,
gente muito trabalhadora às voltas com aventureiros de todos os tipos, comuns a
qualquer região de fronteira. A Macondo de Schroeder.
As aventuras do
narrador, a onipresença da morte e a pulsação incessante da vida se completam
por uma explícita relação de livros que moldaram a consciência de uma geração (Germinal
de Zola é uma espécie de exorcismo da inconsciência), partes à parte no livro Tempos
de Gabiroba.
Mas há muito mais,
ora insinuado, ora claro, à medida que a leitura transcorre. Como ler sempre
causa influências, alguém vai adquirir a obsessão de colocar os lápis com a
ponta para cima e as canetas com a ponta para baixo, mania recorrente do
narrador.
No fim das contas,
quanto mais distantes ficam as presenças dominantes de papai e mamãe, mesmo que
tenham morrido ainda jovens, sempre serão fantasmas onipresentes a assombrar
quem tem memória. Ou renovando desafios em tempos sombrios de incertezas ou
trazendo a sombra refrescante das lições, convicções e certezas.
Quando o tempo da
gabiroba passar, só restará esperar a nova florada, porque a vida sempre se
renova e cada ano nos fará diferentes dos anos anteriores.
**
* Escritor
Passando a boiada e chorando a morte da bezerra
Alceu A. Sperança*
Quando os visitantes chegam a Rolim de Moura, cidade criada pelo Incra em Rondônia, surpreendem-se com ruas largas, de cem metros, incomuns em outras cidades da região.
Deu-se que o
jovem economista Sílvio Persivo, ao estudar a área para abrir a cidade,
observou que ela ficaria junto a um riacho cujos moradores sofriam uma epidemia
de malária.
Seria impossível
fazer a cidade ali, pois os assentados, provenientes de outras regiões, também seriam
vítimas muito prováveis da malária.
Alguém disse ao
técnico do Incra que o anofelino (mosquito transmissor da doença) só aguentava
voar 70 metros e já morria.
Pura lógica, a primeira
rua a cem metros do riacho seria a solução para o mosquito, que morreria ao
tentar cruzá-la.
Foi assim, sem
combinar com o mosquito, que Persivo, o engenheiro encarregado e o chefe das
máquinas abriram a primeira rua com 100 metros de largura.
Tudo tem consequência
Três meses depois,
Persivo retorna a Rolim de Moura e encontra uma população de doze mil
habitantes. Constata, com surpresa, que as demais ruas abertas seguiram o mesmo
padrão de largura que ele havia determinado.
E a malária
comendo solta: o mosquito aprendeu a voar mais de 70 metros sem morrer...
Quando só um
decide, governos erram, povos erram, todos erram. É muito fácil se iludir. Deixar
nas mãos de um só indivíduo, incapaz de pesar na balança as variáveis necessárias
para uma decisão refletida, é a receita para o desastre.
Quem decide
sozinho e enlouquece, como o presidente Delfim Moreira, ou sofre aquele famoso
minuto de bobeira, acaba condenando sua comunidade a séculos de desgraça.
Deve haver alguma
forma de melhorar a governança sem que muitos precisem sofrer as
idiossincrasias de poucos. A questão é achá-la: parlamentarismo, voto de
confiança, desconfiança, mandatos revogáveis?
Plateia desprivilegiada
Neste mundo
pandêmico, criou-se uma nova forma de governar, em que as alas internas de um
palácio fazem o papel simultâneo de governo e oposição.
Os grupos de fora,
que deveriam ser de fato a oposição, ficam só assistindo aos embates internos
entre as alas (boi, bala, bíblia, terraplanista, astronáutica, ideológica) como
se fossem a plateia de um jogo do qual estão marginalizados e torcem pelo “menos
pior”, uma impossibilidade óbvia.
Alguns itens
observáveis nos governos de hoje é que o planejamento virou pó. Governar era abrir
estradas nos tempos de Washington. Nos tempos, digamos, de Boston, governar é
pedagiar e disfarçar impostos.
No mais, sem
conseguir enfrentar a pandemia nem dar jeito na economia, governar, de
Washington a Brasília, passando por Londres, Moscou, Tóquio ou Paris, é
insultar adversários e fazer gambiarras.
O que mais
caracteriza os governantes é a rapidez com que mudam de ideia: começam negando
o vírus, depois cloroquinam e por fim se vacinam.
Feche o STF, mas não minha loja!
Sob pressão da
mídia e da Justiça, o governo brasileiro garantiu que não iria comprar a vacina
chinesa, mas em seguida não só a compra aos milhões como implora por mais doses
e até vacina as mães.
Num minuto,
governantes repudiam a máscara, acusada de não proteger ninguém, mas logo
depois aparecem usando a inútil e dando o mau exemplo.
Lockdown num dia,
para não aglomerar, no outro dia os ônibus lotados para encovidar os pobres.
Os que precisam
trabalhar viram bombas ambulantes: levam a morte para dentro dos próprios lares,
vizinhança, igrejas e postos de saúde nos quais vão se queixar de unha encravada.
A caminho de lá, se já não estão covidados, ficam.
Reprimem baladas
antes que o galo cante três vezes, mas não têm solução para o drama dos jovens
que se deprimem presos em casa.
Fecham por
obrigação, abrem na pressão, abrem-fecham pensando na eleição.
Só não há incerteza
numa coisa: o chefe está sempre certo. Errados e corruptos são os outros.
Cortam verba para tudo, mas reforçam a grana da autopropaganda, alma do
negócio.
Sim, talvez, não: três em um
Como dizem em
diferentes ocasiões sim, talvez e não, aquilo que mais der certo em seguida
será mostrado na futura propaganda:
– Sim, eu sempre
disse que queria vacina.
– Não, jamais
defendi a máscara.
– Talvez magia dê
certo, talvez não dê.
Vacinar recupera economia?
Neste caso a propaganda vai mostrar que o chefe desde criança era um pró-vacina
militante:
– Ora,
recuperação em V era aplicar Vacina. A mídia lixo é que não entende nada de
economia!
Lockdown
funcionou? Ora, desde o cursinho de Inglês na adolescência o líder sempre falou
nisso. Down pra cá, down pra lá. Downsizing, por exemplo...
Fechar o comércio
deu em nada, pois todo mundo se encovidou indo ao supermercado? Ora, o chefe
sempre quis que nada fechasse, e se um dia fechou foi por ordem da OMS, do STF
e exigência da mídia se lixando.
A bezerra de ouro está morrendo
Negar de manhã,
talvezar de tarde e afirmar à noite é o dia a dia dos governantes. O que for “menos
pior” vai para a propaganda eleitoral do chefe, já que todo ano é de campanha
eleitoral, todo mês é de conchavos, todo dia, toda hora é só propaganda e mais
propaganda nas redes.
O sonho do
ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, era aproveitar a bagunça
institucional para passar a boiada da quebra de regras.
Mas quebrar
regras, como bem se viu na Operação Lava Jato e em tuítes desastrados, pode até
dar certo por algum tempo, rendendo vitórias eleitorais, altos e provisórios
cargos na República, mas depois que a boiada toda passar não adianta mais chorar
a morte da bezerra.
Além das
gambiaras, fazer pouco da morte e chorar a morte da bezerra de ouro são ações
governamentais cotidianas, mundo afora, desde a baladeira Washington DC à
funkeira Boston MC.
Preferem
mimimizar a dizer onde está o dinheiro que ia sobrar para tudo e agora falta
para a infraestrutura urgente e um auxílio emergencial decente.
....
* Escritor
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Donato Ramos, um calendário só com hoje e amanhã

Alceu A. Sperança*
– Sou filho de bugre!
No Paraná, Donato Ramos é tido como paranaense de Cascavel. Em Santa Catarina, é disputado no mínimo por Itajaí e Florianópolis. Em Itapoá se diz que quase nasceu ali. Mas na verdade nasceu em 25 de abril de 1936 na pequena Echaporã, São Paulo, de onde também veio Eduardo Fico de Castro.
Ramos passou a infância e a juventude em Paraguaçu Paulista, onde foi engraxate, vendedor de doces e sanduíches “com tabuleiro pendurado no pescoço na Estação de Trem”.
Falava muito e sempre, o que o fez orador de turma de formandos no Grupo Escolar e no Ginásio. Falava como trabalhava: muito. Foi garção e, ao mesmo tempo, “após servir as refeições do almoço, dava aula de datilografia no mesmo prédio”. Auxiliar de alfaiate, estragou uma calça de cliente e nunca mais voltou – de medo – à alfaiataria.
Comércio e rádio
No Alto Falante na Rodoviária de Paraguaçu começou a lidar com o microfone, que o levou a três décadas de militância profissional no rádio, iniciada na Rádio Clube Marconi. Também vendia tecidos na Riachuelo e já escrevia.
Teve seu primeiro trabalho impresso em Seleções do Reader´s Digest, com uma historinha de macaco. Ganhou com ela dez mil réis, “uma nota verde que veio como Vale Postal nos Correios”. Gastou tudo em sorvete, segundo ele, coisa que nunca viu sua casa.
Como radialista profissional, foram 33 anos de trabalho. Dirigiu dez emissoras de rádio, escreveu para dezenas de Jornais e revistas. Foi Instrutor de Comunicação oral e Escrita e Técnica de Venda no Senac Paraná, de onde se enturmou com o antigo jornal Fronteira do Iguaçu, em Cascavel. Fundou diversos sindicatos e associações. Escreveu mais de cem livros, “entre eles, um que ainda tem no museu: Manual de Taquigrafia”.
Sindec, um orgulho
Vários de seus livros e obras de amigos ele publicou por sua própria editora, a Somar, de Florianópolis. Compositor, violonista, gaiteiro de boca (a menos que me obrigue a escrever “harmonicista”!), artista plástico – e pintou mais de mil telas. “Muitas árvores plantadas, cem livros escritos, centenas de telas e desenhos, dezenas de CDs gravados”, resume.
Escreveu mais de 10 mil crônicas “que falam da esperança, do ontem que morreu, da minha vida que não tem folhinha com ontem, apenas pedaços do hoje e muito de amanhã, dos meus amores, destacando meus oito filhos, quatorze netos e três bisnetos”.
Trabalhou em diversas emissoras do interior catarinense e na década de 1960 foi para Florianópolis como integrante da equipe da Rádio Santa Catarina. No Paraná, começou a organizar os comerciários de Cascavel em 1976, fundando a Assec (Associação dos Empregados no Comércio).
Em 1984, a entidade passou a se chamar Aspec (Associação Profissional dos Empregados no Comércio) e em 1985 se transforma no Sindec (Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Cascavel).
Estudos e líderes
Em julho de 1988, Donato Ramos, orgulhoso da entidade que já se projetava na sociedade oestina, promove por meio do Sindec o I Seminário de Estudos dos Problemas Prioritários de Cascavel.
Nesse mesmo ano, como presidente local do Partido Socialista Brasileiro (PSB), concorre a vice-prefeito na chapa de Ivo Miranda Gomes (PCdoB). Pelo Sindec, Donato também promoveu o ELO (Encontro de Líderes do Oeste).
Em 24 de fevereiro de 2012, quando escritores ligados à Academia Cascavelense de Letras, Confraria Terra dos Poetas e independentes criaram o Projeto Livrai-Nos!, iniciativa para promover a divulgação de escritores paranaenses, Donato já estava residindo em Santa Catarina, mas exigiu ser considerado o primeiro escritor a ser registrado como integrante do Projeto.
Seus livros Câmara Junior e Antes que Me Esqueça - Folclore da Imprensa foram de imediato agregados ao acervo do Livrai-Nos! e outros viram a seguir. Acadêmico fundador da Academia Brasileira de Letras de Santa Catarina, Seccional de Florianópolis, ocupava lá a cadeira nº 11.
Diante de uma biografia tão rica, seria um crime encerrar informando, fora do calendário que ele aceitava, que só tem hoje e amanhã, que morreu em 7 de setembro de 2020.
**
* Escritor
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![]() |
Washington Luís, o "pai" da BR-277 |
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Confira os benefícios da leitura diária Por que todos devem ler todos os dias?
A leitura deveria ser um hábito diário na vida dos cidadãos, nem que seja por apenas alguns minutos. Segundo pesquisas internacionais, ao separar 6 minutos do seu dia para a leitura, os benefícios da prática, a longo prazo, tendem a ser muito grandes.
3 – Aumento da criatividade
4 – Você potencializa seu grau de instrução
Alguns dos textos que você ler podem provocar grande estranhamento e, consequentemente, fazer com que você pense sobre o assunto abordado. Assim, quanto maior for a quantidade de textos que você entrar em contato, aprenderá mais sobre diversos assuntos e poderá aumentar seu senso crítico sobre novos temas.
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![]() |
Incêndio do Museu Nacional e remodelação do Museu Celso Formighieri Sperança |
A
importância da leitura infantil
para
o desenvolvimento da criança
Eline Fernandes de Castro
“O desenvolvimento de
interesses e hábitos permanentes de leitura é um processo constante, que
principia no lar, aperfeiçoa-se sistematicamente na escola e continua pela vida
afora.”
Introdução
O estudo realizado tem por
objetivo, verificar a contribuição da literatura infantil no desenvolvimento
social, emocional e cognitivo da criança. Ao longo dos anos, a educação
preocupa-se em contribuir para a formação de um indivíduo crítico, responsável
e atuante na sociedade. Isso porque se vive em uma sociedade onde as trocas
sociais acontecem rapidamente, seja através da leitura, da escrita, da
linguagem oral ou visual.
Diante disso, a escola busca
conhecer e desenvolver na criança as competências da leitura e da escrita e
como a literatura infantil pode influenciar de maneira positiva neste processo.
Assim, Bakhtin (1992) expressa sobre a literatura infantil abordando que por
ser um instrumento motivador e desafiador, ela é capaz de transformar o
indivíduo em um sujeito ativo, responsável pela sua aprendizagem , que sabe
compreender o contexto em que vive e modificá-lo de acordo com a sua
necessidade.
Esta pesquisa visa a enfocar
toda a importância que a literatura infantil possui, ou seja, que ela é
fundamental para a aquisição de conhecimentos, recreação, informação e
interação necessários ao ato de ler. De acordo com as idéias acima, percebe-se
a necessidade da aplicação coerente de atividades que despertem o prazer de
ler, e estas devem estar presentes diariamente na vida das crianças, desde
bebês. Conforme Silva (1992, p.57) “bons livros poderão ser presentes e grandes
fontes de prazer e conhecimento. Descobrir estes sentimentos desde bebezinhos,
poderá ser uma excelente conquista para toda a vida.”
Apesar da grande importância
que a literatura exerce na vida da criança, seja no desenvolvimento emocional
ou na capacidade de expressar melhor suas idéias, em geral, de acordo com
Machado (2001), elas não gostam de ler e fazem-no por obrigação. Mas afinal,
por que isso acontece? Talvez seja pela falta de exemplo dos pais ou dos
professores, talvez não.
O que se percebe é que a
literatura, bem como toda a cultura criadora e questionadora, não está sendo
explorada como deve nas escolas e isto ocorre em grande parte, pela pouca
informação dos professores. A formação acadêmica, infelizmente não dá ênfase à
leitura e esta é uma situação contraditória, pois segundo comentário de Machado
(2001, p.45) “não se contrata um instrutor de natação que não sabe nadar, no
entanto, as salas de aula brasileira estão repletas de pessoas que apesar de
não ler, tentam ensinar”.
Existem dois fatores que
contribuem para que a criança desperte o gosto pela leitura: curiosidade e
exemplo. Neste sentido, o livro deveria ter a importância de uma televisão
dentro do lar. Os pais deveriam ler mais para os filhos e para si próprios. No
entanto, de acordo com a UNESCO (2005) somente 14% da população tem o hábito de
ler, portanto, pode-se afirmar que a sociedade brasileira não é leitora. Nesta
perspectiva, cabe a escola desenvolver na criança o hábito de ler por prazer,
não por obrigação.
Contextualizando
Literatura Infantil
Os primeiros livros
direcionados ao público infantil, surgiram no século XVIII. Autores como La
Fontaine e Charles Perrault escreviam suas obras, enfocando principalmente os
contos de fadas. De lá pra cá, a literatura infantil foi ocupando seu espaço e
apresentando sua relevância. Com isto, muitos autores foram surgindo, como Hans
Christian Andersen, os irmãos Grimm e Monteiro Lobato, imortalizados pela
grandiosidade de suas obras. Nesta época, a literatura infantil era tida como
mercadoria, principalmente para a sociedade aristocrática. Com o passar do
tempo, a sociedade cresceu e modernizou-se por meio da industrialização,
expandindo assim, a produção de livros.
A partir daí os laços entre
a escola e literatura começam a se estreitar, pois para adquirir livros era
preciso que as crianças dominassem a língua escrita e cabia a escola
desenvolver esta capacidade. De acordo com Lajolo & Zilbermann, “a escola
passa a habilitar as crianças para o consumo das obras impressas, servindo como
intermediária entre a criança e a sociedade de consumo”. (2002, p.25)
Assim, surge outro enfoque
relevante para a literatura infantil, que se tratava na verdade de uma
literatura produzida para adultos e aproveitada para a criança. Seu aspecto
didático-pedagógico de grande importância baseava-se numa linha moralista,
paternalista, centrada numa representação de poder. Era, portanto, uma
literatura para estimular a obediência, segundo a igreja, o governo ou ao
senhor. Uma literatura intencional, cujas histórias acabavam sempre premiando o
bom e castigando o que é considerado mau. Segue à risca os preceitos religiosos
e considera a criança um ser a se moldar de acordo com o desejo dos que a
educam, podando-lhe aptidões e expectativas.
Até as duas primeiras
décadas do século XX, as obras didáticas produzidas para a infância,
apresentavam um caráter ético-didático, ou seja, o livro tinha a finalidade
única de educar, apresentar modelos, moldar a criança de acordo com as
expectativas dos adultos. A obra dificilmente tinha o objetivo de tornar a
leitura como fonte de prazer, retratando a aventura pela aventura. Havia poucas
histórias que falavam da vida de forma lúdica, ou que faziam pequenas viagens
em torno do cotidiano, ou a afirmação da amizade centrada no companheirismo, no
amigo da vizinhança, da escola, da vida.
Essa visão de mundo
maniqueísta, calçada no interesse do sistema, passa a ser substituída por volta
dos anos 70 e a literatura infantil passa por uma revalorização, contribuída em
grande parte pelas obras de Monteiro Lobato, no que se refere ao Brasil. Ela
então, se ramifica por todos os caminhos da atividade humana, valorizando a
aventura, o cotidiano, a família, a escola, o esporte, as brincadeiras, as
minorias raciais, penetrando até no campo da política e suas implicações.
Hoje a dimensão de
literatura infantil é muito mais ampla e importante. Ela proporciona à criança
um desenvolvimento emocional, social e cognitivo indiscutíveis. Segundo
Abramovich (1997) quando as crianças ouvem histórias, passam a visualizar de
forma mais clara, sentimentos que têm em relação ao mundo. As histórias
trabalham problemas existenciais típicos da infância, como medos, sentimentos
de inveja e de carinho, curiosidade, dor, perda, além de ensinarem infinitos
assuntos.
É através de uma história
que se pode descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de
ser, outras regras, outra ética, outra ótica...É ficar sabendo história,
filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc. sem precisar saber
o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula (ABRAMOVICH, 1997,
p.17)
Neste sentido, quanto mais
cedo a criança tiver contato com os livros e perceber o prazer que a leitura
produz, maior será a probabilidade dela tornar-se um adulto leitor. Da mesma
forma através da leitura a criança adquire uma postura
crítico-reflexiva,extremamente relevante à sua formação cognitiva.
Quando a criança ouve ou lê
uma história e é capaz de comentar, indagar, duvidar ou discutir sobre ela,
realiza uma interação verbal, que neste caso, vem ao encontro das noções de
linguagem de Bakhtin (1992). Para ele, o confrontamento de idéias, de
pensamentos em relação aos textos, tem sempre um caráter coletivo, social.
O conhecimento é adquirido
na interlocução, o qual evolui por meio do confronto, da contrariedade. Assim,
a linguagem segundo Bakthin (1992) é constitutiva, isto é, o sujeito constrói o
seu pensamento, a partir do pensamento do outro, portanto, uma linguagem
dialógica.
A vida é dialógica por
natureza. Viver significa participar de um diálogo: interrogar, escutar,
responder, concordar, etc. Neste diálogo, o homem participa todo e com toda a
sua vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo
todo, com as suas ações. Ele se põe todo na palavra e esta palavra entra no
tecido dialógico da existência humana, no simpósio universal. (BAKHTIN, 1992,
p112)
E é partindo desta visão da
interação social e do diálogo, que se pretende compreender a relevância da
literatura infantil, que segundo afirma Coelho (2001, p.17), “é um fenômeno de
linguagem resultante de uma experiência existencial, social e cultural.”
A leitura é um processo no
qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto.
Segundo Coelho (2002) a leitura, no sentido de compreensão do mundo é condição
básica do ser humano.
A compreensão e sentido
daquilo que o cerca inicia-se quando bebê, nos primeiros contatos com o mundo.
Os sons, os odores, o toque, o paladar, de acordo com Martins (1994) são os
primeiros passos para aprender a ler.Ler, no entanto é uma atividade que
implica não somente a decodificação de símbolos, ela envolve uma série de
estratégias que permite o indivíduo compreender o que lê. Neste sentido, relata
os PCN’s (2001, p.54.):
Um leitor competente é
alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos
que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que
consegue utilizar estratégias de leitura adequada para abordá-los de forma a atender
a essa necessidade.
Assim, pode-se observar que
a capacidade para aprender está ligada ao contexto pessoal do indivíduo. Desta
forma, Lajolo (2002) afirma que cada leitor, entrelaça o significado pessoal de
suas leituras de mundo, com os vários significados que ele encontrou ao longo
da história de um livro, por exemplo.
O ato de ler então, não
representa apenas a decodificação, já que esta não está imediatamente ligada a
uma experiência, fantasia ou necessidade do indivíduo. De acordo com os PCN’s
(2001) a decodificação é apenas uma, das várias etapas de desenvolvimento da
leitura. A compreensão das ideias percebidas, a interpretação e a avaliação são
as outras etapas que segundo Bamberguerd (2003, p.23) “fundem-se no ato da
leitura”. Desta forma, trabalhar com a diversidade textual, segundo os PCN’s
(2001), fazendo com que o indivíduo desenvolva significativamente as etapas de
leitura é contribuir para a formação de leitores competentes.
A importância
de ouvir histórias
Ouvir histórias é um acontecimento
tão prazeroso que desperta o interesse das pessoas em todas as idades. Se os
adultos adoram ouvir uma boa história, um “bom causo”, a criança é capaz de se
interessar e gostar ainda mais por elas, já que sua capacidade de imaginar é
mais intensa.
A narrativa faz parte da
vida da criança desde quando bebê, através da voz amada, dos acalantos e das
canções de ninar, que mais tarde vão dando lugar às cantigas de roda, a
narrativas curtas sobre crianças, animais ou natureza. Aqui, crianças bem
pequenas, já demonstram seu interesse pelas histórias, batendo palmas,
sorrindo, sentindo medo ou imitando algum personagem. Neste sentido, é
fundamental para a formação da criança que ela ouça muitas histórias desde a
mais tenra idade.
O primeiro contato da criança
com um texto é realizado oralmente, quando o pai, a mãe, os avós ou outra
pessoa conta-lhe os mais diversos tipos de histórias. A preferida, nesta fase,
é a história da sua vida. A criança adora ouvir como foi que ela nasceu, ou
fatos que aconteceram com ela ou com pessoas da sua família. À medida que
cresce, já é capaz de escolher a história que quer ouvir, ou a parte da
história que mais lhe agrada. É nesta fase, que as histórias vão tornando-se
aos poucos mais extensas, mais detalhadas.
A criança passa a interagir
com as histórias, acrescenta detalhes, personagens ou lembra de fatos que
passaram despercebidos pelo contador. Essas histórias reais são fundamentais
para que a criança estabeleça a sua identidade, compreender melhor as relações
familiares. Outro fato relevante é o vínculo afetivo que se estabelece entre o
contador das histórias e a criança. Contar e ouvir uma história aconchegado a
quem se ama é compartilhar uma experiência gostosa, na descoberta do mundo das
histórias e dos livros.
Algum tempo depois, as
crianças passam a se interessar por histórias inventadas e pelas histórias dos
livros, como: contos de fadas ou contos maravilhosos, poemas, ficção, etc. Têm
nesta perspectiva, a possibilidade de envolver o real e o imaginário que de acordo
com Sandroni & Machado (1998, p.15) afirmam que “os livros aumentam muito o
prazer de imaginar coisas. A partir de histórias simples, a criança começa a
reconhecer e interpretar sua experiência da vida real”.
É importante contar
histórias mesmo para as crianças que já sabem ler, pois segundo Abramovich
(1997, p.23) “quando a criança sabe ler é diferente sua relação com as
histórias, porém, continua sentindo enorme prazer em ouvi-las”. Quando as
crianças maiores ouvem as histórias, aprimoram a sua capacidade de imaginação,
já que ouvi-las pode estimular o pensar, o desenhar, o escrever, o criar, o
recriar. Num mundo hoje tão cheio de tecnologias, onde as informações estão tão
prontas, a criança que não tiver a oportunidade de suscitar seu imaginário, poderá
no futuro, ser um indivíduo sem criticidade, pouco criativo, sem sensibilidade
para compreender a sua própria realidade.
Portanto, garantir a riqueza
da vivência narrativa desde os primeiros anos de vida da criança contribui para
o desenvolvimento do seu pensamento lógico e também de sua imaginação,que
segundo Vigotsky (1992, p.128) caminham juntos: “a imaginação é um momento
totalmente necessário, inseparável do pensamento realista.”. Neste sentido, o
autor enfoca que na imaginação a direção da consciência tende a se afastar da
realidade. Esse distanciamento da realidade através de uma história por
exemplo, é essencial para uma penetração mais profunda na própria realidade:
“afastamento do aspecto externo aparente da realidade dada imediatamente na percepção
primária possibilita processos cada vez mais complexos, com a ajuda dos quais a
cognição da realidade se complica e se enriquece. (VIGOTSKY, 1992, p.129) ”.
O contato da criança com o
livro pode acontecer muito antes do que os adultos imaginam. Muitos pais
acreditam que a criança que não sabe ler não se interessa por livros, portanto
não precisa ter contato com eles. O que se percebe é bem ao contrário. Segundo
Sandroni & Machado (2000, p.12) “a criança percebe desde muito cedo, que
livro é uma coisa boa, que dá prazer”. As crianças bem pequenas interessam-se
pelas cores, formas e figuras que os livros possuem e que mais tarde, darão
significados a elas, identificando-as e nomeando-as.
É importante que o livro
seja tocado pela criança, folheado, de forma que ela tenha um contato mais
íntimo com o objeto do seu interesse.A partir daí, ela começa a gostar dos
livros, percebe que eles fazem parte de um mundo fascinante, onde a fantasia
apresenta-se por meio de palavras e desenhos. De acordo com Sandroni &
Machado (1998, p.16) “o amor pelos livros não é coisa que apareça de repente”.
É preciso ajudar a criança a descobrir o que eles podem oferecer. Assim, pais e
professores têm um papel fundamental nesta descoberta: serem estimuladores e
incentivadores da leitura.
A literatura e
os estágios psicológicos da criança
Durante o seu
desenvolvimento, a criança passa por estágios psicológicos que precisam ser
observados e respeitados no momento da escola de livros para ela. Essas etapas
não dependem exclusivamente de sua idade, mas de acordo com Coelho (2002) do
seu nível de amadurecimento psíquico, afetivo e intelectual e seu nível de
conhecimento e domínio do mecanismo da leitura. Neste sentido, é necessária a
adequação dos livros às diversas etapas pelas quais a criança normalmente
passa. Existem cinco categorias que norteiam as fases do desenvolvimento
psicológico da criança: o pré-leitor, o leitor iniciante, o leitor-em-processo,
o leitor fluente e o leitor crítico.
O pré-leitor: categoria que
abrange duas fases.Primeira infância (dos 15/17 meses aos 3 anos) Nesta fase a
criança começa a reconhecer o mundo ao seu redor através do contato afetivo e
do tato. Por este motivo ela sente necessidade de pegar ou tocar tudo o que
estiver ao seu alcance. Outro momento marcante nesta fase é a aquisição da
linguagem, onde a criança passa a nomear tudo a sua volta. A partir da
percepção da criança com o meio em que vive, é possível estimulá-la
oferecendo-lhe brinquedos, álbuns, chocalhos musicais, entre outros. Assim, ela
poderá manuseá-los e nomeá-los e com a ajuda de um adulto poderá relacioná-los
propiciando situações simples de leitura.
Segunda infância (a partir
dos 2/3 anos) É o início da fase egocêntrica. Está mais adaptada ao meio físico
e aumenta sua capacidade e interesse pela comunicação verbal. Como interessa-se
também por atividades lúdicas, o “brincar”com o livro será importante e
significativo para ela.
Nesta fase, os livros
adequados, de acordo com Abramovich (1997) devem apresentar um contexto
familiar, com predomínio absoluto da imagem que deve sugerir uma situação. Não
se deve apresentar texto escrito, já que é através da nomeação das coisas que a
criança estabelecerá uma relação entre a realidade e o mundo dos livros.
Livros que propõem humor,
expectativa ou mistério são indicados para o pré-leitor.
A técnica da repetição ou
reiteração de elementos são segundo Coelho (2002, p.34) “favoráveis para manter
a atenção e o interesse desse difícil leitor a ser conquistado”. O leitor
iniciante (a partir dos 6/7 anos) Essa é a fase em que a criança começa a
apropriar-se da decodificação dos símbolos gráficos, mas como ainda encontra-se
no início do processo, o papel do adulto como “agente estimulador” é
fundamental.
Os livros adequados nesta
fase devem ter uma linguagem simples com começo, meio e fim. As imagens devem
predominar sobre o texto. As personagens podem ser humanas, bichos, robôs,
objetos, especificando sempre os traços de comportamento, como bom e mau, forte
e fraco, feio e bonito. Histórias engraçadas, ou que o bem vença o mal atraem
muito o leitor nesta fase. Indiferentemente de se utilizarem textos como contos
de fadas ou do mundo cotidiano, de acordo com Coelho (ibid, p. 35) “eles devem
estimular a imaginação, a inteligência, a afetividade, as emoções, o pensar, o
querer, o sentir”.
O leitor-em-processo (a partir
dos 8/9anos) A criança nesta fase já domina o mecanismo da leitura. Seu
pensamento está mais desenvolvido, permitindo-lhe realizar operações mentais.
Interessa-se pelo conhecimento de toda a natureza e pelos desafios que lhes são
propostos. O leitor desta fase tem grande atração por textos em que haja humor
e situações inesperadas ou satíricas. O realismo e o imaginário também agradam
a este leitor. Os livros adequados a esta fase devem apresentar imagens e
textos, estes, escritos em frases simples, de comunicação direta e objetiva. De
acordo com Coelho (2002) deve conter início, meio e fim. O tema deve girar em
torno de um conflito que deixará o texto mais emocionante e culminar com a
solução do problema.
O leitor fluente (a partir
dos 10/11 anos) O leitor fluente está em fase de consolidação dos mecanismos da
leitura. Sua capacidade de concentração cresce e ele é capaz de compreender o
mundo expresso no livro. Segundo Coelho (2002) é a partir dessa fase que a
criança desenvolve o “pensamento hipotético dedutivo” e a capacidade de
abstração. Este estágio, chamado de pré-adolescência, promove mudanças
significativas no indivíduo. Há um sentimento de poder interior, de ver-se como
um ser inteligente, reflexivo, capaz de resolver todos os seus problemas sozinhos.
Aqui há uma espécie de retomada do egocentrismo infantil, pois assim como
acontece com as crianças nesta fase, o pré-adolescente pode apresentar um certo
desequilíbrio com o meio em que vive.
O leitor fluente é atraído
por histórias que apresentem valores políticos e éticos, por heróis ou heroínas
que lutam por um ideal. Identificam-se com textos que apresentam jovens em
busca de espaço no meio em que vivem, seja no grupo, equipe, entre outros.É
adequado oferecer a esse tipo de leitor histórias com linguagem mais elaborada.
As imagens já não são indispensáveis, porém ainda são um elemento forte de
atração. Interessam-se por mitos e lendas, policiais, romances e aventuras. Os
gêneros narrativos que mais agradam são os contos, as crônicas e as novelas.
O leitor crítico (a partir
dos 12/13 anos) Nesta fase é total o domínio da leitura e da linguagem escrita.
Sua capacidade de reflexão aumenta, permitindo-lhe a intertextualização.
Desenvolve gradativamente o pensamento reflexivo e a consciência crítica em
relação ao mundo. Sentimentos como saber, fazer e poder são elementos que
permeiam o adolescente. O convívio do leitor crítico com o texto literário,
segundo Coelho (2002, p.40) “deve extrapolar a mera fruição de prazer ou emoção
e deve provocá-lo para penetrar no mecanismo da leitura”.
O leitor crítico continua a
interessar-se pelos tipos de leitura da fase anterior, porém, é necessário que
ele se aproprie dos conceitos básicos da teoria literária. De acordo com Coelho
(ibid, p.40) a literatura é considerada a arte da linguagem e como qualquer
arte exige uma iniciação. Assim, há certos conhecimentos a respeito da
literatura que não podem ser ignorados pelo leitor crítico.
Conclusão
Desenvolver o interesse e o
hábito pela leitura é um processo constante, que começa muito cedo, em casa,
aperfeiçoa-se na escola e continua pela vida inteira. Existem diversos fatores
que influenciam o interesse pela leitura. O primeiro e talvez mais importante é
determinado pela “atmosfera literária” que, segundo Bamberguerd (2000, p.71) a
criança encontra em casa. A criança que houve histórias desde cedo, que tem
contato direto com livros e que seja estimulada, terá um desenvolvimento
favorável ao seu vocabulário, bem como a prontidão para a leitura.
De acordo com Bamberguerd
(2000) a criança que lê com maior desenvoltura se interessa pela leitura e
aprende mais facilmente, neste sentido, a criança interessada em aprender se
transforma num leitor capaz. Sendo assim, pode-se dizer que a capacidade de ler
está intimamente ligada a motivação. Infelizmente são poucos os pais que se
dedicam efetivamente em estimular esta capacidade nos seus filhos. Outro fator
que contribui positivamente em relação à leitura é a influência do professor.
Nesta perspectiva, cabe ao professor desempenhar um importante papel: o de
ensinar a criança a ler e a gostar de ler.
Professores que oferecem
pequenas doses diárias de leitura agradável, sem forçar, mas com naturalidade,
desenvolverão na criança um hábito que poderá acompanhá-la pela vida afora.
Para desenvolver um programa de leitura equilibrado, que integre os conteúdos
relacionados ao currículo escolar e ofereça uma certa variedade de livros de
literatura como contos, fábulas e poesias, é preciso que o professor observe a
idade cronológica da criança e principalmente o estágio de desenvolvimento de
leitura em que ela se encontra. De acordo com Sandroni & Machado (1998,
p.23) “o equilíbrio de um programa de leitura depende muito mais do bom senso e
da habilidade do professor que de uma hipotética e inexistente classe
homogênea”.
Assim, as condições
necessárias ao desenvolvimento de hábitos positivos de leitura, incluem
oportunidades para ler de todas as formas possíveis. Frequentar livrarias,
feiras de livros e bibliotecas são excelentes sugestões para tornar permanente
o hábito de leitura.
Num mundo tão cheio de
tecnologias em que se vive, onde todas as informações ou notícias, músicas,
jogos, filmes, podem ser trocados por e-mails, cd’s e dvd’s o lugar do livro
parece ter sido esquecido. Há muitos que pensem que o livro é coisa do passado,
que na era da Internet, ele não tem muito sentido. Mas, quem conhece a
importância da literatura na vida de uma pessoa, quem sabe o poder que tem uma
história bem contada, quem sabe os benefícios que uma simples história pode
proporcionar, com certeza haverá de dizer que não há tecnologia no mundo que
substitua o prazer de tocar as páginas de um livro e encontrar nelas um mundo
repleto de encantamento.
Se o professor acreditar que
além de informar, instruir ou ensinar, o livro pode dar prazer, encontrará
meios de mostrar isso à criança. E ela vai se interessar por ele, vai querer
buscar no livro esta alegria e prazer. Tudo está em ter a chance de conhecer a
grande magia que o livro proporciona. Enfim, a literatura infantil é um amplo
campo de estudos que exige do professor conhecimento para saber adequar os
livros às crianças, gerando um momento propício de prazer e estimulação para a
leitura.
**
Fonte: Portal R7 - Brasil
Escola
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// A literatura sob o fogo dos memes
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Lava-Jato, a caixa de Pandora
Alceu A. Sperança*
alceusperanca@ig.com.br
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“Nós? Quem, cara-pálida?”
Depois de uma renhida batalha e perseguidos pelo grosso da força de combate Sioux, Zorro e seu fiel parceiro índio Tonto são encurralados à beira de um precipício. “A situação é desesperadora, Tonto, mas nós resistiremos até a morte!”, grita Zorro, heroicamente. “Nós? Nós, quem, cara-pálida?”, retruca o índio, juntando-se aos demais guerreiros.
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Ocupar, o verbo da moda
Ising e o paraíso incompleto
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A “República Soviética” da ilusão
O prefeito do tigre asiático
Dilma não conseguiu ser Ma
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Princesa Isabel e Dilma Rousseff: ambas impedidas de governar |
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Mulher Maravilha, Dr. Silvana e Minions
Saliva e suor, nióbio e pré-sal
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O grafeno mudará o mundo. E a gente?
Alceu A. Sperança*
A julgar por O Fim do Poder, livro do professor Moisés Naim, já aconteceu o “apocalipse” que Antonio Gramsci propunha: “A crise consiste em que o ultrapassado está morrendo e o novo ainda não consegue nascer. E nesse ínterim aparecem muitos sintomas doentios”. Naim, ex-diretor do Banco Mundial e líder do Grupo dos Cinquenta, organização que reúne os CEOs das empresas mais influentes da América Latina, aceita que o ultrapassado de fato está morrendo, e vai tarde, mas dá o novo como já nascido.
* Escritor
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Paranaenses nadando em dinheiro
Alceu A. Sperança*
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* Escritor
....
* Escritor
Ladrões, ricos e admirados
O Barão do Rio Branco se entristeceria com tantas derrotas, ele que escreveu a Joaquim Nabuco: “O nosso povo é muito melhor do que os homens das classes dirigentes”. Hoje, com as prisões de líderes políticos e empresariais, impossível não lhe dar razão, porque o povo trabalha como nunca, mas a classe dominante inventa dívidas e ele paga a conta.
Os larápios famosos que saem das páginas de política e economia para a de polícia merecem ser invejados, como o italiano Charles Ponzi, que passava o bico em quem o considerava um gênio? Ser respeitado na praça deu a Ponzi a autoria da maior fraude do século XX, estimada em 50 bilhões de dólares.
Se foi preso? Claro que sim, mas saiu da cadeia e ficou riquíssimo. Um mestre na arte de trapacear, prometia altíssimos lucros a quem lhe desse dinheiro – e os otários corriam para lhe entregar milhões de dólares, ansiosos por mais grana rápida e fácil. O golpe que ele criou é hoje conhecido como “pirâmide”. Fantásticas fortunas passaram por suas mãos, até que um dia maior golpista do mundo migrou para o Brasil, onde morreu na miséria, em 1949.
Elmyr de Hory também gostava de grana e malandragem, mas seu negócio era arte, que estudou na Alemanha e França, aluno de Fernand Léger, o cineasta e pintor cubista precursor da pop art. Também foi preso e saiu da cadeia para encher os bolsos: vendia pinturas de artistas famosos, que falsificava com esmero. Começou produzindo quadros de Picasso.
As galerias se enchiam com suas obras de nomes famosos. O truque não era reproduzir pinturas existentes, mas criar novas produções no estilo dos copiados. Não seria desmoralizado pintando uma nova Mona Lisa, porque a original tem endereço famoso e é vista diariamente.
A casa caiu quando ele vendeu um “legítimo” Matisse em 1950 para o Museu de Arte da Universidade de Harvard, que não engoliu o quadro, inexistente no portfólio verdadeiro. Foragido, soube que suas falsificações se valorizaram espantosamente: o mercado sabe fazer dinheiro! Arranjou dois financistas como sócios e na clandestinidade abastecia grandes galerias com as obras falsas, vivendo no luxo.
Alceu A. Sperança*
Sanders tem arrecadado para a campanha mais ou menos a mesma fortuna que Hillary Clinton (esta só fatura mais porque é amada pelos donos das prisões). É o jeito estadunidense de espelhar o “Podemos” espanhol e o “Syriza” grego, engabelações semelhantes.
Nos europeus, o discurso novidadeiro mescla-se aos slogans e gritos radicais para convencer as massas de que existe uma saída eleitoral para a desgraceira da crise, quando é óbvio que a crise é produzida pelo próprio sistema para corrigir suas cegadas tirando uma camada a mais do couro de quem trabalha. Que quanto mais trabalha, mais deve.
Nas eleições de outubro no Brasil, os mesmos velhos esquemas virão maquiados pelas equipes de marketing para oferecer algo “novo”, “inovador” ou “reciclado”. Surgem partidos do nada, com “princípios” tão difusos que parecem mais “fins”. Sem contar os “programas”, contorcionismos mais imorais que girar a bolsinha na Esquina do Pecado.
A zelite passa o rodo nas lideranças políticas, comprando consciências e produzindo uma enorme revoada dos partidos da ordem, “odiosos para o público”, para os “alternativos”, criados para cumprir esse papel: servir de guarda-chuva a quem não tem coragem suficiente para ser sincero e dizer o que pretende. O PV defendia a maconha, mas nos Dias atuais a engole para evitar o flagrante...
O linguista estadunidense Noam Chomsky disse à jornalista Abby Martin, da Telesur (Venezuela), que os partidos, nos EUA e Europa, têm um espectro amplo, “mas num sentido estranho (...) do centro à extrema direita”. Para esses grupos, diz ele, “basicamente, não importa o que o povo pensa”, porque cerca de 70% do público, os desprivilegiados, na base da pirâmide social, “não têm influência sensível sobre as políticas de seus próprios representantes”.
Mesmo quando vota, o lúmpen não sabe como fazer o representante funcionar, sem meios para pressioná-lo: “Ora, eu sei que confia em mim, mas para fazer o que você quer tem que arranjar grana para a campanha!” Chosmky vê o mundo comandado por “um tipo de plutocracia com formas democráticas”, no qual as eleições não passam de piada: “O financiamento de campanhas desempenha um papel substancial, não apenas para definir quem será eleito mas que políticas serão praticadas”.
Será que o taxativo sábio do Eclesiastes estava certo quando supôs que não há nada de novo debaixo do sol? A rigor, não sendo na política e na gestão do Estado a serviço da plutocracia, algo novo sempre aparece. Pois não é que os cientistas descobriram há pouco um superbóson que deixaria Higgs de queixo caído?
O novato tem energia entre 125 e 127 GeV, massa quatro vezes maior que a partícula mais pesada conhecida até agora (o quark top), seis vezes mais que o estimado para o bóson de Higgs. Na ciência, todo dia parece coisa nova e surpreendente, mas na política a mesmice é um espanto, Monsieur Talleyrand!
alceusperanca@ig.com.br
....
* Escritor
Alceu A. Sperança*
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Mosquito, mamangava e política morta
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A
tarifa não tem graça
Alceu A. Sperança*
O transporte coletivo continuará indo de mal a pior se
as cidades que se pretendem “metrópoles” não adotarem padrões de, digamos o
palavrão, sustentabilidade. Dificultar o transporte coletivo e privilegiar o
individual equivale a puxar um gatilho assassino: nos últimos três anos, a letalidade
do trânsito brasileiro passou de 18,7 mortes por 100 mil habitantes para 23,4.
O atual modelo de transporte urbano é criminoso e maluco, tendendo a piorar a
qualidade do ar e fragilizar ainda mais a saúde humana – e tudo isso custa,
custa, custa muito.
A substituição dos cobradores pelo cartão de crédito
cria mais problemas e não resolve nenhum dos problemas já existentes. Desempregar
os cobradores, compensando-os com a reciclagem, vá lá, como agentes de turismo
e orientadores sociais, seria um custo razoável se houvesse a gratuidade do
sistema, como ocorreu em Ivaiporã e Pitanga, onde foi adotada a Tarifa Zero –
e, a partir de dezembro, também em Tijucas do Sul.
Desempregá-los e o sistema ficar ainda mais caro e
menos atrativo, obrigando os usuários a comprar vários créditos de um só desembolso
ao contrário de pagar apenas uma passagem por vez, só favorece ao transporte
individual. Justo e sensato seria facilitar por todos os meios a gratuidade do
transporte de estudantes, trabalhadores e donas de casa e forçar imediatamente a
eletrificação dos veículos.
Na Europa, os tribunais vêm aceitando a tese de que o
deslocamento não deve ser pago pelo trabalhador. Sair para trabalhar e voltar
do serviço não é um BigMac que se compra num quiosque para excesso alimentar: é
parte do trabalho que consome o tempo do trabalhador. Esse tempo teria que ser remunerado
– nunca o trabalhador gastar esse tempo no deslocamento e ainda ter que pagar
por perder esse tempo. Isso é pagar para trabalhar.
A lógica é que as empresas, o governo e a sociedade
precisam dos trabalhadores se deslocando aos locais de trabalho, onde vão gerar
as riquezas apropriadas pelas empresas, os impostos arrecadados pelo poder
público e os serviços estendidos a todos. Ao entrar num ônibus, portanto, o
trabalhador deveria ser pago por destravancar o trânsito e melhorar a qualidade
do ar – mas, ao contrário, paga uma tarifa extorsiva.
Nesse mesmo sentido, a dona de casa ao sair às compras
vai fazer circular o dinheiro nas feiras e supermercados, além de prestar um
serviço aos familiares ao sair em busca dos gêneros que depois de preparados
por ela ou auxiliares os alimentarão ao voltar da escola e do trabalho. Por
que, raios, donas de casa têm que pagar para se deslocar aos pontos comerciais onde
deixarão lucros e também para, no retorno, prestar um serviço de amor aos familiares?
E se estudar qualificará melhor uma geração, em
benefício do futuro do Brasil e do mundo, por que cargas d’água o estudante tem
que pagar pelo deslocamento? E se o cara sai para o forró, o teatro, a bocha, o
futebolzinho, visitar os amigos, por onde circular estará gastando,
movimentando a economia, ganhando e distribuindo satisfação. Por que complicar
seu deslocamento, se atravancar ruas estraga produtos perecíveis e faz mais
demorado o acesso dos consumidores às mercadorias transportadas?
Se sair para trabalhar faz parte do trabalho, pagar
pelo transporte é como pagar para trabalhar. Tempos malucos estes, em que tudo
que não dá lucro a alguma corporação ou banco não presta – por isso danificam
tanto o ar, as águas e desviam o ser humano para longe da felicidade,
forçando-o a pagar por tudo... e mais um pouco.
....
* Escritor
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Filme assustador insinua que é tudo real
Alceu A. Sperança*
É tão assustador quanto ouvir narração de assalto. O
temor de estar na mesma situação do narrador detona imagens absurdas na cabeça
do ouvinte. Rio Perdido (Lost River),
filme de estreia como roteirista e diretor do já consagrado ator Ryan Gosling,
foi recebido pela crítica e pela imprensa com aquele ódio que o sujeito sente
quando alguém o coloca impiedosamente diante de seus esqueletos de armário.
O que dá menos medo e angústia no filme, todo em clima
surreal e sombrio, é o drama familiar de Billy, garçonete endividada e sem
marido, com dois filhos para criar, forçada pelo banqueiro a se vender “de
corpo e alma” a uma exploração que é econômica, ideológica e sexual – um triplo
estupro. Algo tão corriqueiro que já banalizou.
Assusta ver sinais do presente projetando o futuro bem
ali à frente, já insinuado e semipresente. As casas incendiadas introduzem o
pesadelo excludente da gentrificação, processo imposto pelos donos do mundo a gestores
autocráticos em alguma pequena ou grande metrópole.
Quem ainda não prestou atenção logo verá a
gentrificação passando o rodo numa esquina próxima, o sinistro Bully a bordo de
uma “limusine” com trono anunciando que você, menino Bones, não pode tirar o
cobre das casas abandonadas pelas famílias que não aguentam mais a situação e partem
a toda hora: a cidade é dele porque a tomou para si.
Uma das poucas cenas que escapa ao clima de fábula e
surrealismo do filme é quando o taxista, não se sabe bem se latino, europeu ou
asiático, diz: “Em meu país todos acham que a riqueza nos EUA é um direito de
todos e o dinheiro farto brota do chão”.
Ele, Billy e as famílias de retirantes sentem na pele
que a crise é brutal e o dinheiro pinga sangue: quem ainda tem posses vai se divertir
assistindo a um teatro de horror e tortura. A criança, Franky, aprende que a
melhor diversão é se lambuzar de sangue, é dar e tirar sangue. Só com muito
sangue, como o das guerras, tudo fica divertido e lucrativo.
Bones e Rat, a doce mocinha que tem um rato de
estimação, tentam fugir à loucura da vida real curtindo antigos filmes com pistas
sobre a possível maldição que produziu toda essa derrota, decadência e o estado
de choque permanente da avó. Mas debaixo do lago poluído por lixo e escombros
há, escondida, uma cidade saudável, reservada apenas a quem consegue descobrir
como entrar nela.
Para fugir da maldição do banqueiro explorando os
endividados e de Bully queimando as casas das famílias pobres e da classe média
com seu IPTU-tocha, é preciso encontrar um meio de penetrar na cidade onde tudo
é lógico e bom. Acharão?
Até aí, mesmo os momentos mais felizes do filme – o culto
ao cinema e uma trilha sonora deliciosa – fazem o espectador a toda hora sentir
vontade de se levantar da sala e sumir dali. Talvez, porém, seja melhor valorizar
o ingresso e assistir até o fim, para saber onde está a saída.
Levanta-se e sai já do cinema, para onde o esperam o
banqueiro estuprador e Bully, o dono da cidade? Ou suporta até os letreiros
finais de fogo e destruição para saber como escapar a esse mundo tão ilusório e
dialeticamente tão real?
Haverá uma cidade melhor debaixo dessa maldição ou ela
terá que ser construída com os materiais que o jovem Bones conseguir nas
demolições? Sai, finalmente, e há um mundo em demolição e em chamas exatamente
agora à sua frente, mas para isso o cinema, que já vai apagando as luzes, não
tem como dar respostas.
***
alceusperanca@ig.com.br
* Escritor
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País
afunda, mas já sabe a saída
Alceu A.
Sperança*
É difícil para um crente lembrar o momento da
“conversão”. Em geral, as crenças são heranças culturais. Vêm mais das
chineladas maternas e dos puxões de orelha paternos que do DNA. Já que ler é
também uma herança cultural, é provável que a genialidade de Marx tenha ficado
evidente ao ler sua afirmação de que “é um paradoxo a Terra se mover ao redor
do Sol e a água, que recobre a Terra, seja constituída por dois gases altamente
inflamáveis”.
Pensando bem (ou mal?), é como carregar uma banana de
dinamite debaixo de cada braço, um balde de gasolina e uma tocha incandescente
e ainda assim nada incendiar nem explodir, nunca, dia após dia, milênio após
milênio de sol intenso em cima de tanto hidrogênio e oxigênio.
Os gases inflamáveis de que a água é formada, enfim e
melhor para todos nós, são sábios o bastante para continuar se combinando de
tal forma que a tocha solar não nos exploda de vez. A água apagaria a tocha,
mas o sol danaria a água. E nós, que não somos gasolina, dinamite ou tochas,
por que nos inflamamos, explodimos, brigamos, infernizamos a própria vida e a
dos demais semelhantes?
O fenômeno de milhares de pessoas obrigadas a
abandonar lares e pátrias para fugir da estupidez da guerra provocada pela avidez
dos donos do mundo por seus recursos naturais – petróleo e minérios – afasta a
hipótese de haver juízo e boa vontade entre os homens. Quando a água for a bola
da vez, o Brasil será alvo da mesma cupidez. Se expulsam índios (“donos” da
terra) por que não expulsarão brancos (invasores)?
É um mundo cheio de horrores. O pior deles é 0,1% da
humanidade ditando o destino – e endividamento – dos restantes 99,99%, mas o horror
causado pela diáspora dos refugiados fica logo de lado na TV quando em lugar
das imagens das pessoas mortas nas perigosas travessias em embarcações frágeis
aparece a alegria de um povo que orgulhosamente salva sua Pátria.
Salva, aliás, sem gentrificação, matança de pobres-diabos,
encarceramento em massa e ofensas dirigidas a quem pensa ou age diferente. Salva
com união de esforços, que não parece tão difícil considerando que o principal
líder da oposição ao presidente Anote Tong é seu irmão Harry...
O Kiribati é um atol-nação localizado no Pacífico. Será
engolido pelo mar nos próximos anos da mesma forma que nações bem firmes em
amplos territórios, zil! zil!, foram engolidas pelas dívidas nacionais
fabricadas pelos banqueiros. O mar não é um cruel agiota cobrando falsa dívida,
mas vai fazer Kiribati afundar, irreversivelmente.
Qual a saída? Naturalmente, comprar território firme no
qual possa estabelecer sua população sem perda de usos e costumes, migrando, ao
contrário dos refugiados da guerra, para uma região de ambiente e clima
similares aos já experimentados historicamente.
Comprando terras mundo afora para o dia em que
precisará fazer a migração final, Kiribati é ao mesmo tempo um dos menores
países do mundo e o único a ter territórios nos quatro hemisférios da Terra,
como a velha Inglaterra da rainha Vitória. É também o país mais avançado no
tempo, já que o ano novo sempre começa lá.
Comprar território para que milhares de pessoas morem
não é coisa barata. Imagine a alegria do corretor de imóveis escolhido pelo
presidente Tong (sim, descendente de chineses), ao lhe vender a primeira parcela
de terras, em Fiji, ao custo de módicos US$ 11,7 milhões. É um país que afunda
mas já sabe como resolver seu problema. E nós?
....
* Escritor
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Cadeias
lotadas e o mistério de Lúcifer
Alceu A. Sperança*
A desinformação, eufemismo para ignorância, é uma das piores
consequências do analfabetismo funcional que domina o Brasil. Sem boas fontes,
uma ampla massa crê nas balelas malandras disseminadas pelos interesses
dominantes, que os comunicadores venais papagueiam sem o menor pudor.
Uma delas sugere que encher as cadeias de malucos,
descontentes, desajustados e sofredores traz a paz social. A não ser como
sadismo e segregar pela força quem incomoda, cadeia não tem servido para grande
coisa. Ao contrário da paz, causa mais revolta e infelicidade, frustrando logo
de saída os familiares das vítimas dos crimes.
Aprendem na dor que não há consolo após a prisão dos culpados
se não houver a reparação dos malfeitos. Prender ou matar o assassino Zé Cruel
não traz de volta quem ele matou nem melhora a segurança. Sofrem angústia
parecida as famílias dos contraventores, que sem dever também são condenados à
humilhação, como se fossem automaticamente culpadas pelas transgressões
cometidas por outros.
Se cadeia produzisse os resultados que os autores das
leis esperam, Napoleão não teria fugido de Elba e reconquistado o poder. Fidel Castro
amargou um xilindró pesado um tempão, mas a história o absolveu, como ele pretendia. Se o caso de Mandela não bastou, não conte
muito com a prisão de líderes. Eles saem dos cárceres mais poderosos.
Um governador paranaense saiu da cadeia diretamente
para o poder: Teófilo Soares. O pai do atual presidente da China, Xi Jinping, suportou
vários anos de cadeia e seu filho foi preso três vezes, reeducou-se, trabalhou
e conquistou posições decisivas na luta política até se tornar o principal
líder da grande nação. Dilma e Lula já estiveram na cadeia, e daí? “Curso de
canário”, em muitos casos, só faz o papel do casulo para a borboleta. Em
outros, impõe a morte em vida para infelizes sem trazer felicidade a quem está
solto.
O melhor livro da Bíblia, Eclesiastes, garante que não
há nada de novo debaixo do sol, mas debaixo de uma geleira, onde o sol não
bate, algo novo foi encontrado. Diga-se em favor de Salomão que em sua época,
por volta de mil a.C., não havia o IceCube – não confundir com o rapper O’Shea
Jackson. É um observatório astrofísico fincado no gelo eterno da Antártica,
onde se deu uma descoberta enregelante, vinda de onde veio, as profundas mais
geladas do planeta.
Trata-se do neutrino de maior energia já encontrado.
São mais de dois quatrilhões de elétron-volts. Os cientistas – físicos e
astrônomos – estão pasmos tentando entender a batata quente que lhes caiu nas
mãos. Neutrinos são tão honestos quanto a cascavel, a cobra que avisa quando
está chegando, qual uma espanhola de castanhola: ele jamais esconde de onde
veio.
Com o neutrino bombado descoberto na geleira,
entretanto, ninguém ainda sabe de onde, raios cósmicos!, ele veio. Alguns
supõem que seja uma espécie de novo Lúcifer, grande anjo de luz, trazendo decadência
(caiu, não caiu?) e notícias do nascimento ou fim do universo. Mas tudo não é
eterno, monsieur Lavoisier? Só se tudo se cria e ainda não sabemos da missa um
terço...
Mr. Stephen Hawking talvez dissesse que o neutrino
bombado veio de um buraco negro, mas seu sintetizador de voz ainda não
metalizou uma resposta. Ah, Horácio, certo estava Hamlet quando lhe jogou na
cara haver mais coisas no céu e na terra do que sonha sua filosofia. Pois no
fundo, debaixo do sol eclesiástico ou na arrepiante geleira antártica, nossa
avançada ciência é ainda uma analfabeta funcional.
....
* Escritor
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Da
lama viemos e nela continuamos
Alceu A.
Sperança*
A água é de graça, mas a prestação de serviços em cima
dela custa um bocado. O ar é de graça, mas a poluição que o sistema dominante
enfia nela custa muito, até demais. Tudo que originalmente era “de graça” ganhou
etiquetas de preço. A usura, que condenava os praticantes às penas do inferno,
hoje é a causa de manter menos de 0,01% da humanidade no paraíso afortunado e
os restantes 99,99% pagando as contas infernais das dívidas nacionais somadas
ao arrocho salarial, impostos e o tributo extra da inflação.
Quando o Uber começou a se espalhar pelo Brasil, os
empresários do setor de táxi protestaram. Sentiram o mesmo que já haviam
sentido os locadores de filmes com a emergência da Netflix, que nada tinha a ver
com a condenável pirataria. Foi o que também sentiram os hoteleiros com o
aplicativo Airbnb abrindo vagas à hospedagem em espaços vagos de residências comuns.
Todas as medidas tentadas para resistir à nova
revolução tecnológica sucumbirão no vazio. Formidáveis e múltiplas inovações
põem abaixo tudo aquilo em que se acreditava. É a ruptura com padrões superados
passando o rodo nas obsolescências remanescentes do século XX. “A aceleração e
a ruptura são os principais fatores do impacto dos meios sobre as formas
sociais existentes”, dizia Marshall McLuhan. Em 1964!
O capitalismo trouxe grandes maravilhas, mas é injusto
e num crescendo afunda a humanidade em doenças, guerras, destruição ambiental, rancores
e um imenso, indescritível sofrimento. Ainda persiste um virulento caldo
reacionário cozinhando, fazendo o mundo uma desgraça globalizada, mas no ventre
da ordem corrupta e gananciosa começa a pulsar a superação do sistema.
Com o Uber, Netflix, Airbnb e tantas outras coisas que
já rolam por aí e logo virão, vai se confirmar aquilo que dizia uma rosa morta
chamada Che Guevara: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas
jamais conseguirão deter a primavera”. A primavera também não foi detida pelos
ludistas, sequer pelos pobres carregadores de riquixá que ao saber da
autorização dada pelo governo de Hong Kong a máquinas poluentes chamadas
“automóveis” para fazer o serviço de táxi, preferiam se deitar nas ruas por
onde passavam os taxistas. Escolheram morrer, como os índios suicidas, por não aceitar
que a vida fosse necessariamente sofrimento.
Devagar, quase parando, a decadência do ensino e a desqualificação
laboral são inversamente proporcionais à acelerada mortandade de jovens no
Brasil. Comparando com o tempo em que a desqualificação era tão grande que
havia máquina moderna a ser operada e ninguém para aprender como funcionava,
até que, em termos, melhorou.
Máquina avançada, com raras similares no mundo, a primeira
barca a vapor vinda para o Brasil foi abandonada por volta de 1825 porque
morreu o maquinista e ninguém mais no Império sabia operar a bendita. Assim, se
é verdade que “a verdade vos libertará” (e quem se atreverá a negar essa máxima
tão bem dita?), a verdade científica nos ajudará a romper os grilhões da ignorância
e da mentira.
Cientistas da Nasa, com base em Mike Russell, supõem
que a vida teve origem no mar. Se assim foi, não é exato que do pó viemos. Avançando
os estudos de Russell, cientistas da Universidade de Osnabrück, Alemanha,
descobriram agora que não foi do pó que viemos, nem da vastidão do oceano, mas
de pequenas poças, em terra. A velha lama nossa de cada dia. O mundo da
ganância global virado num mar de lama, portanto, só demonstra que ainda não
tivemos capacidade para sair dela. E lama, enfim, quando seca vira pó.
....
* Escritor
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Livros
em papel ainda encantam crianças
e adolescentes
O sentimento de que a
invasão de tablets, smartphones e aplicativos sociais pode estar tomando o
lugar dos tradicionais livros em papel entre crianças e adolescentes se desfaz
imediatamente quando se chega à 17ª Bienal do Livro do Rio. Nos três pavilhões
do Rio Centro, milhares de crianças, quase todas integrantes de excursões
promovidas pelos colégios, tomam o espaço e enchem o ambiente de alegria. Os
pequenos lotam as livrarias, principalmente aquelas com temáticas
infantojuvenis.
A explicação para essa
preferência pelos livros em papel em tempo de redes sociais pode estar tanto no
tipo de narrativa que a obra oferece, sem distrações e mais aprofundada, quanto
na capacidade das novas gerações de segmentar a atenção para várias mídias ao
mesmo tempo, algo que é difícil para os mais velhos.
A opinião é da diretora da
Bienal, Tatiana Zaccaro, que vê grande espaço para o crescimento dos livros na
atualidade, em todo o mundo, apesar das tecnologias que cada vez mais fazem
parte da vida de todos.
– A cada ano, temos mais
visitantes, e o número de livros comprados aumenta. E temos algo, que está
ocorrendo no Brasil e no mundo, que são os adolescentes lendo bastante. A média
de livros vendidos tem aumentado exatamente nessa faixa etária. Isso leva a acreditar
que, mesmo competindo com toda a tecnologia que faz parte de sua vida, os
adolescentes, que nasceram na era das telas de toque e da internet, não
abandonam os livros. Eles querem o autógrafo, querem conhecer o autor. Isso
mostra que o livro está mais vivo do que nunca – disse Tatiana.
Uma das formas de garantir
essa simbiose entre mídias de papel e digital é oferecer livros desde muito
cedo às crianças, que assim crescem com amor às páginas impressas. A dica é da
empresária Vanessa Mazzoni, que visitava a bienal em companhia das filhas Ana
Clara, de 11 anos, e Larissa, de 5 anos. “A Ana Clara devora livros, a
pequenina ainda não lê, mas está indo pelo mesmo caminho. A gente incentiva.
Presentes de aniversário são sempre livros, pois ela já está na adolescência.
Elas têm tablet, mas não têm o hábito de ler nele, tem que ser livro de papel
mesmo”, afirmou Vanessa.
A filha Ana Clara, que está
no sexto ano, explicou como consegue se dividir entre as mídias digitais e as
páginas impressas. “Eu fico dividindo o meu tempo. Fico um pouco lendo, um
pouco usando o celular e dá para fazer tudo. Se eu gosto da história e do
autor, eu procuro na internet sobre os outros livros dele e aí compro para ler.
Eu gosto de ver o livro, a capa, acho legal”, contou.
O amor pela leitura às vezes
independe de classe social e condições de adquirir livros que, muitas vezes,
podem ser difíceis de se encaixar no orçamento familiar. Isabele Vitória da
Silva Santos Faria, de 10 anos, integrante do projeto social Circo Crescer e Viver,
aproveita o tempo extra na escola para se dedicar à leitura. O hábito, segundo
ela, veio dos pais. A mãe é cozinheira e o pai, segurança, mas sempre tiveram
livros em casa. “Eu gosto mais de ler contos de fadas e ficção. O tablet
compete com os livros às vezes, mas minha mãe diz que é preciso uma hora para
cada coisa”, disse Isabele.
Colega no circo, Pablo
Richard, de 11 anos, gostaria de ter mais livros em casa. Ele mora com a mãe,
que vende salgados, e não dispõe de tablet nem celular. Diz que prefere ler em
papel mesmo, mas reclama do preço. “Às vezes, vou à biblioteca da escola e pego
o maior livro que tem. Gosto de contos de fadas e histórias de terror. Pena que
os preços aqui na Bienal são o dobro do que eu trouxe em dinheiro”, lamentou.
Mesmo para quem trabalha nas
livrarias, passando o dia entre prateleiras e pilhas de livros, a questão
financeira acaba sendo um limitador. Para Ivisson Laurent dos Santos Silva, o
acesso a determinadas obras, principalmente aos livros técnicos, está distante
da realidade. “Os livros ainda são inacessíveis para a maioria dos brasileiros.
Aqui pagamos muitos impostos e tributos. Apesar de eu trabalhar em uma
livraria, tenho que optar em fazer as coisas pessoais ou comprar um livro.
Entre o pão e o livro, ganha o pão”.
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Independência,
uma pinoia!
Alceu A.
Sperança*
Será grosseiro e radical dizer isso? No honorável Dicionário da Língua Portuguesa da Porto
Editora, “pinoia” é tanto a moça leviana, a periguete, como o ato da trapaça. No
sentido geral, pura malandragem. Sempre um mau negócio. Feita a acusação, vamos
às provas.
O príncipe João podia até rimar com bobalhão, por
conta das manias, da esposa insuportável Carlota e não ser bem educado porque
não era o primeiro na fila para ser rei – entrou no vácuo da morte do irmão
mais velho, José Francisco, e da fanática loucura religiosa da mãe. Um cara de
sorte, no fim das contas. Ah, e adorava coxinhas.
João VI, entretanto, jamais rimou com mal assessorado.
Orientou-se, rapaz, direitinho sobre como agir quando o Brasil decidisse o
óbvio nos tempos revolucionários do início do século XIX: sonhar com as tais
liberdade, igualdade e fraternidade, coisas ainda jamais vistas pela humanidade
até as primeiras décadas deste século XXI.
Assim, João bolou um jeito de simular a independência
do Brasil e ganhar uma grana fácil. Iria abater a dívida que tinha com a
Inglaterra e, de quebra, deixar o filho Pedrinho tomando conta da lojinha.
Bobalhão, uma pinoia!
O movimento maçônico brasileiro pela independência
evoluiu sem sangue, ao contrário de toda a luta dos uruguaios para ter sua
pátria, porque nossa emancipação foi comprada em libras esterlinas. E mesmo pagando
pela Independência, o Brasil ficou dependente, sob o comando de três monarcas
europeus. Pedro I do Brasil saiu daqui e foi virar Pedro IV de Portugal. Uma
pinoia.
Como prefeito brasileiro dá ao filho uma deputança, tradição
mantida pelos séculos afora, o rei João fez do filho Pedrinho (e a si mesmo) o
imperador do Brasil. A princesa Leopoldina determinou a independência brasileira
em 2 de setembro de 1822, mas o marido Pedro, infiel no casamento mas fiel ao
pai (“antes seja para ti, que me hás de respeitar”), manteve o Brasil sob três coroas
até o filho Pedro II entregar tudo a uma coroa só: a da rainha Vitória, após a
quartelada republicana de 1889. Outra pinoia.
Cadê as provas? Nos artigos 1º e 2º do Tratado de Reconhecimento,
datado de 29 de agosto de 1825, o rei João reconheceu o Brasil independente,
tendo por imperador “seu, sobre todos muito amado e prezado, filho d. Pedro”,
também se reservando o direito de ostentar o título de imperador do Brasil. Pois
Pedrinho, em “reconhecimento de respeito e amor a seu augusto pai”, o declarava
igualmente (e simultâneo) imperador do Brasil. Logo, duas coroas.
Celebrada a dupla coroação, o art. 9º do Tratado de
Paz e Aliança meteu o Brasil também sob o domínio da terceira coroa: “debaixo
da mediação de Sua Majestade Britânica**, convieram em virtude dos seus plenos
poderes respectivos” que Pedro pagaria a Portugal, como indenização, “a soma de
dois milhões de libras esterlinas”.
“Independência ou morte” ou uma trapaça (pinoia) para
tomar a grana dos brasileiros e endividar a nova Nação? Para pagar esses
trocados, agradar ao amado pai João e à amada coroa inglesa, Pedrinho se
comprometia a pagar a dívida de Portugal com os banqueiros ingleses e, voilá,
rola que rola, endividar o Brasil desde a Independência.
E eis aí a mãe da atual dívida nacional, uma pinoia
trilionária: hoje, R$ 3,6 trilhões de dívida interna e US$ 555 milhões de
externa. Pagamos caro demais (R$ 2,7 bilhões diários, a cada e todo dia) por um
produto falsificado.
**George IV, o Endividado.
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* Escritor
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Deus
ex-machina e repúblicas às pampas
Alceu A.
Sperança*
Quando nada mais resolve, um cabo de aço para simular
voo faz pairar sobre a cena congelada o “espírito” salvador que traz a solução
genial bolada pelo dramaturgo. É o “deus ex-machina”, recurso do antigo teatro grego
para resolver impasses dramáticos.
Sempre que há crise (e quando não há?), os
desesperados saem à cata de uma solução “espiritual” extraterrena, tal como
beber veneno e embarcar na cauda de um cometa, método maluco de ser “escolhido”
pelas potências celestiais. Para sumir deste planeta em ruínas no primeiro
disco-voador que partir depois da laranjada matinal, Porto Alegre sediou em
junho o Fórum Mundial de Contatados, Abduzidos e Testemunhas, uma espécie de “pare
o mundo que eu quero descer” trazido pelo deus ex-machina. Os não escolhidos
que se danem com sua falta de fé.
Para os contentinhos com o sistema vigente no Brasil,
o deus ex-machina para a sempiterna crise é o pré-sal, a entidade miraculosa
que trará a definitiva salvação para o país. Basta extrair e vender o petróleo
e tudo se resolverá. Na Venezuela já se viu que as coisas não são bem assim. A
gasolina, lá, é mais barata que água de torneira aqui. E todo o ouro e a prata já
extraídos, a imensidão de minerais que se extraem hoje avidamente já deveriam
ter tido lá atrás essa função salvadora de deus ex-machina. Mas o que se vê, sempre,
é a riqueza mais e mais acumulada em menos mãos.
Para os indignados sulistas, o deus ex-machina é a
República dos Pampas (ver “Como ficaria o Brasil dividido?”, 12.3.2009). É a
crise piorar e o indignado invocar o deus ex-machina do separatismo salvador
para confortar sua alma atormentada.
A malandragem de retalhar o Brasil em vários pedaços remonta
no mínimo ao oceanógrafo Matthew Fontaine Maury, por volta de 1850. Carlos
Chagas, na revista Manchete
(5.6.1997), pisa na bola ao escrever que em 1816 o capitão “Mathew Fawry” (ficção
para Maury, que nessa época tinha só dez anos) remeteu memorando secreto a seus
superiores nos EUA aconselhando a criação do “Estado Soberano da Amazônia”.
Incluiria as Guianas atuais, tendo por fronteira Sul uma
linha reta partindo de São Luís do Maranhão ao ponto extremo onde hoje Rondônia
se limita com o Mato Grosso. A Bahia não seria mais só um estado de espírito,
mas uma nação independente. Sem ela, proclamada por Napoleão, o Nordeste seria
a República do Equador. Santa Catarina, outra Malvina britânica. Ao Sul, claro,
a República Rio-grandense.
“Fawry” é fake, inventado por Fernando Sampaio em O Dia em Que Napoleão Fugiu de Santa Helena,
mas Maury de fato propôs a Amazônia para acolher os escravos libertos nos EUA. Influenciado
por essas ideias, o próprio Lincoln, em 1862, quando declara “desde já e para
sempre livres todos os escravos existentes nos Estados rebeldes”, propõe aos
libertos que aceitem a proposta do general James Watson Webb, amigo de d. Pedro
II, de criar um Estado Livre para os ex-escravos na Amazônia.
Um detalhe essencial impediu o Brasil de perder a
Amazônia já naquela época: os negros estadunidenses não quiseram sair de lá.
Alegaram que os EUA, “terra da liberdade”, também era o país deles. Foram
respeitados, veja só. No Brasil, defensores da propriedade privada ainda hoje matam
e expulsam índios a pretexto de que... seus verdadeiros donos têm terras demais!
Se os negros estadunidenses topassem criar uma
República apartada do Brasil, hoje não teríamos mais a Amazônia. E assim, via Efeito
Borboleta, quem sabe nem os EUA tivessem o presidente Obama.
....
* Escritor
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Assim
vovô se livrou da escravidão
Alceu A.
Sperança*
Pai contra
mãe, o chocante conto de Machado de
Assis, expõe o impacto que uma nova ordem traz sobre os restolhos da velha. “A
escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições
sociais” é a oração que dá o tom da narrativa. Ao ser extinta, a ordem
escravista condenou aos museus os equipamentos usados para prender e castigar
os escravos.
A caixinha de pregar mão vai dar saudades em pais
neuróticos que dizem “amém” ao senhor gerente e descontam as humilhações sofridas
nas crianças ao chegar ao doce lar. A berlinda desperta suspiros nostálgicos
nos exploradores mais radicais: o rebelde tinha os punhos e o pescoço presos e
quem passava lhe distribuía tapas, petelecos e cusparadas.
Enfim, a ordem capitalista só conseguiu progresso de
fato ao liquidar esses restolhos do escravismo que ainda permaneciam no
feudalismo. E aí inventou a nova máquina dentre as tantas que o caracterizaram
como a formação social e econômica mais evoluída forjada pela humanidade: o
relógio do cartão-ponto.
Não é demais supor que na futura ordem socialista
haverá restolhos da ordem capitalista e eles terão sobre nossos netos o mesmo
efeito angustiante que os entulhos das crueldades escravistas motivaram nos
leitores de Machado de Assis ao ler o livro Relíquias
da Casa Velha, em 1906. Nada que Maquiavel já não tenha advertido, aliás:
“Não há nada mais difícil de realizar nem mais perigoso de controlar que o
inicio de uma nova ordem de coisas”.
É possível que nossa expressão de horror ao saber como
o escravo era tratado na berlinda seja o mesmo sentimento de piedade que os atuais
bisnetos sentirão pelo bisavô ao saber como remetia torpedos em sua época. Primeiro,
precisava de uma rústica máquina de escrever, na qual sujava os dedos de tinta
ao colocar a fita. Precisava então de papel para deslizar no cilindro da
máquina, alinhar e então catar milho (só isso ainda permanece!) para digitar o
texto da mensagem.
Mais papel era necessário: um envelope. Nele, o papel
com o texto do torpedo era colocado. Aí vinha o esforço propriamente dito:
andar até uma agência de correio para a postagem, que dependia ainda de fechar
o envelope com cola e lacrá-lo com um selo e um carimbo. Então bisavô pagava o
selo e sua parte estava concluída, equivalente a um clique no “send”: a
mensagem foi finalmente postada para a bisa, ainda sua namoradinha de colegial.
Ah, mas até ela receber a mensagem tudo ainda dependia
de mais esforço e um tempão desde a cartinha ser colocada num malote e ser
transportada de caminhão até uma central dos Correios e Telégrafos. Dela (ufa!)
partiam carteiros a pé ou de bicicleta levando a correspondência até o endereço
físico da namorada, onde era colocada numa caixinha externa ou por baixo da
porta. Que horror, pobre bisa!
Não tenha tanta pena, bisnetinho, porque no fim da
história seu bivovô ficou maravilhado com o avanço da ciência e da tecnologia. O
velho descobriu de vez a felicidade, com a sagrada certeza de que o capitalismo
tinha dado certo ao receber a grande novidade, que fazia o torpedo chegar de
imediato às mãos da bisa, já na faculdade.
Exultante, põe o bisneto no colo e lembra o
maravilhoso avanço tecnológico que mudou totalmente sua vida e o fez ter a
certeza de finalmente chegar ao melhor dos mundos, o plano final do Divino para
a humanidade: o fax... Como diziam os bisavós chineses e seus vizinhos no
tempo, “isso também passará”.
....
* Escritor
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Para cultivar livro e leitura,
num país diverso mas oral
Por Jéferson Assumção
O artigo A Dimensão Cultural da Leitura, do ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, publicado no caderno do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), em 2006, traz uma frase que considero ser a chave para uma política de livro e leitura a ser desenvolvida no Brasil:
“É necessário também pensar o modo como essa prática leitora se articula com nossa cultura, tão nossa, tão brasileira, tão rica em sua oralidade e espontaneidade, mas ainda pobre em sua dimensão escrita. Se desenvolvê-la nessa direção não é tarefa fácil, com certeza ela só se realizará plenamente se feita em consonância e respeito com a diversidade cultural de nosso povo, de modo a potencializá-la e não suprimi-la”.
De fato, a diversidade cultural (cuja convenção da Unesco para sua defesa e promoção completa dez anos em 2015) se trata de um dos desafios mais importantes a que uma política de livro e leitura deve se ater em um país com nossas dimensões e peculiaridades territoriais e culturais. Uma megadiversidade tão cheia de interiores e com eles suas riquezas, amazônicas, sertanejas, agrestes, pantaneiras, pampeanas impõe a quem quer que aqui desenvolva o livro e a leitura um olhar ainda mais plural que em outros territórios e países menos heterogêneos. A população brasileira, formada basicamente por três grandes blocos: os indígenas e os africanos, ágrafos, e os portugueses, cujo nível de alfabetização sempre foi o menor da Europa e em seguida enriquecida por povos de todos os quadrantes da Terra, é belo resultado de uma especial mistura.
No entanto, ao permanecer por séculos longe dos livros – até o ano de 1808 Portugal proibia que se fizessem livros no Brasil – e com uma educação rarefeita até mais da metade do século XX, chegamos ao século XXI com elevados índices de analfabetismo absoluto (cerca de 10% da população) e uma relação recente e problemática com o livro e a prática leitora. Diferentemente da maioria dos países da Europa, por exemplo, em que a literatura e o livro cumpriram um enorme papel social e político, no Brasil a relação com o livro só se desenvolve, ainda que de forma muito precária, em escala social, depois da relação com os meios de comunicação de massa. E, hoje, com os meios digitais.
Mas, então, como cultivar a leitura neste contexto adverso? Temos um mapa, pelo menos. Precisamos desenvolver políticas e ações que se orientem pelos cinco princípios norteadores do PNLL:
1) O Livro deve ocupar um lugar de destaque no imaginário coletivo;
2) Deve haver escolas que saibam formar leitores;
3) Devem existir famílias de leitores;
4) Melhor acesso ao Livro; e
5) Um melhor Preço do livro.
E, assim como sem leitura o Brasil não se tornará uma pátria educadora, uma política de leitura para o Brasil de nosso tempo necessita estar intimamente ligada à Educação e à vida na escola, focando principalmente a faixa entre os 7 e os 14 anos, período em que a prática leitora se desenvolve e tem chances de se consolidar. E contar com as necessárias parcerias com a sociedade civil organizada, as redes, coletivos e o mercado do livro.
Precisamos relacionar a leitura com a cultura, num contexto de megadiversidade. País antropofágico, de tradições e inovações, de modernidades e arcaísmos, de hibridismos e identidades, de urbes tão imensas quanto seus campos, florestas e faixas litorâneas, o Brasil impõe-se como desafio de multiplicidade a qualquer prática cultural em seu território, entre elas a da leitura e da literatura. Um país com tantas fontes, indígenas, negras, europeias, asiáticas olha para o mundo e é olhado por ele de maneira especial. A prática da leitura, por aqui, também deve ser tão especial quanto o Brasil é.
Temos que desenvolver a leitura no Brasil a partir dos pressupostos culturais de sua singular formação. Antropologicamente, historicamente, sociologicamente, a tarefa de fazer do Brasil um país leitor não pode ser articulada de maneira instrumental, funcional, ao desenvolvimento econômico e mesmo social sem ser qualificado pela especificidade de sua cultura, sob pena de achatar-se e não acompanhar sua própria grandiosidade. Também, para o desenvolvimento de uma visão sistêmica de leitura, é preciso, junto com a leitura solitária, cartesiana, fundamental para a formação do olhar íntimo do leitor silencioso, a leitura solidária, aberta, dialogante com a diversidade cultural e com a cultura digital contemporâneas.
Fundamental é desenvolver diálogos estratégicos entre Cultura e Educação, Cultura e Comunicação, com a Sociedade (redes e coletivos de cultura, pontos de cultura etc) e com as Políticas Culturais de nosso País. Com isso, podemos, a sociedade e os governos, articular grandes ações dentro e fora da escola, como escritores nas escolas, tal como o Rio Grande do Sul faz com sucesso há cerca mais de 30 anos; campanhas de visibilidade da leitura e da literatura; trabalhar o já grande acervo de literatura distribuído em todo o Brasil pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola, do MEC; desenvolver ações na linha Formação literária e difusão cultural, recentemente incluída no Mais Cultura nas Escolas; atuar em ações de visibilização das atividades realizadas nas periferias, centros urbanos e interior do Brasil (saraus, festas literárias, rodas de leitura etc) pelas redes, coletivos e as mais de mil bibliotecas comunitárias do Brasil.
É preciso ajudar na articulação em rede dessas inúmeras iniciativas, com editais específicos para as narrativas urbanas, indígenas, negras etc. Precisamos também mostrar a exemplaridade de bibliotecas públicas e comunitárias, com um selo Biblioteca Viva, além de realizar ações no sentido de promover a língua portuguesa, como veículo para a difusão da produção cultural brasileira em todas as linguagens, desde a literatura, a música popular, cinema, teatro, manifestações populares etc. Essas e outras ações só serão possíveis com o esforço de muitos (governo, parlamentares, sociedade, movimentos, mercado) em prol de ações estruturantes, entre elas, aprovar no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Plano Nacional de Livro e Leitura – PNLL, criar o Fundo Setorial Pró-Leitura; e recuperar a institucionalidade do livro e da leitura no País por meio de um Instituto Nacional do Livro, Leitura e Literatura. Muito já foi feito, mas muito ainda é necessário para que a riqueza da cultura brasileira se amplie também na dimensão escrita.
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O canibalismo nosso de cada dia
Alceu A. Sperança*
Ao se estender à história, um olhar contaminado pelo presente e convicções atuais cria um filme de terror: nossos antepassados foram canibais, alega a antropóloga Silvia Bello, do Museu de História Natural de Londres. Ao estudar ossos achados na Caverna de Gough, em Somerset, ela descobriu que pessoas eram devoradas por um tipo muito especial de animal: gente.
Nesse restaurante-caverna, há cerca de 15 mil anos os fregueses tinham o hábito de consumir seus quitutes o máximo possível, até quebrando os ossos para saborear o tutano. Sem esbanjar, limpavam o prato. Que, como os copos, eram feitos com crânios. Silvia Bello supõe que havia um ritual religioso nesse processo alimentar – algo como render graças antes da saborosa refeição.
Só na Inglaterra? Na península ibérica, de onde vieram os “achadores” e primeiros donos de papel passado do Brasil, o canibalismo não era incomum. No Norte da Espanha, as carnes mais apreciadas eram as de crianças e adolescentes, o que leva à solução do pio Jonathan Swift para a fome, em sua “Modesta Proposta”. Comer crianças pobres zera a miséria e não requer redução da idade penal. O problema será a futura falta de mercadorias. Os pobres, por extinção, deixarão de produzir acepipes para os abastados (e pedófilos) comensais. Aí, sem saída, o jeito será passar no cutelo gordinhos filhotes da classe média...
Ao contrário dos escravistas europeus, que obrigavam os negros e índios a se esfalfar até a morte prematura, trabalhando impiedosamente abaixo de condições aterrorizantes, os Tupis eram piedosos canibais. Comendo os inimigos capturados em combate, celebravam religiosamente sua bravura, evitavam que sofressem e não precisavam sustentá-los. Escravos só rendem mais do que produzem em condições muito especiais, coisa que os ingleses descobriram logo no alvorecer do capitalismo e os Tupis sempre souberam.
Os Tupis não consideravam justo alimentar quem nada produz – e a produtividade não é, hoje, o cerne do debate econômico nacional? Vencer uma guerra e sustentar os folgados vencidos à custa do trabalho dos nossos irmãos e filhos? Jamais! Cadê aquele velho livro de receitas?
Chega desses horrores do passado e das “velhidades” de Silvia Bello. Melhor esquecer esse remoto passado para não despertar apetites ancestrais nem julgar fora de contexto as preferências culinárias de vovô. Melhor prospectar o futuro lendo obras recentes sobre descobertas científicas. O novo livro de Nick Lane, The Vital Question: Energy, Evolution, and the Origins of Complex Life (A questão vital: energia, evolução e as origens da vida complexa), sustenta que até certa altura da evolução a vida se resumia a micróbios incapazes de gerar seres maiores – gente, nem pensar. O que aconteceu, então? Fiat lux?
Deu-se o caso clássico do ovo, que vem antes da galinha. Com base nos estudos do biólogo William Martin, Lane supõe que começamos a ser “criados” no mágico instante em que um micróbio passou a viver dentro de outro – a mitocôndria se deixa “comer” pelo hospedeiro e vai esticar a vida até formas mais complexas. Devolve-nos, assim, ao horror do canibalismo. Ou do parasitismo, o que explica bilhões de pessoas pagando pelo que não devem a menos de 1% de espertalhões. Então é isso: do canibalismo viemos...
Cabe ter hoje suficiente humanidade para não canibalizar nossos iguais, explorando-os até enlouquecerem de tanta dívida, discriminando-os por qualquer diferença de aparência, essência ou preferência, nem matá-los nas guerras em nome de deuses cujos nomes reais são grana, poder, petróleo e agora até água. Que com a terra, o ar e o fogo faziam a quádrupla deidade elementar dos antigos canibais.
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* Escritor
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Igualdade para as cavalgaduras
Alceu A. Sperança*
Um encrenqueiro grego, Xenófanes, sacudiu a arrogância humana ao supor que “se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os deuses sob forma de cavalos e os bois pintariam os deuses sob forma de bois”. De fato, os homens supõem seus “deuses” como vingativos ou bondosos como eles próprios julgam ser.
Animais sociais como abelhas e formigas possuem um “RG” natural que os identifica por sexo, idade e participação na comunidade. Isso devolve a espécie humana à depreciação de que somos todos animais, e nesse caso inferiores a espécies que a natureza preza mais que o homem, como as bactérias – seres que todas as evidências comprovam os mais queridos pelo equilíbrio universal.
Assiste-se há milênios a um enquadramento dos humanos a procedimentos de registro e controle, hoje cartonados e biométricos. Chips plastificados de bancos, lojas, farmácias, igrejas ou transporte coletivo são requeridos para tudo: circular, ultrapassar fronteiras, comprar, vender. Um monte de cartões e um mundaréu de senhas para os humanos, quando uma simples formiga ou abelha tem tudo isso desde que nasce, livre dessa cartonagem bestial e numérica (666, of course!).
A igualdade é considerada humanitária, embora por desumanidade não se pratique. Liberdade é para as borboletas. Para os humanos, é ter dinheiro. Fraternidade é brigar por herança em cima do cadáver do pai ainda quente. E igualdade? Talvez, como “equivalente”, seja coisa de animais, sobretudo cavalgaduras – equus, do Latim, era a parelha de bestas que transportava a biga. Lado a lado, iguais, equus sugere igualdade e equivalência. Arre, égua!
Homens se sentem grandiosos e sob proteção “divina”, mas seus sistemas bagunçados se arruínam em sanguinolência, maldade e sofrimento. Abelhas não têm corrupção eleitoral – sua rainha não manda nem ordena, porque sua sociedade é regulada naturalmente, conflitando com nossa bela noção republicana de igualdade perante a lei. Mas aí aparecem os desiguais para atrapalhar exigindo direitos. E dê-lhe gás de pimenta e borrachada nas ancas.
Igualdade, no Brasil, é tirar os desiguais da sala de conchavos. O sistema de poder foi montado na Constituição de 1988 de forma que o presidente, governador e prefeito reproduzam a figura do imperador. São chefes de partido, governo e Estado. Se as leis não lhes bastam, saem a decretar ou alugar maiorias para impor os interesses de quem financiou as campanhas.
Essa é a raiz do Mensalão, a governabilidade cultivada por petistas, tucanos e agregados no Big Center (Centrão, para os íntimos). A maioria parlamentar é forjada pelo poder econômico a cavaleiro de uma enorme desigualdade. Quando o imperador de plantão e o Congresso conflitam, seus atritos interna corporis se resolvem por uma lei. No limite, por uma ação ou recurso judicial.
Se a mensalização é demais e as leis são apunhaladas grosseiramente com jeitinhos e pedaladas, o Ministério Público, qual Grilo Falante, dá uma sacudida nos Pinóquios. Nada disso, porém, limita os poderes imperiais do trichefe executivo nem democratiza o parlamento, cuja composição é nomeada pelo grosso do poder econômico. E assim as cavalgaduras que aspiram igualdade/equivalência se reduzem à insignificância de meros equus, com direito a ser iguais somente na parelha que transporta o orgulhoso imperador em sua biga do ano.
....
* Escritor
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Entidades se preocupam com programa de livros
"Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos, que inauguram a vida, como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária é proposição indispensável. Se é um projeto literário é também uma ação política por sonhar um País mais digno."
(BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS, in Manifesto por um Brasil Literário, 2009)
**
A Associação Brasileira de Editoras de Livros Escolares, a Associação Nacional de Livrarias, a Câmara Brasileira do Livro, a Liga Brasileira de Editores e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, em nome de seus associados, vem manifestar sua preocupação em relação à continuidade da política pública de inclusão da literatura no âmbito da Educação Infantil e dos ensinos Fundamental e Médio, tendo em vista a imposição de cortes nas verbas do Ministério da Educação.
A educação deve ser entendida no sentido amplo, sem se restringir a ensinar a criança a ler e a escrever, mas também a pensar, refletir e compreender. Através do hábito de leitura, a criança aumenta seu conhecimento sobre o mundo e se prepara para exercer sua cidadania.
Hoje, apenas 25% dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos, o que significa que 75% não têm capacidade de compreender e interpretar textos, segundo dados do INAF -- Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional.
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de bibliotecas escolares com livros de literatura devem ser prioridades nas ações do Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só assim poderemos equiparar direitos, garantindo a mesma qualidade na formação a todas as crianças e jovens brasileiros, independentemente da cidade onde vivem, das carências e desigualdades de cada região.
Um grande passo nesse sentido foi a criação, em 1998, do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), e seu desenvolvimento e aprimoramento ao longo dos últimos anos. Até 2014, este programa vinha cumprindo seu objetivo de "prover as escolas de ensino público das redes federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, no âmbito da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino fundamental, do ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA), com o fornecimento de obras e demais materiais de apoio à prática da educação básica". Na última década, o PNBE tornou-se um exemplo de sucesso na inclusão da literatura em sala de aula, e outros programas de igual importância foram também criados, como o PNBE do Professor, o PNBE Periódicos, o PNBE Temático e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Estes programas permitiram aos alunos de todo o país o acesso a uma grande diversidade de obras literárias, de escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros, obras estas que foram avaliadas e selecionadas por profissionais especializados em literatura e educação. Permitiram também que editoras de todos os portes participassem do processo de seleção e tivessem a oportunidade de incluir seus títulos nestes programas.
Em 2015, porém, segundo informações recentes da Fundação Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela execução desses programas, não houve ainda a liberação de verbas para viabilizar tanto o PNBE Temático 2013, que já estava com contratos em andamento, quanto o PNAIC 2014 cujos livros já estavam selecionados e as editoras devidamente habilitadas para a negociação e o contrato. Lamentavelmente, o processo de avaliação dos livros inscritos para o PNBE 2015 também estagnou. De acordo com dados estimativos, as verbas destinadas ao PNBE Temático 2013 e do PNAIC 2014, em conjunto, representam menos de 1% do valor do corte orçamentário de R$ 9,4 bilhões sofrido pelo Ministério da Educação.
Além disso, o governo do Estado de São Paulo, em comunicado oficial, suspendeu a compra de livros para escolas e bibliotecas. Temos acompanhado notícias aterradoras de paralisia de ações em diversos estados e municípios, como o fim de um dos projetos mais emblemáticos do país, a Jornada Literária de Passo Fundo. Casos recentes que preocupam o caminho da transformação do Brasil pela leitura.
O atraso na execução desses programas e projetos já causa reflexos preocupantes na cadeia produtiva do livro, atingindo não somente editores e livreiros como também autores, tradutores, ilustradores, revisores e a indústria gráfica.
Entretanto, muito mais grave do que esse prejuízo tangível da cadeia produtiva do livro é o prejuízo incalculável e talvez irreparável causado a milhões de crianças e jovens brasileiros, que deixarão de receber livros de literatura em suas escolas, o que representará um grande retrocesso nas conquistas educacionais dos últimos anos e um dano irreversível ao pensamento livre e crítico da nossa população jovem.
Acreditamos que a leitura de livros de literatura, além de prioritária, é também um direito da criança e do jovem.
Paraty, 3 de julho de 2015.
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8 dicas para adquirir o hábito de leitura rápida
Por Universia, com base em Shutterstock
A leitura é uma atividade muito importante e que pode trazer grandes benefícios para aqueles que a praticam. Aumento da bagagem cultural, desenvolvimento do senso crítico, da criatividade e ampliação da quantidade de conteúdos aprendidos são alguns deles. No entanto, por causa da rotina acelerada, diversos indivíduos têm interesse pelos livros, mas não têm tempo para desfrutar do hábito.
Mesmo que seja complicado realizar essa atividade no dia a dia, é essencial que as pessoas encontrem formas de conseguir realizá-la devido à importância da prática. Se você está dentro dessas estatísticas e não sabe o que fazer, confira hábitos que podem ajudar a inserir a leitura no seu cotidiano:
1- Tenha mais livros do que você conseguirá ler
Independentemente se você prefere pegar as obras emprestadas com amigos, em bibliotecas ou comprá-las, sempre tenha mais delas do que conseguirá ler. Assim, todas as vezes que lembrar a quantidade de livros que tem para ler, provavelmente será impulsionado a acelerar as leituras, para conseguir entrar em contato com a maior parte delas.
A dica também serve para aqueles que preferem os e-books: faça o download de muitas obras. A grande quantidade armazenada nos seus dados certamente será um motivador para que você leia mais rapidamente.
2- Leia mais de um livro ao mesmo tempo
Além de estimular mais o funcionamento do cérebro ao ler mais de um livro ao mesmo tempo, essa prática é boa, porque você torna-se capaz de se adequar a vários tipos de leitura de uma vez. Algumas obras são mais fáceis de ler durante o dia, já que exigem mais atenção do leitor que precisa fazer análises com base no texto. Outros, como romances, podem ser facilmente lidos durante a noite, já que não exigem tanto. Assim, a pessoa consegue ler mais e ainda contemplar vários tipos pelos quais se interessa.
3- Estabeleça metas de leitura
No momento que começar um novo livro, estabeleça em quanto tempo irá terminá-lo, além da quantidade de páginas que lerá por dia. Assim, você se torna mais organizado e, consequentemente, consegue ler mais obras em um período determinado de tempo.
4- Leia pensando em você
O mais importante do hábito de leitura é que você escolha livros que irão ser benéficos para você. Não se preocupe com o que deveria estar lendo ou o que as pessoas esperariam que você estivesse. Seja honesto com você mesmo e aproveite o momento para desfrutar de obras que realmente o interessem.
5- Leia em dispositivos móveis durante o caminho para o trabalho ou instituição de ensino
O celular é um aparelho que sempre acompanha as pessoas durante a rotina e, por isso, pode ser um bom instrumento de leitura. Caso você não goste de desfrutar os livros por meio de dispositivos digitais, aproveite o tempo para ler textos menores disponíveis na internet. Pela quantidade de conteúdos online, com certeza você encontrará algum que interessará.
6- Analise qual o melhor momento do dia para ler
Cada um precisa analisar quando é o melhor horário para ler e onde prefere fazer a atividade. Preocupe-se em escolher um em que você sinta que consegue absorver a mensagem passada pela obra e que sente prazer em estar lendo. É essencial que o hábito torne-se confortável e até imprescindível na sua rotina.
7- Estabeleça prioridades
Se você quer criar o hábito de ler, precisa estabelecer uma lista de prioridades em que a leitura seja um dos primeiro tópicos. Você precisa se condicionar a prática e não ser corrompido pelas distrações, como a internet ou a televisão. Quando você se dispuser a ler, fique longe desses objetos, para que mantenha o foco somente no texto que escolheu.
8- Faça apostas com pessoas que você gosta
Se você tem amigos que leem muito, por que não realizar apostas com eles para que isso seja um motivador para ampliar seu hábito de leitura? Estabeleçam metas que vocês devem cumprir e escolham um prêmio para o ganhador, como um livro. Aproveite para ter momentos de diversão com pessoas queridas e para se beneficiar das vantagens da leitura.
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A
tarifa não tem graça
Alceu A. Sperança*
O transporte coletivo continuará indo de mal a pior se
as cidades que se pretendem “metrópoles” não adotarem padrões de, digamos o
palavrão, sustentabilidade. Dificultar o transporte coletivo e privilegiar o
individual equivale a puxar um gatilho assassino: nos últimos três anos, a letalidade
do trânsito brasileiro passou de 18,7 mortes por 100 mil habitantes para 23,4.
O atual modelo de transporte urbano é criminoso e maluco, tendendo a piorar a
qualidade do ar e fragilizar ainda mais a saúde humana – e tudo isso custa,
custa, custa muito.
A substituição dos cobradores pelo cartão de crédito
cria mais problemas e não resolve nenhum dos problemas já existentes. Desempregar
os cobradores, compensando-os com a reciclagem, vá lá, como agentes de turismo
e orientadores sociais, seria um custo razoável se houvesse a gratuidade do
sistema, como ocorreu em Ivaiporã e Pitanga, onde foi adotada a Tarifa Zero –
e, a partir de dezembro, também em Tijucas do Sul.
Desempregá-los e o sistema ficar ainda mais caro e
menos atrativo, obrigando os usuários a comprar vários créditos de um só desembolso
ao contrário de pagar apenas uma passagem por vez, só favorece ao transporte
individual. Justo e sensato seria facilitar por todos os meios a gratuidade do
transporte de estudantes, trabalhadores e donas de casa e forçar imediatamente a
eletrificação dos veículos.
Na Europa, os tribunais vêm aceitando a tese de que o
deslocamento não deve ser pago pelo trabalhador. Sair para trabalhar e voltar
do serviço não é um BigMac que se compra num quiosque para excesso alimentar: é
parte do trabalho que consome o tempo do trabalhador. Esse tempo teria que ser remunerado
– nunca o trabalhador gastar esse tempo no deslocamento e ainda ter que pagar
por perder esse tempo. Isso é pagar para trabalhar.
A lógica é que as empresas, o governo e a sociedade
precisam dos trabalhadores se deslocando aos locais de trabalho, onde vão gerar
as riquezas apropriadas pelas empresas, os impostos arrecadados pelo poder
público e os serviços estendidos a todos. Ao entrar num ônibus, portanto, o
trabalhador deveria ser pago por destravancar o trânsito e melhorar a qualidade
do ar – mas, ao contrário, paga uma tarifa extorsiva.
Nesse mesmo sentido, a dona de casa ao sair às compras
vai fazer circular o dinheiro nas feiras e supermercados, além de prestar um
serviço aos familiares ao sair em busca dos gêneros que depois de preparados
por ela ou auxiliares os alimentarão ao voltar da escola e do trabalho. Por
que, raios, donas de casa têm que pagar para se deslocar aos pontos comerciais onde
deixarão lucros e também para, no retorno, prestar um serviço de amor aos familiares?
E se estudar qualificará melhor uma geração, em
benefício do futuro do Brasil e do mundo, por que cargas d’água o estudante tem
que pagar pelo deslocamento? E se o cara sai para o forró, o teatro, a bocha, o
futebolzinho, visitar os amigos, por onde circular estará gastando,
movimentando a economia, ganhando e distribuindo satisfação. Por que complicar
seu deslocamento, se atravancar ruas estraga produtos perecíveis e faz mais
demorado o acesso dos consumidores às mercadorias transportadas?
Se sair para trabalhar faz parte do trabalho, pagar
pelo transporte é como pagar para trabalhar. Tempos malucos estes, em que tudo
que não dá lucro a alguma corporação ou banco não presta – por isso danificam
tanto o ar, as águas e desviam o ser humano para longe da felicidade,
forçando-o a pagar por tudo... e mais um pouco.
....
* Escritor
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Filme assustador insinua que é tudo real
Alceu A. Sperança*
É tão assustador quanto ouvir narração de assalto. O
temor de estar na mesma situação do narrador detona imagens absurdas na cabeça
do ouvinte. Rio Perdido (Lost River),
filme de estreia como roteirista e diretor do já consagrado ator Ryan Gosling,
foi recebido pela crítica e pela imprensa com aquele ódio que o sujeito sente
quando alguém o coloca impiedosamente diante de seus esqueletos de armário.
O que dá menos medo e angústia no filme, todo em clima
surreal e sombrio, é o drama familiar de Billy, garçonete endividada e sem
marido, com dois filhos para criar, forçada pelo banqueiro a se vender “de
corpo e alma” a uma exploração que é econômica, ideológica e sexual – um triplo
estupro. Algo tão corriqueiro que já banalizou.
Assusta ver sinais do presente projetando o futuro bem
ali à frente, já insinuado e semipresente. As casas incendiadas introduzem o
pesadelo excludente da gentrificação, processo imposto pelos donos do mundo a gestores
autocráticos em alguma pequena ou grande metrópole.
Quem ainda não prestou atenção logo verá a
gentrificação passando o rodo numa esquina próxima, o sinistro Bully a bordo de
uma “limusine” com trono anunciando que você, menino Bones, não pode tirar o
cobre das casas abandonadas pelas famílias que não aguentam mais a situação e partem
a toda hora: a cidade é dele porque a tomou para si.
Uma das poucas cenas que escapa ao clima de fábula e
surrealismo do filme é quando o taxista, não se sabe bem se latino, europeu ou
asiático, diz: “Em meu país todos acham que a riqueza nos EUA é um direito de
todos e o dinheiro farto brota do chão”.
Ele, Billy e as famílias de retirantes sentem na pele
que a crise é brutal e o dinheiro pinga sangue: quem ainda tem posses vai se divertir
assistindo a um teatro de horror e tortura. A criança, Franky, aprende que a
melhor diversão é se lambuzar de sangue, é dar e tirar sangue. Só com muito
sangue, como o das guerras, tudo fica divertido e lucrativo.
Bones e Rat, a doce mocinha que tem um rato de
estimação, tentam fugir à loucura da vida real curtindo antigos filmes com pistas
sobre a possível maldição que produziu toda essa derrota, decadência e o estado
de choque permanente da avó. Mas debaixo do lago poluído por lixo e escombros
há, escondida, uma cidade saudável, reservada apenas a quem consegue descobrir
como entrar nela.
Para fugir da maldição do banqueiro explorando os
endividados e de Bully queimando as casas das famílias pobres e da classe média
com seu IPTU-tocha, é preciso encontrar um meio de penetrar na cidade onde tudo
é lógico e bom. Acharão?
Até aí, mesmo os momentos mais felizes do filme – o culto
ao cinema e uma trilha sonora deliciosa – fazem o espectador a toda hora sentir
vontade de se levantar da sala e sumir dali. Talvez, porém, seja melhor valorizar
o ingresso e assistir até o fim, para saber onde está a saída.
Levanta-se e sai já do cinema, para onde o esperam o
banqueiro estuprador e Bully, o dono da cidade? Ou suporta até os letreiros
finais de fogo e destruição para saber como escapar a esse mundo tão ilusório e
dialeticamente tão real?
Haverá uma cidade melhor debaixo dessa maldição ou ela
terá que ser construída com os materiais que o jovem Bones conseguir nas
demolições? Sai, finalmente, e há um mundo em demolição e em chamas exatamente
agora à sua frente, mas para isso o cinema, que já vai apagando as luzes, não
tem como dar respostas.
***
alceusperanca@ig.com.br
* Escritor
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País
afunda, mas já sabe a saída
Alceu A.
Sperança*
É difícil para um crente lembrar o momento da
“conversão”. Em geral, as crenças são heranças culturais. Vêm mais das
chineladas maternas e dos puxões de orelha paternos que do DNA. Já que ler é
também uma herança cultural, é provável que a genialidade de Marx tenha ficado
evidente ao ler sua afirmação de que “é um paradoxo a Terra se mover ao redor
do Sol e a água, que recobre a Terra, seja constituída por dois gases altamente
inflamáveis”.
Pensando bem (ou mal?), é como carregar uma banana de
dinamite debaixo de cada braço, um balde de gasolina e uma tocha incandescente
e ainda assim nada incendiar nem explodir, nunca, dia após dia, milênio após
milênio de sol intenso em cima de tanto hidrogênio e oxigênio.
Os gases inflamáveis de que a água é formada, enfim e
melhor para todos nós, são sábios o bastante para continuar se combinando de
tal forma que a tocha solar não nos exploda de vez. A água apagaria a tocha,
mas o sol danaria a água. E nós, que não somos gasolina, dinamite ou tochas,
por que nos inflamamos, explodimos, brigamos, infernizamos a própria vida e a
dos demais semelhantes?
O fenômeno de milhares de pessoas obrigadas a
abandonar lares e pátrias para fugir da estupidez da guerra provocada pela avidez
dos donos do mundo por seus recursos naturais – petróleo e minérios – afasta a
hipótese de haver juízo e boa vontade entre os homens. Quando a água for a bola
da vez, o Brasil será alvo da mesma cupidez. Se expulsam índios (“donos” da
terra) por que não expulsarão brancos (invasores)?
É um mundo cheio de horrores. O pior deles é 0,1% da
humanidade ditando o destino – e endividamento – dos restantes 99,99%, mas o horror
causado pela diáspora dos refugiados fica logo de lado na TV quando em lugar
das imagens das pessoas mortas nas perigosas travessias em embarcações frágeis
aparece a alegria de um povo que orgulhosamente salva sua Pátria.
Salva, aliás, sem gentrificação, matança de pobres-diabos,
encarceramento em massa e ofensas dirigidas a quem pensa ou age diferente. Salva
com união de esforços, que não parece tão difícil considerando que o principal
líder da oposição ao presidente Anote Tong é seu irmão Harry...
O Kiribati é um atol-nação localizado no Pacífico. Será
engolido pelo mar nos próximos anos da mesma forma que nações bem firmes em
amplos territórios, zil! zil!, foram engolidas pelas dívidas nacionais
fabricadas pelos banqueiros. O mar não é um cruel agiota cobrando falsa dívida,
mas vai fazer Kiribati afundar, irreversivelmente.
Qual a saída? Naturalmente, comprar território firme no
qual possa estabelecer sua população sem perda de usos e costumes, migrando, ao
contrário dos refugiados da guerra, para uma região de ambiente e clima
similares aos já experimentados historicamente.
Comprando terras mundo afora para o dia em que
precisará fazer a migração final, Kiribati é ao mesmo tempo um dos menores
países do mundo e o único a ter territórios nos quatro hemisférios da Terra,
como a velha Inglaterra da rainha Vitória. É também o país mais avançado no
tempo, já que o ano novo sempre começa lá.
Comprar território para que milhares de pessoas morem
não é coisa barata. Imagine a alegria do corretor de imóveis escolhido pelo
presidente Tong (sim, descendente de chineses), ao lhe vender a primeira parcela
de terras, em Fiji, ao custo de módicos US$ 11,7 milhões. É um país que afunda
mas já sabe como resolver seu problema. E nós?
....
* Escritor
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Cadeias
lotadas e o mistério de Lúcifer
Alceu A. Sperança*
A desinformação, eufemismo para ignorância, é uma das piores
consequências do analfabetismo funcional que domina o Brasil. Sem boas fontes,
uma ampla massa crê nas balelas malandras disseminadas pelos interesses
dominantes, que os comunicadores venais papagueiam sem o menor pudor.
Uma delas sugere que encher as cadeias de malucos,
descontentes, desajustados e sofredores traz a paz social. A não ser como
sadismo e segregar pela força quem incomoda, cadeia não tem servido para grande
coisa. Ao contrário da paz, causa mais revolta e infelicidade, frustrando logo
de saída os familiares das vítimas dos crimes.
Aprendem na dor que não há consolo após a prisão dos culpados
se não houver a reparação dos malfeitos. Prender ou matar o assassino Zé Cruel
não traz de volta quem ele matou nem melhora a segurança. Sofrem angústia
parecida as famílias dos contraventores, que sem dever também são condenados à
humilhação, como se fossem automaticamente culpadas pelas transgressões
cometidas por outros.
Se cadeia produzisse os resultados que os autores das
leis esperam, Napoleão não teria fugido de Elba e reconquistado o poder. Fidel Castro
amargou um xilindró pesado um tempão, mas a história o absolveu, como ele pretendia. Se o caso de Mandela não bastou, não conte
muito com a prisão de líderes. Eles saem dos cárceres mais poderosos.
Um governador paranaense saiu da cadeia diretamente
para o poder: Teófilo Soares. O pai do atual presidente da China, Xi Jinping, suportou
vários anos de cadeia e seu filho foi preso três vezes, reeducou-se, trabalhou
e conquistou posições decisivas na luta política até se tornar o principal
líder da grande nação. Dilma e Lula já estiveram na cadeia, e daí? “Curso de
canário”, em muitos casos, só faz o papel do casulo para a borboleta. Em
outros, impõe a morte em vida para infelizes sem trazer felicidade a quem está
solto.
O melhor livro da Bíblia, Eclesiastes, garante que não
há nada de novo debaixo do sol, mas debaixo de uma geleira, onde o sol não
bate, algo novo foi encontrado. Diga-se em favor de Salomão que em sua época,
por volta de mil a.C., não havia o IceCube – não confundir com o rapper O’Shea
Jackson. É um observatório astrofísico fincado no gelo eterno da Antártica,
onde se deu uma descoberta enregelante, vinda de onde veio, as profundas mais
geladas do planeta.
Trata-se do neutrino de maior energia já encontrado.
São mais de dois quatrilhões de elétron-volts. Os cientistas – físicos e
astrônomos – estão pasmos tentando entender a batata quente que lhes caiu nas
mãos. Neutrinos são tão honestos quanto a cascavel, a cobra que avisa quando
está chegando, qual uma espanhola de castanhola: ele jamais esconde de onde
veio.
Com o neutrino bombado descoberto na geleira,
entretanto, ninguém ainda sabe de onde, raios cósmicos!, ele veio. Alguns
supõem que seja uma espécie de novo Lúcifer, grande anjo de luz, trazendo decadência
(caiu, não caiu?) e notícias do nascimento ou fim do universo. Mas tudo não é
eterno, monsieur Lavoisier? Só se tudo se cria e ainda não sabemos da missa um
terço...
Mr. Stephen Hawking talvez dissesse que o neutrino
bombado veio de um buraco negro, mas seu sintetizador de voz ainda não
metalizou uma resposta. Ah, Horácio, certo estava Hamlet quando lhe jogou na
cara haver mais coisas no céu e na terra do que sonha sua filosofia. Pois no
fundo, debaixo do sol eclesiástico ou na arrepiante geleira antártica, nossa
avançada ciência é ainda uma analfabeta funcional.
....
* Escritor
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Da
lama viemos e nela continuamos
Alceu A.
Sperança*
A água é de graça, mas a prestação de serviços em cima
dela custa um bocado. O ar é de graça, mas a poluição que o sistema dominante
enfia nela custa muito, até demais. Tudo que originalmente era “de graça” ganhou
etiquetas de preço. A usura, que condenava os praticantes às penas do inferno,
hoje é a causa de manter menos de 0,01% da humanidade no paraíso afortunado e
os restantes 99,99% pagando as contas infernais das dívidas nacionais somadas
ao arrocho salarial, impostos e o tributo extra da inflação.
Quando o Uber começou a se espalhar pelo Brasil, os
empresários do setor de táxi protestaram. Sentiram o mesmo que já haviam
sentido os locadores de filmes com a emergência da Netflix, que nada tinha a ver
com a condenável pirataria. Foi o que também sentiram os hoteleiros com o
aplicativo Airbnb abrindo vagas à hospedagem em espaços vagos de residências comuns.
Todas as medidas tentadas para resistir à nova
revolução tecnológica sucumbirão no vazio. Formidáveis e múltiplas inovações
põem abaixo tudo aquilo em que se acreditava. É a ruptura com padrões superados
passando o rodo nas obsolescências remanescentes do século XX. “A aceleração e
a ruptura são os principais fatores do impacto dos meios sobre as formas
sociais existentes”, dizia Marshall McLuhan. Em 1964!
O capitalismo trouxe grandes maravilhas, mas é injusto
e num crescendo afunda a humanidade em doenças, guerras, destruição ambiental, rancores
e um imenso, indescritível sofrimento. Ainda persiste um virulento caldo
reacionário cozinhando, fazendo o mundo uma desgraça globalizada, mas no ventre
da ordem corrupta e gananciosa começa a pulsar a superação do sistema.
Com o Uber, Netflix, Airbnb e tantas outras coisas que
já rolam por aí e logo virão, vai se confirmar aquilo que dizia uma rosa morta
chamada Che Guevara: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas
jamais conseguirão deter a primavera”. A primavera também não foi detida pelos
ludistas, sequer pelos pobres carregadores de riquixá que ao saber da
autorização dada pelo governo de Hong Kong a máquinas poluentes chamadas
“automóveis” para fazer o serviço de táxi, preferiam se deitar nas ruas por
onde passavam os taxistas. Escolheram morrer, como os índios suicidas, por não aceitar
que a vida fosse necessariamente sofrimento.
Devagar, quase parando, a decadência do ensino e a desqualificação
laboral são inversamente proporcionais à acelerada mortandade de jovens no
Brasil. Comparando com o tempo em que a desqualificação era tão grande que
havia máquina moderna a ser operada e ninguém para aprender como funcionava,
até que, em termos, melhorou.
Máquina avançada, com raras similares no mundo, a primeira
barca a vapor vinda para o Brasil foi abandonada por volta de 1825 porque
morreu o maquinista e ninguém mais no Império sabia operar a bendita. Assim, se
é verdade que “a verdade vos libertará” (e quem se atreverá a negar essa máxima
tão bem dita?), a verdade científica nos ajudará a romper os grilhões da ignorância
e da mentira.
Cientistas da Nasa, com base em Mike Russell, supõem
que a vida teve origem no mar. Se assim foi, não é exato que do pó viemos. Avançando
os estudos de Russell, cientistas da Universidade de Osnabrück, Alemanha,
descobriram agora que não foi do pó que viemos, nem da vastidão do oceano, mas
de pequenas poças, em terra. A velha lama nossa de cada dia. O mundo da
ganância global virado num mar de lama, portanto, só demonstra que ainda não
tivemos capacidade para sair dela. E lama, enfim, quando seca vira pó.
....
* Escritor
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Livros
em papel ainda encantam crianças
e adolescentes
O sentimento de que a
invasão de tablets, smartphones e aplicativos sociais pode estar tomando o
lugar dos tradicionais livros em papel entre crianças e adolescentes se desfaz
imediatamente quando se chega à 17ª Bienal do Livro do Rio. Nos três pavilhões
do Rio Centro, milhares de crianças, quase todas integrantes de excursões
promovidas pelos colégios, tomam o espaço e enchem o ambiente de alegria. Os
pequenos lotam as livrarias, principalmente aquelas com temáticas
infantojuvenis.
A explicação para essa
preferência pelos livros em papel em tempo de redes sociais pode estar tanto no
tipo de narrativa que a obra oferece, sem distrações e mais aprofundada, quanto
na capacidade das novas gerações de segmentar a atenção para várias mídias ao
mesmo tempo, algo que é difícil para os mais velhos.
A opinião é da diretora da
Bienal, Tatiana Zaccaro, que vê grande espaço para o crescimento dos livros na
atualidade, em todo o mundo, apesar das tecnologias que cada vez mais fazem
parte da vida de todos.
– A cada ano, temos mais
visitantes, e o número de livros comprados aumenta. E temos algo, que está
ocorrendo no Brasil e no mundo, que são os adolescentes lendo bastante. A média
de livros vendidos tem aumentado exatamente nessa faixa etária. Isso leva a acreditar
que, mesmo competindo com toda a tecnologia que faz parte de sua vida, os
adolescentes, que nasceram na era das telas de toque e da internet, não
abandonam os livros. Eles querem o autógrafo, querem conhecer o autor. Isso
mostra que o livro está mais vivo do que nunca – disse Tatiana.
Uma das formas de garantir
essa simbiose entre mídias de papel e digital é oferecer livros desde muito
cedo às crianças, que assim crescem com amor às páginas impressas. A dica é da
empresária Vanessa Mazzoni, que visitava a bienal em companhia das filhas Ana
Clara, de 11 anos, e Larissa, de 5 anos. “A Ana Clara devora livros, a
pequenina ainda não lê, mas está indo pelo mesmo caminho. A gente incentiva.
Presentes de aniversário são sempre livros, pois ela já está na adolescência.
Elas têm tablet, mas não têm o hábito de ler nele, tem que ser livro de papel
mesmo”, afirmou Vanessa.
A filha Ana Clara, que está
no sexto ano, explicou como consegue se dividir entre as mídias digitais e as
páginas impressas. “Eu fico dividindo o meu tempo. Fico um pouco lendo, um
pouco usando o celular e dá para fazer tudo. Se eu gosto da história e do
autor, eu procuro na internet sobre os outros livros dele e aí compro para ler.
Eu gosto de ver o livro, a capa, acho legal”, contou.
O amor pela leitura às vezes
independe de classe social e condições de adquirir livros que, muitas vezes,
podem ser difíceis de se encaixar no orçamento familiar. Isabele Vitória da
Silva Santos Faria, de 10 anos, integrante do projeto social Circo Crescer e Viver,
aproveita o tempo extra na escola para se dedicar à leitura. O hábito, segundo
ela, veio dos pais. A mãe é cozinheira e o pai, segurança, mas sempre tiveram
livros em casa. “Eu gosto mais de ler contos de fadas e ficção. O tablet
compete com os livros às vezes, mas minha mãe diz que é preciso uma hora para
cada coisa”, disse Isabele.
Colega no circo, Pablo
Richard, de 11 anos, gostaria de ter mais livros em casa. Ele mora com a mãe,
que vende salgados, e não dispõe de tablet nem celular. Diz que prefere ler em
papel mesmo, mas reclama do preço. “Às vezes, vou à biblioteca da escola e pego
o maior livro que tem. Gosto de contos de fadas e histórias de terror. Pena que
os preços aqui na Bienal são o dobro do que eu trouxe em dinheiro”, lamentou.
Mesmo para quem trabalha nas
livrarias, passando o dia entre prateleiras e pilhas de livros, a questão
financeira acaba sendo um limitador. Para Ivisson Laurent dos Santos Silva, o
acesso a determinadas obras, principalmente aos livros técnicos, está distante
da realidade. “Os livros ainda são inacessíveis para a maioria dos brasileiros.
Aqui pagamos muitos impostos e tributos. Apesar de eu trabalhar em uma
livraria, tenho que optar em fazer as coisas pessoais ou comprar um livro.
Entre o pão e o livro, ganha o pão”.
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Independência,
uma pinoia!
Alceu A.
Sperança*
Será grosseiro e radical dizer isso? No honorável Dicionário da Língua Portuguesa da Porto
Editora, “pinoia” é tanto a moça leviana, a periguete, como o ato da trapaça. No
sentido geral, pura malandragem. Sempre um mau negócio. Feita a acusação, vamos
às provas.
O príncipe João podia até rimar com bobalhão, por
conta das manias, da esposa insuportável Carlota e não ser bem educado porque
não era o primeiro na fila para ser rei – entrou no vácuo da morte do irmão
mais velho, José Francisco, e da fanática loucura religiosa da mãe. Um cara de
sorte, no fim das contas. Ah, e adorava coxinhas.
João VI, entretanto, jamais rimou com mal assessorado.
Orientou-se, rapaz, direitinho sobre como agir quando o Brasil decidisse o
óbvio nos tempos revolucionários do início do século XIX: sonhar com as tais
liberdade, igualdade e fraternidade, coisas ainda jamais vistas pela humanidade
até as primeiras décadas deste século XXI.
Assim, João bolou um jeito de simular a independência
do Brasil e ganhar uma grana fácil. Iria abater a dívida que tinha com a
Inglaterra e, de quebra, deixar o filho Pedrinho tomando conta da lojinha.
Bobalhão, uma pinoia!
O movimento maçônico brasileiro pela independência
evoluiu sem sangue, ao contrário de toda a luta dos uruguaios para ter sua
pátria, porque nossa emancipação foi comprada em libras esterlinas. E mesmo pagando
pela Independência, o Brasil ficou dependente, sob o comando de três monarcas
europeus. Pedro I do Brasil saiu daqui e foi virar Pedro IV de Portugal. Uma
pinoia.
Como prefeito brasileiro dá ao filho uma deputança, tradição
mantida pelos séculos afora, o rei João fez do filho Pedrinho (e a si mesmo) o
imperador do Brasil. A princesa Leopoldina determinou a independência brasileira
em 2 de setembro de 1822, mas o marido Pedro, infiel no casamento mas fiel ao
pai (“antes seja para ti, que me hás de respeitar”), manteve o Brasil sob três coroas
até o filho Pedro II entregar tudo a uma coroa só: a da rainha Vitória, após a
quartelada republicana de 1889. Outra pinoia.
Cadê as provas? Nos artigos 1º e 2º do Tratado de Reconhecimento,
datado de 29 de agosto de 1825, o rei João reconheceu o Brasil independente,
tendo por imperador “seu, sobre todos muito amado e prezado, filho d. Pedro”,
também se reservando o direito de ostentar o título de imperador do Brasil. Pois
Pedrinho, em “reconhecimento de respeito e amor a seu augusto pai”, o declarava
igualmente (e simultâneo) imperador do Brasil. Logo, duas coroas.
Celebrada a dupla coroação, o art. 9º do Tratado de
Paz e Aliança meteu o Brasil também sob o domínio da terceira coroa: “debaixo
da mediação de Sua Majestade Britânica**, convieram em virtude dos seus plenos
poderes respectivos” que Pedro pagaria a Portugal, como indenização, “a soma de
dois milhões de libras esterlinas”.
“Independência ou morte” ou uma trapaça (pinoia) para
tomar a grana dos brasileiros e endividar a nova Nação? Para pagar esses
trocados, agradar ao amado pai João e à amada coroa inglesa, Pedrinho se
comprometia a pagar a dívida de Portugal com os banqueiros ingleses e, voilá,
rola que rola, endividar o Brasil desde a Independência.
E eis aí a mãe da atual dívida nacional, uma pinoia
trilionária: hoje, R$ 3,6 trilhões de dívida interna e US$ 555 milhões de
externa. Pagamos caro demais (R$ 2,7 bilhões diários, a cada e todo dia) por um
produto falsificado.
**George IV, o Endividado.
....
* Escritor
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Deus
ex-machina e repúblicas às pampas
Alceu A.
Sperança*
Quando nada mais resolve, um cabo de aço para simular
voo faz pairar sobre a cena congelada o “espírito” salvador que traz a solução
genial bolada pelo dramaturgo. É o “deus ex-machina”, recurso do antigo teatro grego
para resolver impasses dramáticos.
Sempre que há crise (e quando não há?), os
desesperados saem à cata de uma solução “espiritual” extraterrena, tal como
beber veneno e embarcar na cauda de um cometa, método maluco de ser “escolhido”
pelas potências celestiais. Para sumir deste planeta em ruínas no primeiro
disco-voador que partir depois da laranjada matinal, Porto Alegre sediou em
junho o Fórum Mundial de Contatados, Abduzidos e Testemunhas, uma espécie de “pare
o mundo que eu quero descer” trazido pelo deus ex-machina. Os não escolhidos
que se danem com sua falta de fé.
Para os contentinhos com o sistema vigente no Brasil,
o deus ex-machina para a sempiterna crise é o pré-sal, a entidade miraculosa
que trará a definitiva salvação para o país. Basta extrair e vender o petróleo
e tudo se resolverá. Na Venezuela já se viu que as coisas não são bem assim. A
gasolina, lá, é mais barata que água de torneira aqui. E todo o ouro e a prata já
extraídos, a imensidão de minerais que se extraem hoje avidamente já deveriam
ter tido lá atrás essa função salvadora de deus ex-machina. Mas o que se vê, sempre,
é a riqueza mais e mais acumulada em menos mãos.
Para os indignados sulistas, o deus ex-machina é a
República dos Pampas (ver “Como ficaria o Brasil dividido?”, 12.3.2009). É a
crise piorar e o indignado invocar o deus ex-machina do separatismo salvador
para confortar sua alma atormentada.
A malandragem de retalhar o Brasil em vários pedaços remonta
no mínimo ao oceanógrafo Matthew Fontaine Maury, por volta de 1850. Carlos
Chagas, na revista Manchete
(5.6.1997), pisa na bola ao escrever que em 1816 o capitão “Mathew Fawry” (ficção
para Maury, que nessa época tinha só dez anos) remeteu memorando secreto a seus
superiores nos EUA aconselhando a criação do “Estado Soberano da Amazônia”.
Incluiria as Guianas atuais, tendo por fronteira Sul uma
linha reta partindo de São Luís do Maranhão ao ponto extremo onde hoje Rondônia
se limita com o Mato Grosso. A Bahia não seria mais só um estado de espírito,
mas uma nação independente. Sem ela, proclamada por Napoleão, o Nordeste seria
a República do Equador. Santa Catarina, outra Malvina britânica. Ao Sul, claro,
a República Rio-grandense.
“Fawry” é fake, inventado por Fernando Sampaio em O Dia em Que Napoleão Fugiu de Santa Helena,
mas Maury de fato propôs a Amazônia para acolher os escravos libertos nos EUA. Influenciado
por essas ideias, o próprio Lincoln, em 1862, quando declara “desde já e para
sempre livres todos os escravos existentes nos Estados rebeldes”, propõe aos
libertos que aceitem a proposta do general James Watson Webb, amigo de d. Pedro
II, de criar um Estado Livre para os ex-escravos na Amazônia.
Um detalhe essencial impediu o Brasil de perder a
Amazônia já naquela época: os negros estadunidenses não quiseram sair de lá.
Alegaram que os EUA, “terra da liberdade”, também era o país deles. Foram
respeitados, veja só. No Brasil, defensores da propriedade privada ainda hoje matam
e expulsam índios a pretexto de que... seus verdadeiros donos têm terras demais!
Se os negros estadunidenses topassem criar uma
República apartada do Brasil, hoje não teríamos mais a Amazônia. E assim, via Efeito
Borboleta, quem sabe nem os EUA tivessem o presidente Obama.
....
* Escritor
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Assim
vovô se livrou da escravidão
Alceu A.
Sperança*
Pai contra
mãe, o chocante conto de Machado de
Assis, expõe o impacto que uma nova ordem traz sobre os restolhos da velha. “A
escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições
sociais” é a oração que dá o tom da narrativa. Ao ser extinta, a ordem
escravista condenou aos museus os equipamentos usados para prender e castigar
os escravos.
A caixinha de pregar mão vai dar saudades em pais
neuróticos que dizem “amém” ao senhor gerente e descontam as humilhações sofridas
nas crianças ao chegar ao doce lar. A berlinda desperta suspiros nostálgicos
nos exploradores mais radicais: o rebelde tinha os punhos e o pescoço presos e
quem passava lhe distribuía tapas, petelecos e cusparadas.
Enfim, a ordem capitalista só conseguiu progresso de
fato ao liquidar esses restolhos do escravismo que ainda permaneciam no
feudalismo. E aí inventou a nova máquina dentre as tantas que o caracterizaram
como a formação social e econômica mais evoluída forjada pela humanidade: o
relógio do cartão-ponto.
Não é demais supor que na futura ordem socialista
haverá restolhos da ordem capitalista e eles terão sobre nossos netos o mesmo
efeito angustiante que os entulhos das crueldades escravistas motivaram nos
leitores de Machado de Assis ao ler o livro Relíquias
da Casa Velha, em 1906. Nada que Maquiavel já não tenha advertido, aliás:
“Não há nada mais difícil de realizar nem mais perigoso de controlar que o
inicio de uma nova ordem de coisas”.
É possível que nossa expressão de horror ao saber como
o escravo era tratado na berlinda seja o mesmo sentimento de piedade que os atuais
bisnetos sentirão pelo bisavô ao saber como remetia torpedos em sua época. Primeiro,
precisava de uma rústica máquina de escrever, na qual sujava os dedos de tinta
ao colocar a fita. Precisava então de papel para deslizar no cilindro da
máquina, alinhar e então catar milho (só isso ainda permanece!) para digitar o
texto da mensagem.
Mais papel era necessário: um envelope. Nele, o papel
com o texto do torpedo era colocado. Aí vinha o esforço propriamente dito:
andar até uma agência de correio para a postagem, que dependia ainda de fechar
o envelope com cola e lacrá-lo com um selo e um carimbo. Então bisavô pagava o
selo e sua parte estava concluída, equivalente a um clique no “send”: a
mensagem foi finalmente postada para a bisa, ainda sua namoradinha de colegial.
Ah, mas até ela receber a mensagem tudo ainda dependia
de mais esforço e um tempão desde a cartinha ser colocada num malote e ser
transportada de caminhão até uma central dos Correios e Telégrafos. Dela (ufa!)
partiam carteiros a pé ou de bicicleta levando a correspondência até o endereço
físico da namorada, onde era colocada numa caixinha externa ou por baixo da
porta. Que horror, pobre bisa!
Não tenha tanta pena, bisnetinho, porque no fim da
história seu bivovô ficou maravilhado com o avanço da ciência e da tecnologia. O
velho descobriu de vez a felicidade, com a sagrada certeza de que o capitalismo
tinha dado certo ao receber a grande novidade, que fazia o torpedo chegar de
imediato às mãos da bisa, já na faculdade.
Exultante, põe o bisneto no colo e lembra o
maravilhoso avanço tecnológico que mudou totalmente sua vida e o fez ter a
certeza de finalmente chegar ao melhor dos mundos, o plano final do Divino para
a humanidade: o fax... Como diziam os bisavós chineses e seus vizinhos no
tempo, “isso também passará”.
....
* Escritor
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Para cultivar livro e leitura,
num país diverso mas oral
Por Jéferson Assumção
O artigo A Dimensão Cultural da Leitura, do ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, publicado no caderno do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), em 2006, traz uma frase que considero ser a chave para uma política de livro e leitura a ser desenvolvida no Brasil:
“É necessário também pensar o modo como essa prática leitora se articula com nossa cultura, tão nossa, tão brasileira, tão rica em sua oralidade e espontaneidade, mas ainda pobre em sua dimensão escrita. Se desenvolvê-la nessa direção não é tarefa fácil, com certeza ela só se realizará plenamente se feita em consonância e respeito com a diversidade cultural de nosso povo, de modo a potencializá-la e não suprimi-la”.
De fato, a diversidade cultural (cuja convenção da Unesco para sua defesa e promoção completa dez anos em 2015) se trata de um dos desafios mais importantes a que uma política de livro e leitura deve se ater em um país com nossas dimensões e peculiaridades territoriais e culturais. Uma megadiversidade tão cheia de interiores e com eles suas riquezas, amazônicas, sertanejas, agrestes, pantaneiras, pampeanas impõe a quem quer que aqui desenvolva o livro e a leitura um olhar ainda mais plural que em outros territórios e países menos heterogêneos. A população brasileira, formada basicamente por três grandes blocos: os indígenas e os africanos, ágrafos, e os portugueses, cujo nível de alfabetização sempre foi o menor da Europa e em seguida enriquecida por povos de todos os quadrantes da Terra, é belo resultado de uma especial mistura.
No entanto, ao permanecer por séculos longe dos livros – até o ano de 1808 Portugal proibia que se fizessem livros no Brasil – e com uma educação rarefeita até mais da metade do século XX, chegamos ao século XXI com elevados índices de analfabetismo absoluto (cerca de 10% da população) e uma relação recente e problemática com o livro e a prática leitora. Diferentemente da maioria dos países da Europa, por exemplo, em que a literatura e o livro cumpriram um enorme papel social e político, no Brasil a relação com o livro só se desenvolve, ainda que de forma muito precária, em escala social, depois da relação com os meios de comunicação de massa. E, hoje, com os meios digitais.
Mas, então, como cultivar a leitura neste contexto adverso? Temos um mapa, pelo menos. Precisamos desenvolver políticas e ações que se orientem pelos cinco princípios norteadores do PNLL:
1) O Livro deve ocupar um lugar de destaque no imaginário coletivo;
2) Deve haver escolas que saibam formar leitores;
3) Devem existir famílias de leitores;
4) Melhor acesso ao Livro; e
5) Um melhor Preço do livro.
E, assim como sem leitura o Brasil não se tornará uma pátria educadora, uma política de leitura para o Brasil de nosso tempo necessita estar intimamente ligada à Educação e à vida na escola, focando principalmente a faixa entre os 7 e os 14 anos, período em que a prática leitora se desenvolve e tem chances de se consolidar. E contar com as necessárias parcerias com a sociedade civil organizada, as redes, coletivos e o mercado do livro.
Precisamos relacionar a leitura com a cultura, num contexto de megadiversidade. País antropofágico, de tradições e inovações, de modernidades e arcaísmos, de hibridismos e identidades, de urbes tão imensas quanto seus campos, florestas e faixas litorâneas, o Brasil impõe-se como desafio de multiplicidade a qualquer prática cultural em seu território, entre elas a da leitura e da literatura. Um país com tantas fontes, indígenas, negras, europeias, asiáticas olha para o mundo e é olhado por ele de maneira especial. A prática da leitura, por aqui, também deve ser tão especial quanto o Brasil é.
Temos que desenvolver a leitura no Brasil a partir dos pressupostos culturais de sua singular formação. Antropologicamente, historicamente, sociologicamente, a tarefa de fazer do Brasil um país leitor não pode ser articulada de maneira instrumental, funcional, ao desenvolvimento econômico e mesmo social sem ser qualificado pela especificidade de sua cultura, sob pena de achatar-se e não acompanhar sua própria grandiosidade. Também, para o desenvolvimento de uma visão sistêmica de leitura, é preciso, junto com a leitura solitária, cartesiana, fundamental para a formação do olhar íntimo do leitor silencioso, a leitura solidária, aberta, dialogante com a diversidade cultural e com a cultura digital contemporâneas.
Fundamental é desenvolver diálogos estratégicos entre Cultura e Educação, Cultura e Comunicação, com a Sociedade (redes e coletivos de cultura, pontos de cultura etc) e com as Políticas Culturais de nosso País. Com isso, podemos, a sociedade e os governos, articular grandes ações dentro e fora da escola, como escritores nas escolas, tal como o Rio Grande do Sul faz com sucesso há cerca mais de 30 anos; campanhas de visibilidade da leitura e da literatura; trabalhar o já grande acervo de literatura distribuído em todo o Brasil pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola, do MEC; desenvolver ações na linha Formação literária e difusão cultural, recentemente incluída no Mais Cultura nas Escolas; atuar em ações de visibilização das atividades realizadas nas periferias, centros urbanos e interior do Brasil (saraus, festas literárias, rodas de leitura etc) pelas redes, coletivos e as mais de mil bibliotecas comunitárias do Brasil.
É preciso ajudar na articulação em rede dessas inúmeras iniciativas, com editais específicos para as narrativas urbanas, indígenas, negras etc. Precisamos também mostrar a exemplaridade de bibliotecas públicas e comunitárias, com um selo Biblioteca Viva, além de realizar ações no sentido de promover a língua portuguesa, como veículo para a difusão da produção cultural brasileira em todas as linguagens, desde a literatura, a música popular, cinema, teatro, manifestações populares etc. Essas e outras ações só serão possíveis com o esforço de muitos (governo, parlamentares, sociedade, movimentos, mercado) em prol de ações estruturantes, entre elas, aprovar no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Plano Nacional de Livro e Leitura – PNLL, criar o Fundo Setorial Pró-Leitura; e recuperar a institucionalidade do livro e da leitura no País por meio de um Instituto Nacional do Livro, Leitura e Literatura. Muito já foi feito, mas muito ainda é necessário para que a riqueza da cultura brasileira se amplie também na dimensão escrita.
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O canibalismo nosso de cada dia
Alceu A. Sperança*
Ao se estender à história, um olhar contaminado pelo presente e convicções atuais cria um filme de terror: nossos antepassados foram canibais, alega a antropóloga Silvia Bello, do Museu de História Natural de Londres. Ao estudar ossos achados na Caverna de Gough, em Somerset, ela descobriu que pessoas eram devoradas por um tipo muito especial de animal: gente.
Nesse restaurante-caverna, há cerca de 15 mil anos os fregueses tinham o hábito de consumir seus quitutes o máximo possível, até quebrando os ossos para saborear o tutano. Sem esbanjar, limpavam o prato. Que, como os copos, eram feitos com crânios. Silvia Bello supõe que havia um ritual religioso nesse processo alimentar – algo como render graças antes da saborosa refeição.
Só na Inglaterra? Na península ibérica, de onde vieram os “achadores” e primeiros donos de papel passado do Brasil, o canibalismo não era incomum. No Norte da Espanha, as carnes mais apreciadas eram as de crianças e adolescentes, o que leva à solução do pio Jonathan Swift para a fome, em sua “Modesta Proposta”. Comer crianças pobres zera a miséria e não requer redução da idade penal. O problema será a futura falta de mercadorias. Os pobres, por extinção, deixarão de produzir acepipes para os abastados (e pedófilos) comensais. Aí, sem saída, o jeito será passar no cutelo gordinhos filhotes da classe média...
Ao contrário dos escravistas europeus, que obrigavam os negros e índios a se esfalfar até a morte prematura, trabalhando impiedosamente abaixo de condições aterrorizantes, os Tupis eram piedosos canibais. Comendo os inimigos capturados em combate, celebravam religiosamente sua bravura, evitavam que sofressem e não precisavam sustentá-los. Escravos só rendem mais do que produzem em condições muito especiais, coisa que os ingleses descobriram logo no alvorecer do capitalismo e os Tupis sempre souberam.
Os Tupis não consideravam justo alimentar quem nada produz – e a produtividade não é, hoje, o cerne do debate econômico nacional? Vencer uma guerra e sustentar os folgados vencidos à custa do trabalho dos nossos irmãos e filhos? Jamais! Cadê aquele velho livro de receitas?
Chega desses horrores do passado e das “velhidades” de Silvia Bello. Melhor esquecer esse remoto passado para não despertar apetites ancestrais nem julgar fora de contexto as preferências culinárias de vovô. Melhor prospectar o futuro lendo obras recentes sobre descobertas científicas. O novo livro de Nick Lane, The Vital Question: Energy, Evolution, and the Origins of Complex Life (A questão vital: energia, evolução e as origens da vida complexa), sustenta que até certa altura da evolução a vida se resumia a micróbios incapazes de gerar seres maiores – gente, nem pensar. O que aconteceu, então? Fiat lux?
Deu-se o caso clássico do ovo, que vem antes da galinha. Com base nos estudos do biólogo William Martin, Lane supõe que começamos a ser “criados” no mágico instante em que um micróbio passou a viver dentro de outro – a mitocôndria se deixa “comer” pelo hospedeiro e vai esticar a vida até formas mais complexas. Devolve-nos, assim, ao horror do canibalismo. Ou do parasitismo, o que explica bilhões de pessoas pagando pelo que não devem a menos de 1% de espertalhões. Então é isso: do canibalismo viemos...
Cabe ter hoje suficiente humanidade para não canibalizar nossos iguais, explorando-os até enlouquecerem de tanta dívida, discriminando-os por qualquer diferença de aparência, essência ou preferência, nem matá-los nas guerras em nome de deuses cujos nomes reais são grana, poder, petróleo e agora até água. Que com a terra, o ar e o fogo faziam a quádrupla deidade elementar dos antigos canibais.
....
* Escritor
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Igualdade para as cavalgaduras
Alceu A. Sperança*
Um encrenqueiro grego, Xenófanes, sacudiu a arrogância humana ao supor que “se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os deuses sob forma de cavalos e os bois pintariam os deuses sob forma de bois”. De fato, os homens supõem seus “deuses” como vingativos ou bondosos como eles próprios julgam ser.
Animais sociais como abelhas e formigas possuem um “RG” natural que os identifica por sexo, idade e participação na comunidade. Isso devolve a espécie humana à depreciação de que somos todos animais, e nesse caso inferiores a espécies que a natureza preza mais que o homem, como as bactérias – seres que todas as evidências comprovam os mais queridos pelo equilíbrio universal.
Assiste-se há milênios a um enquadramento dos humanos a procedimentos de registro e controle, hoje cartonados e biométricos. Chips plastificados de bancos, lojas, farmácias, igrejas ou transporte coletivo são requeridos para tudo: circular, ultrapassar fronteiras, comprar, vender. Um monte de cartões e um mundaréu de senhas para os humanos, quando uma simples formiga ou abelha tem tudo isso desde que nasce, livre dessa cartonagem bestial e numérica (666, of course!).
A igualdade é considerada humanitária, embora por desumanidade não se pratique. Liberdade é para as borboletas. Para os humanos, é ter dinheiro. Fraternidade é brigar por herança em cima do cadáver do pai ainda quente. E igualdade? Talvez, como “equivalente”, seja coisa de animais, sobretudo cavalgaduras – equus, do Latim, era a parelha de bestas que transportava a biga. Lado a lado, iguais, equus sugere igualdade e equivalência. Arre, égua!
Homens se sentem grandiosos e sob proteção “divina”, mas seus sistemas bagunçados se arruínam em sanguinolência, maldade e sofrimento. Abelhas não têm corrupção eleitoral – sua rainha não manda nem ordena, porque sua sociedade é regulada naturalmente, conflitando com nossa bela noção republicana de igualdade perante a lei. Mas aí aparecem os desiguais para atrapalhar exigindo direitos. E dê-lhe gás de pimenta e borrachada nas ancas.
Igualdade, no Brasil, é tirar os desiguais da sala de conchavos. O sistema de poder foi montado na Constituição de 1988 de forma que o presidente, governador e prefeito reproduzam a figura do imperador. São chefes de partido, governo e Estado. Se as leis não lhes bastam, saem a decretar ou alugar maiorias para impor os interesses de quem financiou as campanhas.
Essa é a raiz do Mensalão, a governabilidade cultivada por petistas, tucanos e agregados no Big Center (Centrão, para os íntimos). A maioria parlamentar é forjada pelo poder econômico a cavaleiro de uma enorme desigualdade. Quando o imperador de plantão e o Congresso conflitam, seus atritos interna corporis se resolvem por uma lei. No limite, por uma ação ou recurso judicial.
Se a mensalização é demais e as leis são apunhaladas grosseiramente com jeitinhos e pedaladas, o Ministério Público, qual Grilo Falante, dá uma sacudida nos Pinóquios. Nada disso, porém, limita os poderes imperiais do trichefe executivo nem democratiza o parlamento, cuja composição é nomeada pelo grosso do poder econômico. E assim as cavalgaduras que aspiram igualdade/equivalência se reduzem à insignificância de meros equus, com direito a ser iguais somente na parelha que transporta o orgulhoso imperador em sua biga do ano.
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* Escritor
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Entidades se preocupam com programa de livros
"Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos, que inauguram a vida, como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária é proposição indispensável. Se é um projeto literário é também uma ação política por sonhar um País mais digno."
(BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS, in Manifesto por um Brasil Literário, 2009)
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A Associação Brasileira de Editoras de Livros Escolares, a Associação Nacional de Livrarias, a Câmara Brasileira do Livro, a Liga Brasileira de Editores e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, em nome de seus associados, vem manifestar sua preocupação em relação à continuidade da política pública de inclusão da literatura no âmbito da Educação Infantil e dos ensinos Fundamental e Médio, tendo em vista a imposição de cortes nas verbas do Ministério da Educação.
A educação deve ser entendida no sentido amplo, sem se restringir a ensinar a criança a ler e a escrever, mas também a pensar, refletir e compreender. Através do hábito de leitura, a criança aumenta seu conhecimento sobre o mundo e se prepara para exercer sua cidadania.
Hoje, apenas 25% dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos, o que significa que 75% não têm capacidade de compreender e interpretar textos, segundo dados do INAF -- Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional.
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de bibliotecas escolares com livros de literatura devem ser prioridades nas ações do Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só assim poderemos equiparar direitos, garantindo a mesma qualidade na formação a todas as crianças e jovens brasileiros, independentemente da cidade onde vivem, das carências e desigualdades de cada região.
Um grande passo nesse sentido foi a criação, em 1998, do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), e seu desenvolvimento e aprimoramento ao longo dos últimos anos. Até 2014, este programa vinha cumprindo seu objetivo de "prover as escolas de ensino público das redes federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, no âmbito da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino fundamental, do ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA), com o fornecimento de obras e demais materiais de apoio à prática da educação básica". Na última década, o PNBE tornou-se um exemplo de sucesso na inclusão da literatura em sala de aula, e outros programas de igual importância foram também criados, como o PNBE do Professor, o PNBE Periódicos, o PNBE Temático e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Estes programas permitiram aos alunos de todo o país o acesso a uma grande diversidade de obras literárias, de escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros, obras estas que foram avaliadas e selecionadas por profissionais especializados em literatura e educação. Permitiram também que editoras de todos os portes participassem do processo de seleção e tivessem a oportunidade de incluir seus títulos nestes programas.
Em 2015, porém, segundo informações recentes da Fundação Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela execução desses programas, não houve ainda a liberação de verbas para viabilizar tanto o PNBE Temático 2013, que já estava com contratos em andamento, quanto o PNAIC 2014 cujos livros já estavam selecionados e as editoras devidamente habilitadas para a negociação e o contrato. Lamentavelmente, o processo de avaliação dos livros inscritos para o PNBE 2015 também estagnou. De acordo com dados estimativos, as verbas destinadas ao PNBE Temático 2013 e do PNAIC 2014, em conjunto, representam menos de 1% do valor do corte orçamentário de R$ 9,4 bilhões sofrido pelo Ministério da Educação.
Além disso, o governo do Estado de São Paulo, em comunicado oficial, suspendeu a compra de livros para escolas e bibliotecas. Temos acompanhado notícias aterradoras de paralisia de ações em diversos estados e municípios, como o fim de um dos projetos mais emblemáticos do país, a Jornada Literária de Passo Fundo. Casos recentes que preocupam o caminho da transformação do Brasil pela leitura.
O atraso na execução desses programas e projetos já causa reflexos preocupantes na cadeia produtiva do livro, atingindo não somente editores e livreiros como também autores, tradutores, ilustradores, revisores e a indústria gráfica.
Entretanto, muito mais grave do que esse prejuízo tangível da cadeia produtiva do livro é o prejuízo incalculável e talvez irreparável causado a milhões de crianças e jovens brasileiros, que deixarão de receber livros de literatura em suas escolas, o que representará um grande retrocesso nas conquistas educacionais dos últimos anos e um dano irreversível ao pensamento livre e crítico da nossa população jovem.
Acreditamos que a leitura de livros de literatura, além de prioritária, é também um direito da criança e do jovem.
Paraty, 3 de julho de 2015.
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8 dicas para adquirir o hábito de leitura rápida
Por Universia, com base em Shutterstock
A leitura é uma atividade muito importante e que pode trazer grandes benefícios para aqueles que a praticam. Aumento da bagagem cultural, desenvolvimento do senso crítico, da criatividade e ampliação da quantidade de conteúdos aprendidos são alguns deles. No entanto, por causa da rotina acelerada, diversos indivíduos têm interesse pelos livros, mas não têm tempo para desfrutar do hábito.
Mesmo que seja complicado realizar essa atividade no dia a dia, é essencial que as pessoas encontrem formas de conseguir realizá-la devido à importância da prática. Se você está dentro dessas estatísticas e não sabe o que fazer, confira hábitos que podem ajudar a inserir a leitura no seu cotidiano:
1- Tenha mais livros do que você conseguirá ler
Independentemente se você prefere pegar as obras emprestadas com amigos, em bibliotecas ou comprá-las, sempre tenha mais delas do que conseguirá ler. Assim, todas as vezes que lembrar a quantidade de livros que tem para ler, provavelmente será impulsionado a acelerar as leituras, para conseguir entrar em contato com a maior parte delas.
A dica também serve para aqueles que preferem os e-books: faça o download de muitas obras. A grande quantidade armazenada nos seus dados certamente será um motivador para que você leia mais rapidamente.
2- Leia mais de um livro ao mesmo tempo
Além de estimular mais o funcionamento do cérebro ao ler mais de um livro ao mesmo tempo, essa prática é boa, porque você torna-se capaz de se adequar a vários tipos de leitura de uma vez. Algumas obras são mais fáceis de ler durante o dia, já que exigem mais atenção do leitor que precisa fazer análises com base no texto. Outros, como romances, podem ser facilmente lidos durante a noite, já que não exigem tanto. Assim, a pessoa consegue ler mais e ainda contemplar vários tipos pelos quais se interessa.
3- Estabeleça metas de leitura
No momento que começar um novo livro, estabeleça em quanto tempo irá terminá-lo, além da quantidade de páginas que lerá por dia. Assim, você se torna mais organizado e, consequentemente, consegue ler mais obras em um período determinado de tempo.
4- Leia pensando em você
O mais importante do hábito de leitura é que você escolha livros que irão ser benéficos para você. Não se preocupe com o que deveria estar lendo ou o que as pessoas esperariam que você estivesse. Seja honesto com você mesmo e aproveite o momento para desfrutar de obras que realmente o interessem.
5- Leia em dispositivos móveis durante o caminho para o trabalho ou instituição de ensino
O celular é um aparelho que sempre acompanha as pessoas durante a rotina e, por isso, pode ser um bom instrumento de leitura. Caso você não goste de desfrutar os livros por meio de dispositivos digitais, aproveite o tempo para ler textos menores disponíveis na internet. Pela quantidade de conteúdos online, com certeza você encontrará algum que interessará.
6- Analise qual o melhor momento do dia para ler
Cada um precisa analisar quando é o melhor horário para ler e onde prefere fazer a atividade. Preocupe-se em escolher um em que você sinta que consegue absorver a mensagem passada pela obra e que sente prazer em estar lendo. É essencial que o hábito torne-se confortável e até imprescindível na sua rotina.
7- Estabeleça prioridades
Se você quer criar o hábito de ler, precisa estabelecer uma lista de prioridades em que a leitura seja um dos primeiro tópicos. Você precisa se condicionar a prática e não ser corrompido pelas distrações, como a internet ou a televisão. Quando você se dispuser a ler, fique longe desses objetos, para que mantenha o foco somente no texto que escolheu.
8- Faça apostas com pessoas que você gosta
Se você tem amigos que leem muito, por que não realizar apostas com eles para que isso seja um motivador para ampliar seu hábito de leitura? Estabeleçam metas que vocês devem cumprir e escolham um prêmio para o ganhador, como um livro. Aproveite para ter momentos de diversão com pessoas queridas e para se beneficiar das vantagens da leitura.
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A
tarifa não tem graça
Alceu A. Sperança*
O transporte coletivo continuará indo de mal a pior se
as cidades que se pretendem “metrópoles” não adotarem padrões de, digamos o
palavrão, sustentabilidade. Dificultar o transporte coletivo e privilegiar o
individual equivale a puxar um gatilho assassino: nos últimos três anos, a letalidade
do trânsito brasileiro passou de 18,7 mortes por 100 mil habitantes para 23,4.
O atual modelo de transporte urbano é criminoso e maluco, tendendo a piorar a
qualidade do ar e fragilizar ainda mais a saúde humana – e tudo isso custa,
custa, custa muito.
A substituição dos cobradores pelo cartão de crédito
cria mais problemas e não resolve nenhum dos problemas já existentes. Desempregar
os cobradores, compensando-os com a reciclagem, vá lá, como agentes de turismo
e orientadores sociais, seria um custo razoável se houvesse a gratuidade do
sistema, como ocorreu em Ivaiporã e Pitanga, onde foi adotada a Tarifa Zero –
e, a partir de dezembro, também em Tijucas do Sul.
Desempregá-los e o sistema ficar ainda mais caro e
menos atrativo, obrigando os usuários a comprar vários créditos de um só desembolso
ao contrário de pagar apenas uma passagem por vez, só favorece ao transporte
individual. Justo e sensato seria facilitar por todos os meios a gratuidade do
transporte de estudantes, trabalhadores e donas de casa e forçar imediatamente a
eletrificação dos veículos.
Na Europa, os tribunais vêm aceitando a tese de que o
deslocamento não deve ser pago pelo trabalhador. Sair para trabalhar e voltar
do serviço não é um BigMac que se compra num quiosque para excesso alimentar: é
parte do trabalho que consome o tempo do trabalhador. Esse tempo teria que ser remunerado
– nunca o trabalhador gastar esse tempo no deslocamento e ainda ter que pagar
por perder esse tempo. Isso é pagar para trabalhar.
A lógica é que as empresas, o governo e a sociedade
precisam dos trabalhadores se deslocando aos locais de trabalho, onde vão gerar
as riquezas apropriadas pelas empresas, os impostos arrecadados pelo poder
público e os serviços estendidos a todos. Ao entrar num ônibus, portanto, o
trabalhador deveria ser pago por destravancar o trânsito e melhorar a qualidade
do ar – mas, ao contrário, paga uma tarifa extorsiva.
Nesse mesmo sentido, a dona de casa ao sair às compras
vai fazer circular o dinheiro nas feiras e supermercados, além de prestar um
serviço aos familiares ao sair em busca dos gêneros que depois de preparados
por ela ou auxiliares os alimentarão ao voltar da escola e do trabalho. Por
que, raios, donas de casa têm que pagar para se deslocar aos pontos comerciais onde
deixarão lucros e também para, no retorno, prestar um serviço de amor aos familiares?
E se estudar qualificará melhor uma geração, em
benefício do futuro do Brasil e do mundo, por que cargas d’água o estudante tem
que pagar pelo deslocamento? E se o cara sai para o forró, o teatro, a bocha, o
futebolzinho, visitar os amigos, por onde circular estará gastando,
movimentando a economia, ganhando e distribuindo satisfação. Por que complicar
seu deslocamento, se atravancar ruas estraga produtos perecíveis e faz mais
demorado o acesso dos consumidores às mercadorias transportadas?
Se sair para trabalhar faz parte do trabalho, pagar
pelo transporte é como pagar para trabalhar. Tempos malucos estes, em que tudo
que não dá lucro a alguma corporação ou banco não presta – por isso danificam
tanto o ar, as águas e desviam o ser humano para longe da felicidade,
forçando-o a pagar por tudo... e mais um pouco.
....
* Escritor
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Filme assustador insinua que é tudo real
Alceu A. Sperança*
É tão assustador quanto ouvir narração de assalto. O
temor de estar na mesma situação do narrador detona imagens absurdas na cabeça
do ouvinte. Rio Perdido (Lost River),
filme de estreia como roteirista e diretor do já consagrado ator Ryan Gosling,
foi recebido pela crítica e pela imprensa com aquele ódio que o sujeito sente
quando alguém o coloca impiedosamente diante de seus esqueletos de armário.
O que dá menos medo e angústia no filme, todo em clima
surreal e sombrio, é o drama familiar de Billy, garçonete endividada e sem
marido, com dois filhos para criar, forçada pelo banqueiro a se vender “de
corpo e alma” a uma exploração que é econômica, ideológica e sexual – um triplo
estupro. Algo tão corriqueiro que já banalizou.
Assusta ver sinais do presente projetando o futuro bem
ali à frente, já insinuado e semipresente. As casas incendiadas introduzem o
pesadelo excludente da gentrificação, processo imposto pelos donos do mundo a gestores
autocráticos em alguma pequena ou grande metrópole.
Quem ainda não prestou atenção logo verá a
gentrificação passando o rodo numa esquina próxima, o sinistro Bully a bordo de
uma “limusine” com trono anunciando que você, menino Bones, não pode tirar o
cobre das casas abandonadas pelas famílias que não aguentam mais a situação e partem
a toda hora: a cidade é dele porque a tomou para si.
Uma das poucas cenas que escapa ao clima de fábula e
surrealismo do filme é quando o taxista, não se sabe bem se latino, europeu ou
asiático, diz: “Em meu país todos acham que a riqueza nos EUA é um direito de
todos e o dinheiro farto brota do chão”.
Ele, Billy e as famílias de retirantes sentem na pele
que a crise é brutal e o dinheiro pinga sangue: quem ainda tem posses vai se divertir
assistindo a um teatro de horror e tortura. A criança, Franky, aprende que a
melhor diversão é se lambuzar de sangue, é dar e tirar sangue. Só com muito
sangue, como o das guerras, tudo fica divertido e lucrativo.
Bones e Rat, a doce mocinha que tem um rato de
estimação, tentam fugir à loucura da vida real curtindo antigos filmes com pistas
sobre a possível maldição que produziu toda essa derrota, decadência e o estado
de choque permanente da avó. Mas debaixo do lago poluído por lixo e escombros
há, escondida, uma cidade saudável, reservada apenas a quem consegue descobrir
como entrar nela.
Para fugir da maldição do banqueiro explorando os
endividados e de Bully queimando as casas das famílias pobres e da classe média
com seu IPTU-tocha, é preciso encontrar um meio de penetrar na cidade onde tudo
é lógico e bom. Acharão?
Até aí, mesmo os momentos mais felizes do filme – o culto
ao cinema e uma trilha sonora deliciosa – fazem o espectador a toda hora sentir
vontade de se levantar da sala e sumir dali. Talvez, porém, seja melhor valorizar
o ingresso e assistir até o fim, para saber onde está a saída.
Levanta-se e sai já do cinema, para onde o esperam o
banqueiro estuprador e Bully, o dono da cidade? Ou suporta até os letreiros
finais de fogo e destruição para saber como escapar a esse mundo tão ilusório e
dialeticamente tão real?
Haverá uma cidade melhor debaixo dessa maldição ou ela
terá que ser construída com os materiais que o jovem Bones conseguir nas
demolições? Sai, finalmente, e há um mundo em demolição e em chamas exatamente
agora à sua frente, mas para isso o cinema, que já vai apagando as luzes, não
tem como dar respostas.
***
alceusperanca@ig.com.br
* Escritor
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País
afunda, mas já sabe a saída
Alceu A.
Sperança*
É difícil para um crente lembrar o momento da
“conversão”. Em geral, as crenças são heranças culturais. Vêm mais das
chineladas maternas e dos puxões de orelha paternos que do DNA. Já que ler é
também uma herança cultural, é provável que a genialidade de Marx tenha ficado
evidente ao ler sua afirmação de que “é um paradoxo a Terra se mover ao redor
do Sol e a água, que recobre a Terra, seja constituída por dois gases altamente
inflamáveis”.
Pensando bem (ou mal?), é como carregar uma banana de
dinamite debaixo de cada braço, um balde de gasolina e uma tocha incandescente
e ainda assim nada incendiar nem explodir, nunca, dia após dia, milênio após
milênio de sol intenso em cima de tanto hidrogênio e oxigênio.
Os gases inflamáveis de que a água é formada, enfim e
melhor para todos nós, são sábios o bastante para continuar se combinando de
tal forma que a tocha solar não nos exploda de vez. A água apagaria a tocha,
mas o sol danaria a água. E nós, que não somos gasolina, dinamite ou tochas,
por que nos inflamamos, explodimos, brigamos, infernizamos a própria vida e a
dos demais semelhantes?
O fenômeno de milhares de pessoas obrigadas a
abandonar lares e pátrias para fugir da estupidez da guerra provocada pela avidez
dos donos do mundo por seus recursos naturais – petróleo e minérios – afasta a
hipótese de haver juízo e boa vontade entre os homens. Quando a água for a bola
da vez, o Brasil será alvo da mesma cupidez. Se expulsam índios (“donos” da
terra) por que não expulsarão brancos (invasores)?
É um mundo cheio de horrores. O pior deles é 0,1% da
humanidade ditando o destino – e endividamento – dos restantes 99,99%, mas o horror
causado pela diáspora dos refugiados fica logo de lado na TV quando em lugar
das imagens das pessoas mortas nas perigosas travessias em embarcações frágeis
aparece a alegria de um povo que orgulhosamente salva sua Pátria.
Salva, aliás, sem gentrificação, matança de pobres-diabos,
encarceramento em massa e ofensas dirigidas a quem pensa ou age diferente. Salva
com união de esforços, que não parece tão difícil considerando que o principal
líder da oposição ao presidente Anote Tong é seu irmão Harry...
O Kiribati é um atol-nação localizado no Pacífico. Será
engolido pelo mar nos próximos anos da mesma forma que nações bem firmes em
amplos territórios, zil! zil!, foram engolidas pelas dívidas nacionais
fabricadas pelos banqueiros. O mar não é um cruel agiota cobrando falsa dívida,
mas vai fazer Kiribati afundar, irreversivelmente.
Qual a saída? Naturalmente, comprar território firme no
qual possa estabelecer sua população sem perda de usos e costumes, migrando, ao
contrário dos refugiados da guerra, para uma região de ambiente e clima
similares aos já experimentados historicamente.
Comprando terras mundo afora para o dia em que
precisará fazer a migração final, Kiribati é ao mesmo tempo um dos menores
países do mundo e o único a ter territórios nos quatro hemisférios da Terra,
como a velha Inglaterra da rainha Vitória. É também o país mais avançado no
tempo, já que o ano novo sempre começa lá.
Comprar território para que milhares de pessoas morem
não é coisa barata. Imagine a alegria do corretor de imóveis escolhido pelo
presidente Tong (sim, descendente de chineses), ao lhe vender a primeira parcela
de terras, em Fiji, ao custo de módicos US$ 11,7 milhões. É um país que afunda
mas já sabe como resolver seu problema. E nós?
....
* Escritor
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Cadeias
lotadas e o mistério de Lúcifer
Alceu A. Sperança*
A desinformação, eufemismo para ignorância, é uma das piores
consequências do analfabetismo funcional que domina o Brasil. Sem boas fontes,
uma ampla massa crê nas balelas malandras disseminadas pelos interesses
dominantes, que os comunicadores venais papagueiam sem o menor pudor.
Uma delas sugere que encher as cadeias de malucos,
descontentes, desajustados e sofredores traz a paz social. A não ser como
sadismo e segregar pela força quem incomoda, cadeia não tem servido para grande
coisa. Ao contrário da paz, causa mais revolta e infelicidade, frustrando logo
de saída os familiares das vítimas dos crimes.
Aprendem na dor que não há consolo após a prisão dos culpados
se não houver a reparação dos malfeitos. Prender ou matar o assassino Zé Cruel
não traz de volta quem ele matou nem melhora a segurança. Sofrem angústia
parecida as famílias dos contraventores, que sem dever também são condenados à
humilhação, como se fossem automaticamente culpadas pelas transgressões
cometidas por outros.
Se cadeia produzisse os resultados que os autores das
leis esperam, Napoleão não teria fugido de Elba e reconquistado o poder. Fidel Castro
amargou um xilindró pesado um tempão, mas a história o absolveu, como ele pretendia. Se o caso de Mandela não bastou, não conte
muito com a prisão de líderes. Eles saem dos cárceres mais poderosos.
Um governador paranaense saiu da cadeia diretamente
para o poder: Teófilo Soares. O pai do atual presidente da China, Xi Jinping, suportou
vários anos de cadeia e seu filho foi preso três vezes, reeducou-se, trabalhou
e conquistou posições decisivas na luta política até se tornar o principal
líder da grande nação. Dilma e Lula já estiveram na cadeia, e daí? “Curso de
canário”, em muitos casos, só faz o papel do casulo para a borboleta. Em
outros, impõe a morte em vida para infelizes sem trazer felicidade a quem está
solto.
O melhor livro da Bíblia, Eclesiastes, garante que não
há nada de novo debaixo do sol, mas debaixo de uma geleira, onde o sol não
bate, algo novo foi encontrado. Diga-se em favor de Salomão que em sua época,
por volta de mil a.C., não havia o IceCube – não confundir com o rapper O’Shea
Jackson. É um observatório astrofísico fincado no gelo eterno da Antártica,
onde se deu uma descoberta enregelante, vinda de onde veio, as profundas mais
geladas do planeta.
Trata-se do neutrino de maior energia já encontrado.
São mais de dois quatrilhões de elétron-volts. Os cientistas – físicos e
astrônomos – estão pasmos tentando entender a batata quente que lhes caiu nas
mãos. Neutrinos são tão honestos quanto a cascavel, a cobra que avisa quando
está chegando, qual uma espanhola de castanhola: ele jamais esconde de onde
veio.
Com o neutrino bombado descoberto na geleira,
entretanto, ninguém ainda sabe de onde, raios cósmicos!, ele veio. Alguns
supõem que seja uma espécie de novo Lúcifer, grande anjo de luz, trazendo decadência
(caiu, não caiu?) e notícias do nascimento ou fim do universo. Mas tudo não é
eterno, monsieur Lavoisier? Só se tudo se cria e ainda não sabemos da missa um
terço...
Mr. Stephen Hawking talvez dissesse que o neutrino
bombado veio de um buraco negro, mas seu sintetizador de voz ainda não
metalizou uma resposta. Ah, Horácio, certo estava Hamlet quando lhe jogou na
cara haver mais coisas no céu e na terra do que sonha sua filosofia. Pois no
fundo, debaixo do sol eclesiástico ou na arrepiante geleira antártica, nossa
avançada ciência é ainda uma analfabeta funcional.
....
* Escritor
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Da
lama viemos e nela continuamos
Alceu A.
Sperança*
A água é de graça, mas a prestação de serviços em cima
dela custa um bocado. O ar é de graça, mas a poluição que o sistema dominante
enfia nela custa muito, até demais. Tudo que originalmente era “de graça” ganhou
etiquetas de preço. A usura, que condenava os praticantes às penas do inferno,
hoje é a causa de manter menos de 0,01% da humanidade no paraíso afortunado e
os restantes 99,99% pagando as contas infernais das dívidas nacionais somadas
ao arrocho salarial, impostos e o tributo extra da inflação.
Quando o Uber começou a se espalhar pelo Brasil, os
empresários do setor de táxi protestaram. Sentiram o mesmo que já haviam
sentido os locadores de filmes com a emergência da Netflix, que nada tinha a ver
com a condenável pirataria. Foi o que também sentiram os hoteleiros com o
aplicativo Airbnb abrindo vagas à hospedagem em espaços vagos de residências comuns.
Todas as medidas tentadas para resistir à nova
revolução tecnológica sucumbirão no vazio. Formidáveis e múltiplas inovações
põem abaixo tudo aquilo em que se acreditava. É a ruptura com padrões superados
passando o rodo nas obsolescências remanescentes do século XX. “A aceleração e
a ruptura são os principais fatores do impacto dos meios sobre as formas
sociais existentes”, dizia Marshall McLuhan. Em 1964!
O capitalismo trouxe grandes maravilhas, mas é injusto
e num crescendo afunda a humanidade em doenças, guerras, destruição ambiental, rancores
e um imenso, indescritível sofrimento. Ainda persiste um virulento caldo
reacionário cozinhando, fazendo o mundo uma desgraça globalizada, mas no ventre
da ordem corrupta e gananciosa começa a pulsar a superação do sistema.
Com o Uber, Netflix, Airbnb e tantas outras coisas que
já rolam por aí e logo virão, vai se confirmar aquilo que dizia uma rosa morta
chamada Che Guevara: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas
jamais conseguirão deter a primavera”. A primavera também não foi detida pelos
ludistas, sequer pelos pobres carregadores de riquixá que ao saber da
autorização dada pelo governo de Hong Kong a máquinas poluentes chamadas
“automóveis” para fazer o serviço de táxi, preferiam se deitar nas ruas por
onde passavam os taxistas. Escolheram morrer, como os índios suicidas, por não aceitar
que a vida fosse necessariamente sofrimento.
Devagar, quase parando, a decadência do ensino e a desqualificação
laboral são inversamente proporcionais à acelerada mortandade de jovens no
Brasil. Comparando com o tempo em que a desqualificação era tão grande que
havia máquina moderna a ser operada e ninguém para aprender como funcionava,
até que, em termos, melhorou.
Máquina avançada, com raras similares no mundo, a primeira
barca a vapor vinda para o Brasil foi abandonada por volta de 1825 porque
morreu o maquinista e ninguém mais no Império sabia operar a bendita. Assim, se
é verdade que “a verdade vos libertará” (e quem se atreverá a negar essa máxima
tão bem dita?), a verdade científica nos ajudará a romper os grilhões da ignorância
e da mentira.
Cientistas da Nasa, com base em Mike Russell, supõem
que a vida teve origem no mar. Se assim foi, não é exato que do pó viemos. Avançando
os estudos de Russell, cientistas da Universidade de Osnabrück, Alemanha,
descobriram agora que não foi do pó que viemos, nem da vastidão do oceano, mas
de pequenas poças, em terra. A velha lama nossa de cada dia. O mundo da
ganância global virado num mar de lama, portanto, só demonstra que ainda não
tivemos capacidade para sair dela. E lama, enfim, quando seca vira pó.
....
* Escritor
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Livros
em papel ainda encantam crianças
e adolescentes
O sentimento de que a
invasão de tablets, smartphones e aplicativos sociais pode estar tomando o
lugar dos tradicionais livros em papel entre crianças e adolescentes se desfaz
imediatamente quando se chega à 17ª Bienal do Livro do Rio. Nos três pavilhões
do Rio Centro, milhares de crianças, quase todas integrantes de excursões
promovidas pelos colégios, tomam o espaço e enchem o ambiente de alegria. Os
pequenos lotam as livrarias, principalmente aquelas com temáticas
infantojuvenis.
A explicação para essa
preferência pelos livros em papel em tempo de redes sociais pode estar tanto no
tipo de narrativa que a obra oferece, sem distrações e mais aprofundada, quanto
na capacidade das novas gerações de segmentar a atenção para várias mídias ao
mesmo tempo, algo que é difícil para os mais velhos.
A opinião é da diretora da
Bienal, Tatiana Zaccaro, que vê grande espaço para o crescimento dos livros na
atualidade, em todo o mundo, apesar das tecnologias que cada vez mais fazem
parte da vida de todos.
– A cada ano, temos mais
visitantes, e o número de livros comprados aumenta. E temos algo, que está
ocorrendo no Brasil e no mundo, que são os adolescentes lendo bastante. A média
de livros vendidos tem aumentado exatamente nessa faixa etária. Isso leva a acreditar
que, mesmo competindo com toda a tecnologia que faz parte de sua vida, os
adolescentes, que nasceram na era das telas de toque e da internet, não
abandonam os livros. Eles querem o autógrafo, querem conhecer o autor. Isso
mostra que o livro está mais vivo do que nunca – disse Tatiana.
Uma das formas de garantir
essa simbiose entre mídias de papel e digital é oferecer livros desde muito
cedo às crianças, que assim crescem com amor às páginas impressas. A dica é da
empresária Vanessa Mazzoni, que visitava a bienal em companhia das filhas Ana
Clara, de 11 anos, e Larissa, de 5 anos. “A Ana Clara devora livros, a
pequenina ainda não lê, mas está indo pelo mesmo caminho. A gente incentiva.
Presentes de aniversário são sempre livros, pois ela já está na adolescência.
Elas têm tablet, mas não têm o hábito de ler nele, tem que ser livro de papel
mesmo”, afirmou Vanessa.
A filha Ana Clara, que está
no sexto ano, explicou como consegue se dividir entre as mídias digitais e as
páginas impressas. “Eu fico dividindo o meu tempo. Fico um pouco lendo, um
pouco usando o celular e dá para fazer tudo. Se eu gosto da história e do
autor, eu procuro na internet sobre os outros livros dele e aí compro para ler.
Eu gosto de ver o livro, a capa, acho legal”, contou.
O amor pela leitura às vezes
independe de classe social e condições de adquirir livros que, muitas vezes,
podem ser difíceis de se encaixar no orçamento familiar. Isabele Vitória da
Silva Santos Faria, de 10 anos, integrante do projeto social Circo Crescer e Viver,
aproveita o tempo extra na escola para se dedicar à leitura. O hábito, segundo
ela, veio dos pais. A mãe é cozinheira e o pai, segurança, mas sempre tiveram
livros em casa. “Eu gosto mais de ler contos de fadas e ficção. O tablet
compete com os livros às vezes, mas minha mãe diz que é preciso uma hora para
cada coisa”, disse Isabele.
Colega no circo, Pablo
Richard, de 11 anos, gostaria de ter mais livros em casa. Ele mora com a mãe,
que vende salgados, e não dispõe de tablet nem celular. Diz que prefere ler em
papel mesmo, mas reclama do preço. “Às vezes, vou à biblioteca da escola e pego
o maior livro que tem. Gosto de contos de fadas e histórias de terror. Pena que
os preços aqui na Bienal são o dobro do que eu trouxe em dinheiro”, lamentou.
Mesmo para quem trabalha nas
livrarias, passando o dia entre prateleiras e pilhas de livros, a questão
financeira acaba sendo um limitador. Para Ivisson Laurent dos Santos Silva, o
acesso a determinadas obras, principalmente aos livros técnicos, está distante
da realidade. “Os livros ainda são inacessíveis para a maioria dos brasileiros.
Aqui pagamos muitos impostos e tributos. Apesar de eu trabalhar em uma
livraria, tenho que optar em fazer as coisas pessoais ou comprar um livro.
Entre o pão e o livro, ganha o pão”.
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Independência,
uma pinoia!
Alceu A.
Sperança*
Será grosseiro e radical dizer isso? No honorável Dicionário da Língua Portuguesa da Porto
Editora, “pinoia” é tanto a moça leviana, a periguete, como o ato da trapaça. No
sentido geral, pura malandragem. Sempre um mau negócio. Feita a acusação, vamos
às provas.
O príncipe João podia até rimar com bobalhão, por
conta das manias, da esposa insuportável Carlota e não ser bem educado porque
não era o primeiro na fila para ser rei – entrou no vácuo da morte do irmão
mais velho, José Francisco, e da fanática loucura religiosa da mãe. Um cara de
sorte, no fim das contas. Ah, e adorava coxinhas.
João VI, entretanto, jamais rimou com mal assessorado.
Orientou-se, rapaz, direitinho sobre como agir quando o Brasil decidisse o
óbvio nos tempos revolucionários do início do século XIX: sonhar com as tais
liberdade, igualdade e fraternidade, coisas ainda jamais vistas pela humanidade
até as primeiras décadas deste século XXI.
Assim, João bolou um jeito de simular a independência
do Brasil e ganhar uma grana fácil. Iria abater a dívida que tinha com a
Inglaterra e, de quebra, deixar o filho Pedrinho tomando conta da lojinha.
Bobalhão, uma pinoia!
O movimento maçônico brasileiro pela independência
evoluiu sem sangue, ao contrário de toda a luta dos uruguaios para ter sua
pátria, porque nossa emancipação foi comprada em libras esterlinas. E mesmo pagando
pela Independência, o Brasil ficou dependente, sob o comando de três monarcas
europeus. Pedro I do Brasil saiu daqui e foi virar Pedro IV de Portugal. Uma
pinoia.
Como prefeito brasileiro dá ao filho uma deputança, tradição
mantida pelos séculos afora, o rei João fez do filho Pedrinho (e a si mesmo) o
imperador do Brasil. A princesa Leopoldina determinou a independência brasileira
em 2 de setembro de 1822, mas o marido Pedro, infiel no casamento mas fiel ao
pai (“antes seja para ti, que me hás de respeitar”), manteve o Brasil sob três coroas
até o filho Pedro II entregar tudo a uma coroa só: a da rainha Vitória, após a
quartelada republicana de 1889. Outra pinoia.
Cadê as provas? Nos artigos 1º e 2º do Tratado de Reconhecimento,
datado de 29 de agosto de 1825, o rei João reconheceu o Brasil independente,
tendo por imperador “seu, sobre todos muito amado e prezado, filho d. Pedro”,
também se reservando o direito de ostentar o título de imperador do Brasil. Pois
Pedrinho, em “reconhecimento de respeito e amor a seu augusto pai”, o declarava
igualmente (e simultâneo) imperador do Brasil. Logo, duas coroas.
Celebrada a dupla coroação, o art. 9º do Tratado de
Paz e Aliança meteu o Brasil também sob o domínio da terceira coroa: “debaixo
da mediação de Sua Majestade Britânica**, convieram em virtude dos seus plenos
poderes respectivos” que Pedro pagaria a Portugal, como indenização, “a soma de
dois milhões de libras esterlinas”.
“Independência ou morte” ou uma trapaça (pinoia) para
tomar a grana dos brasileiros e endividar a nova Nação? Para pagar esses
trocados, agradar ao amado pai João e à amada coroa inglesa, Pedrinho se
comprometia a pagar a dívida de Portugal com os banqueiros ingleses e, voilá,
rola que rola, endividar o Brasil desde a Independência.
E eis aí a mãe da atual dívida nacional, uma pinoia
trilionária: hoje, R$ 3,6 trilhões de dívida interna e US$ 555 milhões de
externa. Pagamos caro demais (R$ 2,7 bilhões diários, a cada e todo dia) por um
produto falsificado.
**George IV, o Endividado.
....
* Escritor
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Deus
ex-machina e repúblicas às pampas
Alceu A.
Sperança*
Quando nada mais resolve, um cabo de aço para simular
voo faz pairar sobre a cena congelada o “espírito” salvador que traz a solução
genial bolada pelo dramaturgo. É o “deus ex-machina”, recurso do antigo teatro grego
para resolver impasses dramáticos.
Sempre que há crise (e quando não há?), os
desesperados saem à cata de uma solução “espiritual” extraterrena, tal como
beber veneno e embarcar na cauda de um cometa, método maluco de ser “escolhido”
pelas potências celestiais. Para sumir deste planeta em ruínas no primeiro
disco-voador que partir depois da laranjada matinal, Porto Alegre sediou em
junho o Fórum Mundial de Contatados, Abduzidos e Testemunhas, uma espécie de “pare
o mundo que eu quero descer” trazido pelo deus ex-machina. Os não escolhidos
que se danem com sua falta de fé.
Para os contentinhos com o sistema vigente no Brasil,
o deus ex-machina para a sempiterna crise é o pré-sal, a entidade miraculosa
que trará a definitiva salvação para o país. Basta extrair e vender o petróleo
e tudo se resolverá. Na Venezuela já se viu que as coisas não são bem assim. A
gasolina, lá, é mais barata que água de torneira aqui. E todo o ouro e a prata já
extraídos, a imensidão de minerais que se extraem hoje avidamente já deveriam
ter tido lá atrás essa função salvadora de deus ex-machina. Mas o que se vê, sempre,
é a riqueza mais e mais acumulada em menos mãos.
Para os indignados sulistas, o deus ex-machina é a
República dos Pampas (ver “Como ficaria o Brasil dividido?”, 12.3.2009). É a
crise piorar e o indignado invocar o deus ex-machina do separatismo salvador
para confortar sua alma atormentada.
A malandragem de retalhar o Brasil em vários pedaços remonta
no mínimo ao oceanógrafo Matthew Fontaine Maury, por volta de 1850. Carlos
Chagas, na revista Manchete
(5.6.1997), pisa na bola ao escrever que em 1816 o capitão “Mathew Fawry” (ficção
para Maury, que nessa época tinha só dez anos) remeteu memorando secreto a seus
superiores nos EUA aconselhando a criação do “Estado Soberano da Amazônia”.
Incluiria as Guianas atuais, tendo por fronteira Sul uma
linha reta partindo de São Luís do Maranhão ao ponto extremo onde hoje Rondônia
se limita com o Mato Grosso. A Bahia não seria mais só um estado de espírito,
mas uma nação independente. Sem ela, proclamada por Napoleão, o Nordeste seria
a República do Equador. Santa Catarina, outra Malvina britânica. Ao Sul, claro,
a República Rio-grandense.
“Fawry” é fake, inventado por Fernando Sampaio em O Dia em Que Napoleão Fugiu de Santa Helena,
mas Maury de fato propôs a Amazônia para acolher os escravos libertos nos EUA. Influenciado
por essas ideias, o próprio Lincoln, em 1862, quando declara “desde já e para
sempre livres todos os escravos existentes nos Estados rebeldes”, propõe aos
libertos que aceitem a proposta do general James Watson Webb, amigo de d. Pedro
II, de criar um Estado Livre para os ex-escravos na Amazônia.
Um detalhe essencial impediu o Brasil de perder a
Amazônia já naquela época: os negros estadunidenses não quiseram sair de lá.
Alegaram que os EUA, “terra da liberdade”, também era o país deles. Foram
respeitados, veja só. No Brasil, defensores da propriedade privada ainda hoje matam
e expulsam índios a pretexto de que... seus verdadeiros donos têm terras demais!
Se os negros estadunidenses topassem criar uma
República apartada do Brasil, hoje não teríamos mais a Amazônia. E assim, via Efeito
Borboleta, quem sabe nem os EUA tivessem o presidente Obama.
....
* Escritor
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Assim
vovô se livrou da escravidão
Alceu A.
Sperança*
Pai contra
mãe, o chocante conto de Machado de
Assis, expõe o impacto que uma nova ordem traz sobre os restolhos da velha. “A
escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições
sociais” é a oração que dá o tom da narrativa. Ao ser extinta, a ordem
escravista condenou aos museus os equipamentos usados para prender e castigar
os escravos.
A caixinha de pregar mão vai dar saudades em pais
neuróticos que dizem “amém” ao senhor gerente e descontam as humilhações sofridas
nas crianças ao chegar ao doce lar. A berlinda desperta suspiros nostálgicos
nos exploradores mais radicais: o rebelde tinha os punhos e o pescoço presos e
quem passava lhe distribuía tapas, petelecos e cusparadas.
Enfim, a ordem capitalista só conseguiu progresso de
fato ao liquidar esses restolhos do escravismo que ainda permaneciam no
feudalismo. E aí inventou a nova máquina dentre as tantas que o caracterizaram
como a formação social e econômica mais evoluída forjada pela humanidade: o
relógio do cartão-ponto.
Não é demais supor que na futura ordem socialista
haverá restolhos da ordem capitalista e eles terão sobre nossos netos o mesmo
efeito angustiante que os entulhos das crueldades escravistas motivaram nos
leitores de Machado de Assis ao ler o livro Relíquias
da Casa Velha, em 1906. Nada que Maquiavel já não tenha advertido, aliás:
“Não há nada mais difícil de realizar nem mais perigoso de controlar que o
inicio de uma nova ordem de coisas”.
É possível que nossa expressão de horror ao saber como
o escravo era tratado na berlinda seja o mesmo sentimento de piedade que os atuais
bisnetos sentirão pelo bisavô ao saber como remetia torpedos em sua época. Primeiro,
precisava de uma rústica máquina de escrever, na qual sujava os dedos de tinta
ao colocar a fita. Precisava então de papel para deslizar no cilindro da
máquina, alinhar e então catar milho (só isso ainda permanece!) para digitar o
texto da mensagem.
Mais papel era necessário: um envelope. Nele, o papel
com o texto do torpedo era colocado. Aí vinha o esforço propriamente dito:
andar até uma agência de correio para a postagem, que dependia ainda de fechar
o envelope com cola e lacrá-lo com um selo e um carimbo. Então bisavô pagava o
selo e sua parte estava concluída, equivalente a um clique no “send”: a
mensagem foi finalmente postada para a bisa, ainda sua namoradinha de colegial.
Ah, mas até ela receber a mensagem tudo ainda dependia
de mais esforço e um tempão desde a cartinha ser colocada num malote e ser
transportada de caminhão até uma central dos Correios e Telégrafos. Dela (ufa!)
partiam carteiros a pé ou de bicicleta levando a correspondência até o endereço
físico da namorada, onde era colocada numa caixinha externa ou por baixo da
porta. Que horror, pobre bisa!
Não tenha tanta pena, bisnetinho, porque no fim da
história seu bivovô ficou maravilhado com o avanço da ciência e da tecnologia. O
velho descobriu de vez a felicidade, com a sagrada certeza de que o capitalismo
tinha dado certo ao receber a grande novidade, que fazia o torpedo chegar de
imediato às mãos da bisa, já na faculdade.
Exultante, põe o bisneto no colo e lembra o
maravilhoso avanço tecnológico que mudou totalmente sua vida e o fez ter a
certeza de finalmente chegar ao melhor dos mundos, o plano final do Divino para
a humanidade: o fax... Como diziam os bisavós chineses e seus vizinhos no
tempo, “isso também passará”.
....
* Escritor
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Para cultivar livro e leitura,
num país diverso mas oral
Por Jéferson Assumção
O artigo A Dimensão Cultural da Leitura, do ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, publicado no caderno do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), em 2006, traz uma frase que considero ser a chave para uma política de livro e leitura a ser desenvolvida no Brasil:
“É necessário também pensar o modo como essa prática leitora se articula com nossa cultura, tão nossa, tão brasileira, tão rica em sua oralidade e espontaneidade, mas ainda pobre em sua dimensão escrita. Se desenvolvê-la nessa direção não é tarefa fácil, com certeza ela só se realizará plenamente se feita em consonância e respeito com a diversidade cultural de nosso povo, de modo a potencializá-la e não suprimi-la”.
De fato, a diversidade cultural (cuja convenção da Unesco para sua defesa e promoção completa dez anos em 2015) se trata de um dos desafios mais importantes a que uma política de livro e leitura deve se ater em um país com nossas dimensões e peculiaridades territoriais e culturais. Uma megadiversidade tão cheia de interiores e com eles suas riquezas, amazônicas, sertanejas, agrestes, pantaneiras, pampeanas impõe a quem quer que aqui desenvolva o livro e a leitura um olhar ainda mais plural que em outros territórios e países menos heterogêneos. A população brasileira, formada basicamente por três grandes blocos: os indígenas e os africanos, ágrafos, e os portugueses, cujo nível de alfabetização sempre foi o menor da Europa e em seguida enriquecida por povos de todos os quadrantes da Terra, é belo resultado de uma especial mistura.
No entanto, ao permanecer por séculos longe dos livros – até o ano de 1808 Portugal proibia que se fizessem livros no Brasil – e com uma educação rarefeita até mais da metade do século XX, chegamos ao século XXI com elevados índices de analfabetismo absoluto (cerca de 10% da população) e uma relação recente e problemática com o livro e a prática leitora. Diferentemente da maioria dos países da Europa, por exemplo, em que a literatura e o livro cumpriram um enorme papel social e político, no Brasil a relação com o livro só se desenvolve, ainda que de forma muito precária, em escala social, depois da relação com os meios de comunicação de massa. E, hoje, com os meios digitais.
Mas, então, como cultivar a leitura neste contexto adverso? Temos um mapa, pelo menos. Precisamos desenvolver políticas e ações que se orientem pelos cinco princípios norteadores do PNLL:
1) O Livro deve ocupar um lugar de destaque no imaginário coletivo;
2) Deve haver escolas que saibam formar leitores;
3) Devem existir famílias de leitores;
4) Melhor acesso ao Livro; e
5) Um melhor Preço do livro.
E, assim como sem leitura o Brasil não se tornará uma pátria educadora, uma política de leitura para o Brasil de nosso tempo necessita estar intimamente ligada à Educação e à vida na escola, focando principalmente a faixa entre os 7 e os 14 anos, período em que a prática leitora se desenvolve e tem chances de se consolidar. E contar com as necessárias parcerias com a sociedade civil organizada, as redes, coletivos e o mercado do livro.
Precisamos relacionar a leitura com a cultura, num contexto de megadiversidade. País antropofágico, de tradições e inovações, de modernidades e arcaísmos, de hibridismos e identidades, de urbes tão imensas quanto seus campos, florestas e faixas litorâneas, o Brasil impõe-se como desafio de multiplicidade a qualquer prática cultural em seu território, entre elas a da leitura e da literatura. Um país com tantas fontes, indígenas, negras, europeias, asiáticas olha para o mundo e é olhado por ele de maneira especial. A prática da leitura, por aqui, também deve ser tão especial quanto o Brasil é.
Temos que desenvolver a leitura no Brasil a partir dos pressupostos culturais de sua singular formação. Antropologicamente, historicamente, sociologicamente, a tarefa de fazer do Brasil um país leitor não pode ser articulada de maneira instrumental, funcional, ao desenvolvimento econômico e mesmo social sem ser qualificado pela especificidade de sua cultura, sob pena de achatar-se e não acompanhar sua própria grandiosidade. Também, para o desenvolvimento de uma visão sistêmica de leitura, é preciso, junto com a leitura solitária, cartesiana, fundamental para a formação do olhar íntimo do leitor silencioso, a leitura solidária, aberta, dialogante com a diversidade cultural e com a cultura digital contemporâneas.
Fundamental é desenvolver diálogos estratégicos entre Cultura e Educação, Cultura e Comunicação, com a Sociedade (redes e coletivos de cultura, pontos de cultura etc) e com as Políticas Culturais de nosso País. Com isso, podemos, a sociedade e os governos, articular grandes ações dentro e fora da escola, como escritores nas escolas, tal como o Rio Grande do Sul faz com sucesso há cerca mais de 30 anos; campanhas de visibilidade da leitura e da literatura; trabalhar o já grande acervo de literatura distribuído em todo o Brasil pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola, do MEC; desenvolver ações na linha Formação literária e difusão cultural, recentemente incluída no Mais Cultura nas Escolas; atuar em ações de visibilização das atividades realizadas nas periferias, centros urbanos e interior do Brasil (saraus, festas literárias, rodas de leitura etc) pelas redes, coletivos e as mais de mil bibliotecas comunitárias do Brasil.
É preciso ajudar na articulação em rede dessas inúmeras iniciativas, com editais específicos para as narrativas urbanas, indígenas, negras etc. Precisamos também mostrar a exemplaridade de bibliotecas públicas e comunitárias, com um selo Biblioteca Viva, além de realizar ações no sentido de promover a língua portuguesa, como veículo para a difusão da produção cultural brasileira em todas as linguagens, desde a literatura, a música popular, cinema, teatro, manifestações populares etc. Essas e outras ações só serão possíveis com o esforço de muitos (governo, parlamentares, sociedade, movimentos, mercado) em prol de ações estruturantes, entre elas, aprovar no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Plano Nacional de Livro e Leitura – PNLL, criar o Fundo Setorial Pró-Leitura; e recuperar a institucionalidade do livro e da leitura no País por meio de um Instituto Nacional do Livro, Leitura e Literatura. Muito já foi feito, mas muito ainda é necessário para que a riqueza da cultura brasileira se amplie também na dimensão escrita.
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O canibalismo nosso de cada dia
Alceu A. Sperança*
Ao se estender à história, um olhar contaminado pelo presente e convicções atuais cria um filme de terror: nossos antepassados foram canibais, alega a antropóloga Silvia Bello, do Museu de História Natural de Londres. Ao estudar ossos achados na Caverna de Gough, em Somerset, ela descobriu que pessoas eram devoradas por um tipo muito especial de animal: gente.
Nesse restaurante-caverna, há cerca de 15 mil anos os fregueses tinham o hábito de consumir seus quitutes o máximo possível, até quebrando os ossos para saborear o tutano. Sem esbanjar, limpavam o prato. Que, como os copos, eram feitos com crânios. Silvia Bello supõe que havia um ritual religioso nesse processo alimentar – algo como render graças antes da saborosa refeição.
Só na Inglaterra? Na península ibérica, de onde vieram os “achadores” e primeiros donos de papel passado do Brasil, o canibalismo não era incomum. No Norte da Espanha, as carnes mais apreciadas eram as de crianças e adolescentes, o que leva à solução do pio Jonathan Swift para a fome, em sua “Modesta Proposta”. Comer crianças pobres zera a miséria e não requer redução da idade penal. O problema será a futura falta de mercadorias. Os pobres, por extinção, deixarão de produzir acepipes para os abastados (e pedófilos) comensais. Aí, sem saída, o jeito será passar no cutelo gordinhos filhotes da classe média...
Ao contrário dos escravistas europeus, que obrigavam os negros e índios a se esfalfar até a morte prematura, trabalhando impiedosamente abaixo de condições aterrorizantes, os Tupis eram piedosos canibais. Comendo os inimigos capturados em combate, celebravam religiosamente sua bravura, evitavam que sofressem e não precisavam sustentá-los. Escravos só rendem mais do que produzem em condições muito especiais, coisa que os ingleses descobriram logo no alvorecer do capitalismo e os Tupis sempre souberam.
Os Tupis não consideravam justo alimentar quem nada produz – e a produtividade não é, hoje, o cerne do debate econômico nacional? Vencer uma guerra e sustentar os folgados vencidos à custa do trabalho dos nossos irmãos e filhos? Jamais! Cadê aquele velho livro de receitas?
Chega desses horrores do passado e das “velhidades” de Silvia Bello. Melhor esquecer esse remoto passado para não despertar apetites ancestrais nem julgar fora de contexto as preferências culinárias de vovô. Melhor prospectar o futuro lendo obras recentes sobre descobertas científicas. O novo livro de Nick Lane, The Vital Question: Energy, Evolution, and the Origins of Complex Life (A questão vital: energia, evolução e as origens da vida complexa), sustenta que até certa altura da evolução a vida se resumia a micróbios incapazes de gerar seres maiores – gente, nem pensar. O que aconteceu, então? Fiat lux?
Deu-se o caso clássico do ovo, que vem antes da galinha. Com base nos estudos do biólogo William Martin, Lane supõe que começamos a ser “criados” no mágico instante em que um micróbio passou a viver dentro de outro – a mitocôndria se deixa “comer” pelo hospedeiro e vai esticar a vida até formas mais complexas. Devolve-nos, assim, ao horror do canibalismo. Ou do parasitismo, o que explica bilhões de pessoas pagando pelo que não devem a menos de 1% de espertalhões. Então é isso: do canibalismo viemos...
Cabe ter hoje suficiente humanidade para não canibalizar nossos iguais, explorando-os até enlouquecerem de tanta dívida, discriminando-os por qualquer diferença de aparência, essência ou preferência, nem matá-los nas guerras em nome de deuses cujos nomes reais são grana, poder, petróleo e agora até água. Que com a terra, o ar e o fogo faziam a quádrupla deidade elementar dos antigos canibais.
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* Escritor
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Igualdade para as cavalgaduras
Alceu A. Sperança*
Um encrenqueiro grego, Xenófanes, sacudiu a arrogância humana ao supor que “se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os deuses sob forma de cavalos e os bois pintariam os deuses sob forma de bois”. De fato, os homens supõem seus “deuses” como vingativos ou bondosos como eles próprios julgam ser.
Animais sociais como abelhas e formigas possuem um “RG” natural que os identifica por sexo, idade e participação na comunidade. Isso devolve a espécie humana à depreciação de que somos todos animais, e nesse caso inferiores a espécies que a natureza preza mais que o homem, como as bactérias – seres que todas as evidências comprovam os mais queridos pelo equilíbrio universal.
Assiste-se há milênios a um enquadramento dos humanos a procedimentos de registro e controle, hoje cartonados e biométricos. Chips plastificados de bancos, lojas, farmácias, igrejas ou transporte coletivo são requeridos para tudo: circular, ultrapassar fronteiras, comprar, vender. Um monte de cartões e um mundaréu de senhas para os humanos, quando uma simples formiga ou abelha tem tudo isso desde que nasce, livre dessa cartonagem bestial e numérica (666, of course!).
A igualdade é considerada humanitária, embora por desumanidade não se pratique. Liberdade é para as borboletas. Para os humanos, é ter dinheiro. Fraternidade é brigar por herança em cima do cadáver do pai ainda quente. E igualdade? Talvez, como “equivalente”, seja coisa de animais, sobretudo cavalgaduras – equus, do Latim, era a parelha de bestas que transportava a biga. Lado a lado, iguais, equus sugere igualdade e equivalência. Arre, égua!
Homens se sentem grandiosos e sob proteção “divina”, mas seus sistemas bagunçados se arruínam em sanguinolência, maldade e sofrimento. Abelhas não têm corrupção eleitoral – sua rainha não manda nem ordena, porque sua sociedade é regulada naturalmente, conflitando com nossa bela noção republicana de igualdade perante a lei. Mas aí aparecem os desiguais para atrapalhar exigindo direitos. E dê-lhe gás de pimenta e borrachada nas ancas.
Igualdade, no Brasil, é tirar os desiguais da sala de conchavos. O sistema de poder foi montado na Constituição de 1988 de forma que o presidente, governador e prefeito reproduzam a figura do imperador. São chefes de partido, governo e Estado. Se as leis não lhes bastam, saem a decretar ou alugar maiorias para impor os interesses de quem financiou as campanhas.
Essa é a raiz do Mensalão, a governabilidade cultivada por petistas, tucanos e agregados no Big Center (Centrão, para os íntimos). A maioria parlamentar é forjada pelo poder econômico a cavaleiro de uma enorme desigualdade. Quando o imperador de plantão e o Congresso conflitam, seus atritos interna corporis se resolvem por uma lei. No limite, por uma ação ou recurso judicial.
Se a mensalização é demais e as leis são apunhaladas grosseiramente com jeitinhos e pedaladas, o Ministério Público, qual Grilo Falante, dá uma sacudida nos Pinóquios. Nada disso, porém, limita os poderes imperiais do trichefe executivo nem democratiza o parlamento, cuja composição é nomeada pelo grosso do poder econômico. E assim as cavalgaduras que aspiram igualdade/equivalência se reduzem à insignificância de meros equus, com direito a ser iguais somente na parelha que transporta o orgulhoso imperador em sua biga do ano.
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* Escritor
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Entidades se preocupam com programa de livros
"Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos, que inauguram a vida, como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária é proposição indispensável. Se é um projeto literário é também uma ação política por sonhar um País mais digno."
(BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS, in Manifesto por um Brasil Literário, 2009)
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A Associação Brasileira de Editoras de Livros Escolares, a Associação Nacional de Livrarias, a Câmara Brasileira do Livro, a Liga Brasileira de Editores e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, em nome de seus associados, vem manifestar sua preocupação em relação à continuidade da política pública de inclusão da literatura no âmbito da Educação Infantil e dos ensinos Fundamental e Médio, tendo em vista a imposição de cortes nas verbas do Ministério da Educação.
A educação deve ser entendida no sentido amplo, sem se restringir a ensinar a criança a ler e a escrever, mas também a pensar, refletir e compreender. Através do hábito de leitura, a criança aumenta seu conhecimento sobre o mundo e se prepara para exercer sua cidadania.
Hoje, apenas 25% dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos, o que significa que 75% não têm capacidade de compreender e interpretar textos, segundo dados do INAF -- Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional.
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de bibliotecas escolares com livros de literatura devem ser prioridades nas ações do Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só assim poderemos equiparar direitos, garantindo a mesma qualidade na formação a todas as crianças e jovens brasileiros, independentemente da cidade onde vivem, das carências e desigualdades de cada região.
Um grande passo nesse sentido foi a criação, em 1998, do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), e seu desenvolvimento e aprimoramento ao longo dos últimos anos. Até 2014, este programa vinha cumprindo seu objetivo de "prover as escolas de ensino público das redes federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, no âmbito da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino fundamental, do ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA), com o fornecimento de obras e demais materiais de apoio à prática da educação básica". Na última década, o PNBE tornou-se um exemplo de sucesso na inclusão da literatura em sala de aula, e outros programas de igual importância foram também criados, como o PNBE do Professor, o PNBE Periódicos, o PNBE Temático e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Estes programas permitiram aos alunos de todo o país o acesso a uma grande diversidade de obras literárias, de escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros, obras estas que foram avaliadas e selecionadas por profissionais especializados em literatura e educação. Permitiram também que editoras de todos os portes participassem do processo de seleção e tivessem a oportunidade de incluir seus títulos nestes programas.
Em 2015, porém, segundo informações recentes da Fundação Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela execução desses programas, não houve ainda a liberação de verbas para viabilizar tanto o PNBE Temático 2013, que já estava com contratos em andamento, quanto o PNAIC 2014 cujos livros já estavam selecionados e as editoras devidamente habilitadas para a negociação e o contrato. Lamentavelmente, o processo de avaliação dos livros inscritos para o PNBE 2015 também estagnou. De acordo com dados estimativos, as verbas destinadas ao PNBE Temático 2013 e do PNAIC 2014, em conjunto, representam menos de 1% do valor do corte orçamentário de R$ 9,4 bilhões sofrido pelo Ministério da Educação.
Além disso, o governo do Estado de São Paulo, em comunicado oficial, suspendeu a compra de livros para escolas e bibliotecas. Temos acompanhado notícias aterradoras de paralisia de ações em diversos estados e municípios, como o fim de um dos projetos mais emblemáticos do país, a Jornada Literária de Passo Fundo. Casos recentes que preocupam o caminho da transformação do Brasil pela leitura.
O atraso na execução desses programas e projetos já causa reflexos preocupantes na cadeia produtiva do livro, atingindo não somente editores e livreiros como também autores, tradutores, ilustradores, revisores e a indústria gráfica.
Entretanto, muito mais grave do que esse prejuízo tangível da cadeia produtiva do livro é o prejuízo incalculável e talvez irreparável causado a milhões de crianças e jovens brasileiros, que deixarão de receber livros de literatura em suas escolas, o que representará um grande retrocesso nas conquistas educacionais dos últimos anos e um dano irreversível ao pensamento livre e crítico da nossa população jovem.
Acreditamos que a leitura de livros de literatura, além de prioritária, é também um direito da criança e do jovem.
Paraty, 3 de julho de 2015.
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8 dicas para adquirir o hábito de leitura rápida
Por Universia, com base em Shutterstock
A leitura é uma atividade muito importante e que pode trazer grandes benefícios para aqueles que a praticam. Aumento da bagagem cultural, desenvolvimento do senso crítico, da criatividade e ampliação da quantidade de conteúdos aprendidos são alguns deles. No entanto, por causa da rotina acelerada, diversos indivíduos têm interesse pelos livros, mas não têm tempo para desfrutar do hábito.
Mesmo que seja complicado realizar essa atividade no dia a dia, é essencial que as pessoas encontrem formas de conseguir realizá-la devido à importância da prática. Se você está dentro dessas estatísticas e não sabe o que fazer, confira hábitos que podem ajudar a inserir a leitura no seu cotidiano:
1- Tenha mais livros do que você conseguirá ler
Independentemente se você prefere pegar as obras emprestadas com amigos, em bibliotecas ou comprá-las, sempre tenha mais delas do que conseguirá ler. Assim, todas as vezes que lembrar a quantidade de livros que tem para ler, provavelmente será impulsionado a acelerar as leituras, para conseguir entrar em contato com a maior parte delas.
A dica também serve para aqueles que preferem os e-books: faça o download de muitas obras. A grande quantidade armazenada nos seus dados certamente será um motivador para que você leia mais rapidamente.
2- Leia mais de um livro ao mesmo tempo
Além de estimular mais o funcionamento do cérebro ao ler mais de um livro ao mesmo tempo, essa prática é boa, porque você torna-se capaz de se adequar a vários tipos de leitura de uma vez. Algumas obras são mais fáceis de ler durante o dia, já que exigem mais atenção do leitor que precisa fazer análises com base no texto. Outros, como romances, podem ser facilmente lidos durante a noite, já que não exigem tanto. Assim, a pessoa consegue ler mais e ainda contemplar vários tipos pelos quais se interessa.
3- Estabeleça metas de leitura
No momento que começar um novo livro, estabeleça em quanto tempo irá terminá-lo, além da quantidade de páginas que lerá por dia. Assim, você se torna mais organizado e, consequentemente, consegue ler mais obras em um período determinado de tempo.
4- Leia pensando em você
O mais importante do hábito de leitura é que você escolha livros que irão ser benéficos para você. Não se preocupe com o que deveria estar lendo ou o que as pessoas esperariam que você estivesse. Seja honesto com você mesmo e aproveite o momento para desfrutar de obras que realmente o interessem.
5- Leia em dispositivos móveis durante o caminho para o trabalho ou instituição de ensino
O celular é um aparelho que sempre acompanha as pessoas durante a rotina e, por isso, pode ser um bom instrumento de leitura. Caso você não goste de desfrutar os livros por meio de dispositivos digitais, aproveite o tempo para ler textos menores disponíveis na internet. Pela quantidade de conteúdos online, com certeza você encontrará algum que interessará.
6- Analise qual o melhor momento do dia para ler
Cada um precisa analisar quando é o melhor horário para ler e onde prefere fazer a atividade. Preocupe-se em escolher um em que você sinta que consegue absorver a mensagem passada pela obra e que sente prazer em estar lendo. É essencial que o hábito torne-se confortável e até imprescindível na sua rotina.
7- Estabeleça prioridades
Se você quer criar o hábito de ler, precisa estabelecer uma lista de prioridades em que a leitura seja um dos primeiro tópicos. Você precisa se condicionar a prática e não ser corrompido pelas distrações, como a internet ou a televisão. Quando você se dispuser a ler, fique longe desses objetos, para que mantenha o foco somente no texto que escolheu.
8- Faça apostas com pessoas que você gosta
Se você tem amigos que leem muito, por que não realizar apostas com eles para que isso seja um motivador para ampliar seu hábito de leitura? Estabeleçam metas que vocês devem cumprir e escolham um prêmio para o ganhador, como um livro. Aproveite para ter momentos de diversão com pessoas queridas e para se beneficiar das vantagens da leitura.
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A
tarifa não tem graça
Alceu A. Sperança*
O transporte coletivo continuará indo de mal a pior se
as cidades que se pretendem “metrópoles” não adotarem padrões de, digamos o
palavrão, sustentabilidade. Dificultar o transporte coletivo e privilegiar o
individual equivale a puxar um gatilho assassino: nos últimos três anos, a letalidade
do trânsito brasileiro passou de 18,7 mortes por 100 mil habitantes para 23,4.
O atual modelo de transporte urbano é criminoso e maluco, tendendo a piorar a
qualidade do ar e fragilizar ainda mais a saúde humana – e tudo isso custa,
custa, custa muito.
A substituição dos cobradores pelo cartão de crédito
cria mais problemas e não resolve nenhum dos problemas já existentes. Desempregar
os cobradores, compensando-os com a reciclagem, vá lá, como agentes de turismo
e orientadores sociais, seria um custo razoável se houvesse a gratuidade do
sistema, como ocorreu em Ivaiporã e Pitanga, onde foi adotada a Tarifa Zero –
e, a partir de dezembro, também em Tijucas do Sul.
Desempregá-los e o sistema ficar ainda mais caro e
menos atrativo, obrigando os usuários a comprar vários créditos de um só desembolso
ao contrário de pagar apenas uma passagem por vez, só favorece ao transporte
individual. Justo e sensato seria facilitar por todos os meios a gratuidade do
transporte de estudantes, trabalhadores e donas de casa e forçar imediatamente a
eletrificação dos veículos.
Na Europa, os tribunais vêm aceitando a tese de que o
deslocamento não deve ser pago pelo trabalhador. Sair para trabalhar e voltar
do serviço não é um BigMac que se compra num quiosque para excesso alimentar: é
parte do trabalho que consome o tempo do trabalhador. Esse tempo teria que ser remunerado
– nunca o trabalhador gastar esse tempo no deslocamento e ainda ter que pagar
por perder esse tempo. Isso é pagar para trabalhar.
A lógica é que as empresas, o governo e a sociedade
precisam dos trabalhadores se deslocando aos locais de trabalho, onde vão gerar
as riquezas apropriadas pelas empresas, os impostos arrecadados pelo poder
público e os serviços estendidos a todos. Ao entrar num ônibus, portanto, o
trabalhador deveria ser pago por destravancar o trânsito e melhorar a qualidade
do ar – mas, ao contrário, paga uma tarifa extorsiva.
Nesse mesmo sentido, a dona de casa ao sair às compras
vai fazer circular o dinheiro nas feiras e supermercados, além de prestar um
serviço aos familiares ao sair em busca dos gêneros que depois de preparados
por ela ou auxiliares os alimentarão ao voltar da escola e do trabalho. Por
que, raios, donas de casa têm que pagar para se deslocar aos pontos comerciais onde
deixarão lucros e também para, no retorno, prestar um serviço de amor aos familiares?
E se estudar qualificará melhor uma geração, em
benefício do futuro do Brasil e do mundo, por que cargas d’água o estudante tem
que pagar pelo deslocamento? E se o cara sai para o forró, o teatro, a bocha, o
futebolzinho, visitar os amigos, por onde circular estará gastando,
movimentando a economia, ganhando e distribuindo satisfação. Por que complicar
seu deslocamento, se atravancar ruas estraga produtos perecíveis e faz mais
demorado o acesso dos consumidores às mercadorias transportadas?
Se sair para trabalhar faz parte do trabalho, pagar
pelo transporte é como pagar para trabalhar. Tempos malucos estes, em que tudo
que não dá lucro a alguma corporação ou banco não presta – por isso danificam
tanto o ar, as águas e desviam o ser humano para longe da felicidade,
forçando-o a pagar por tudo... e mais um pouco.
....
* Escritor
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Filme assustador insinua que é tudo real
Alceu A. Sperança*
É tão assustador quanto ouvir narração de assalto. O
temor de estar na mesma situação do narrador detona imagens absurdas na cabeça
do ouvinte. Rio Perdido (Lost River),
filme de estreia como roteirista e diretor do já consagrado ator Ryan Gosling,
foi recebido pela crítica e pela imprensa com aquele ódio que o sujeito sente
quando alguém o coloca impiedosamente diante de seus esqueletos de armário.
O que dá menos medo e angústia no filme, todo em clima
surreal e sombrio, é o drama familiar de Billy, garçonete endividada e sem
marido, com dois filhos para criar, forçada pelo banqueiro a se vender “de
corpo e alma” a uma exploração que é econômica, ideológica e sexual – um triplo
estupro. Algo tão corriqueiro que já banalizou.
Assusta ver sinais do presente projetando o futuro bem
ali à frente, já insinuado e semipresente. As casas incendiadas introduzem o
pesadelo excludente da gentrificação, processo imposto pelos donos do mundo a gestores
autocráticos em alguma pequena ou grande metrópole.
Quem ainda não prestou atenção logo verá a
gentrificação passando o rodo numa esquina próxima, o sinistro Bully a bordo de
uma “limusine” com trono anunciando que você, menino Bones, não pode tirar o
cobre das casas abandonadas pelas famílias que não aguentam mais a situação e partem
a toda hora: a cidade é dele porque a tomou para si.
Uma das poucas cenas que escapa ao clima de fábula e
surrealismo do filme é quando o taxista, não se sabe bem se latino, europeu ou
asiático, diz: “Em meu país todos acham que a riqueza nos EUA é um direito de
todos e o dinheiro farto brota do chão”.
Ele, Billy e as famílias de retirantes sentem na pele
que a crise é brutal e o dinheiro pinga sangue: quem ainda tem posses vai se divertir
assistindo a um teatro de horror e tortura. A criança, Franky, aprende que a
melhor diversão é se lambuzar de sangue, é dar e tirar sangue. Só com muito
sangue, como o das guerras, tudo fica divertido e lucrativo.
Bones e Rat, a doce mocinha que tem um rato de
estimação, tentam fugir à loucura da vida real curtindo antigos filmes com pistas
sobre a possível maldição que produziu toda essa derrota, decadência e o estado
de choque permanente da avó. Mas debaixo do lago poluído por lixo e escombros
há, escondida, uma cidade saudável, reservada apenas a quem consegue descobrir
como entrar nela.
Para fugir da maldição do banqueiro explorando os
endividados e de Bully queimando as casas das famílias pobres e da classe média
com seu IPTU-tocha, é preciso encontrar um meio de penetrar na cidade onde tudo
é lógico e bom. Acharão?
Até aí, mesmo os momentos mais felizes do filme – o culto
ao cinema e uma trilha sonora deliciosa – fazem o espectador a toda hora sentir
vontade de se levantar da sala e sumir dali. Talvez, porém, seja melhor valorizar
o ingresso e assistir até o fim, para saber onde está a saída.
Levanta-se e sai já do cinema, para onde o esperam o
banqueiro estuprador e Bully, o dono da cidade? Ou suporta até os letreiros
finais de fogo e destruição para saber como escapar a esse mundo tão ilusório e
dialeticamente tão real?
Haverá uma cidade melhor debaixo dessa maldição ou ela
terá que ser construída com os materiais que o jovem Bones conseguir nas
demolições? Sai, finalmente, e há um mundo em demolição e em chamas exatamente
agora à sua frente, mas para isso o cinema, que já vai apagando as luzes, não
tem como dar respostas.
***
alceusperanca@ig.com.br
* Escritor
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País
afunda, mas já sabe a saída
Alceu A.
Sperança*
É difícil para um crente lembrar o momento da
“conversão”. Em geral, as crenças são heranças culturais. Vêm mais das
chineladas maternas e dos puxões de orelha paternos que do DNA. Já que ler é
também uma herança cultural, é provável que a genialidade de Marx tenha ficado
evidente ao ler sua afirmação de que “é um paradoxo a Terra se mover ao redor
do Sol e a água, que recobre a Terra, seja constituída por dois gases altamente
inflamáveis”.
Pensando bem (ou mal?), é como carregar uma banana de
dinamite debaixo de cada braço, um balde de gasolina e uma tocha incandescente
e ainda assim nada incendiar nem explodir, nunca, dia após dia, milênio após
milênio de sol intenso em cima de tanto hidrogênio e oxigênio.
Os gases inflamáveis de que a água é formada, enfim e
melhor para todos nós, são sábios o bastante para continuar se combinando de
tal forma que a tocha solar não nos exploda de vez. A água apagaria a tocha,
mas o sol danaria a água. E nós, que não somos gasolina, dinamite ou tochas,
por que nos inflamamos, explodimos, brigamos, infernizamos a própria vida e a
dos demais semelhantes?
O fenômeno de milhares de pessoas obrigadas a
abandonar lares e pátrias para fugir da estupidez da guerra provocada pela avidez
dos donos do mundo por seus recursos naturais – petróleo e minérios – afasta a
hipótese de haver juízo e boa vontade entre os homens. Quando a água for a bola
da vez, o Brasil será alvo da mesma cupidez. Se expulsam índios (“donos” da
terra) por que não expulsarão brancos (invasores)?
É um mundo cheio de horrores. O pior deles é 0,1% da
humanidade ditando o destino – e endividamento – dos restantes 99,99%, mas o horror
causado pela diáspora dos refugiados fica logo de lado na TV quando em lugar
das imagens das pessoas mortas nas perigosas travessias em embarcações frágeis
aparece a alegria de um povo que orgulhosamente salva sua Pátria.
Salva, aliás, sem gentrificação, matança de pobres-diabos,
encarceramento em massa e ofensas dirigidas a quem pensa ou age diferente. Salva
com união de esforços, que não parece tão difícil considerando que o principal
líder da oposição ao presidente Anote Tong é seu irmão Harry...
O Kiribati é um atol-nação localizado no Pacífico. Será
engolido pelo mar nos próximos anos da mesma forma que nações bem firmes em
amplos territórios, zil! zil!, foram engolidas pelas dívidas nacionais
fabricadas pelos banqueiros. O mar não é um cruel agiota cobrando falsa dívida,
mas vai fazer Kiribati afundar, irreversivelmente.
Qual a saída? Naturalmente, comprar território firme no
qual possa estabelecer sua população sem perda de usos e costumes, migrando, ao
contrário dos refugiados da guerra, para uma região de ambiente e clima
similares aos já experimentados historicamente.
Comprando terras mundo afora para o dia em que
precisará fazer a migração final, Kiribati é ao mesmo tempo um dos menores
países do mundo e o único a ter territórios nos quatro hemisférios da Terra,
como a velha Inglaterra da rainha Vitória. É também o país mais avançado no
tempo, já que o ano novo sempre começa lá.
Comprar território para que milhares de pessoas morem
não é coisa barata. Imagine a alegria do corretor de imóveis escolhido pelo
presidente Tong (sim, descendente de chineses), ao lhe vender a primeira parcela
de terras, em Fiji, ao custo de módicos US$ 11,7 milhões. É um país que afunda
mas já sabe como resolver seu problema. E nós?
....
* Escritor
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Cadeias
lotadas e o mistério de Lúcifer
Alceu A. Sperança*
A desinformação, eufemismo para ignorância, é uma das piores
consequências do analfabetismo funcional que domina o Brasil. Sem boas fontes,
uma ampla massa crê nas balelas malandras disseminadas pelos interesses
dominantes, que os comunicadores venais papagueiam sem o menor pudor.
Uma delas sugere que encher as cadeias de malucos,
descontentes, desajustados e sofredores traz a paz social. A não ser como
sadismo e segregar pela força quem incomoda, cadeia não tem servido para grande
coisa. Ao contrário da paz, causa mais revolta e infelicidade, frustrando logo
de saída os familiares das vítimas dos crimes.
Aprendem na dor que não há consolo após a prisão dos culpados
se não houver a reparação dos malfeitos. Prender ou matar o assassino Zé Cruel
não traz de volta quem ele matou nem melhora a segurança. Sofrem angústia
parecida as famílias dos contraventores, que sem dever também são condenados à
humilhação, como se fossem automaticamente culpadas pelas transgressões
cometidas por outros.
Se cadeia produzisse os resultados que os autores das
leis esperam, Napoleão não teria fugido de Elba e reconquistado o poder. Fidel Castro
amargou um xilindró pesado um tempão, mas a história o absolveu, como ele pretendia. Se o caso de Mandela não bastou, não conte
muito com a prisão de líderes. Eles saem dos cárceres mais poderosos.
Um governador paranaense saiu da cadeia diretamente
para o poder: Teófilo Soares. O pai do atual presidente da China, Xi Jinping, suportou
vários anos de cadeia e seu filho foi preso três vezes, reeducou-se, trabalhou
e conquistou posições decisivas na luta política até se tornar o principal
líder da grande nação. Dilma e Lula já estiveram na cadeia, e daí? “Curso de
canário”, em muitos casos, só faz o papel do casulo para a borboleta. Em
outros, impõe a morte em vida para infelizes sem trazer felicidade a quem está
solto.
O melhor livro da Bíblia, Eclesiastes, garante que não
há nada de novo debaixo do sol, mas debaixo de uma geleira, onde o sol não
bate, algo novo foi encontrado. Diga-se em favor de Salomão que em sua época,
por volta de mil a.C., não havia o IceCube – não confundir com o rapper O’Shea
Jackson. É um observatório astrofísico fincado no gelo eterno da Antártica,
onde se deu uma descoberta enregelante, vinda de onde veio, as profundas mais
geladas do planeta.
Trata-se do neutrino de maior energia já encontrado.
São mais de dois quatrilhões de elétron-volts. Os cientistas – físicos e
astrônomos – estão pasmos tentando entender a batata quente que lhes caiu nas
mãos. Neutrinos são tão honestos quanto a cascavel, a cobra que avisa quando
está chegando, qual uma espanhola de castanhola: ele jamais esconde de onde
veio.
Com o neutrino bombado descoberto na geleira,
entretanto, ninguém ainda sabe de onde, raios cósmicos!, ele veio. Alguns
supõem que seja uma espécie de novo Lúcifer, grande anjo de luz, trazendo decadência
(caiu, não caiu?) e notícias do nascimento ou fim do universo. Mas tudo não é
eterno, monsieur Lavoisier? Só se tudo se cria e ainda não sabemos da missa um
terço...
Mr. Stephen Hawking talvez dissesse que o neutrino
bombado veio de um buraco negro, mas seu sintetizador de voz ainda não
metalizou uma resposta. Ah, Horácio, certo estava Hamlet quando lhe jogou na
cara haver mais coisas no céu e na terra do que sonha sua filosofia. Pois no
fundo, debaixo do sol eclesiástico ou na arrepiante geleira antártica, nossa
avançada ciência é ainda uma analfabeta funcional.
....
* Escritor
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Da
lama viemos e nela continuamos
Alceu A.
Sperança*
A água é de graça, mas a prestação de serviços em cima
dela custa um bocado. O ar é de graça, mas a poluição que o sistema dominante
enfia nela custa muito, até demais. Tudo que originalmente era “de graça” ganhou
etiquetas de preço. A usura, que condenava os praticantes às penas do inferno,
hoje é a causa de manter menos de 0,01% da humanidade no paraíso afortunado e
os restantes 99,99% pagando as contas infernais das dívidas nacionais somadas
ao arrocho salarial, impostos e o tributo extra da inflação.
Quando o Uber começou a se espalhar pelo Brasil, os
empresários do setor de táxi protestaram. Sentiram o mesmo que já haviam
sentido os locadores de filmes com a emergência da Netflix, que nada tinha a ver
com a condenável pirataria. Foi o que também sentiram os hoteleiros com o
aplicativo Airbnb abrindo vagas à hospedagem em espaços vagos de residências comuns.
Todas as medidas tentadas para resistir à nova
revolução tecnológica sucumbirão no vazio. Formidáveis e múltiplas inovações
põem abaixo tudo aquilo em que se acreditava. É a ruptura com padrões superados
passando o rodo nas obsolescências remanescentes do século XX. “A aceleração e
a ruptura são os principais fatores do impacto dos meios sobre as formas
sociais existentes”, dizia Marshall McLuhan. Em 1964!
O capitalismo trouxe grandes maravilhas, mas é injusto
e num crescendo afunda a humanidade em doenças, guerras, destruição ambiental, rancores
e um imenso, indescritível sofrimento. Ainda persiste um virulento caldo
reacionário cozinhando, fazendo o mundo uma desgraça globalizada, mas no ventre
da ordem corrupta e gananciosa começa a pulsar a superação do sistema.
Com o Uber, Netflix, Airbnb e tantas outras coisas que
já rolam por aí e logo virão, vai se confirmar aquilo que dizia uma rosa morta
chamada Che Guevara: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas
jamais conseguirão deter a primavera”. A primavera também não foi detida pelos
ludistas, sequer pelos pobres carregadores de riquixá que ao saber da
autorização dada pelo governo de Hong Kong a máquinas poluentes chamadas
“automóveis” para fazer o serviço de táxi, preferiam se deitar nas ruas por
onde passavam os taxistas. Escolheram morrer, como os índios suicidas, por não aceitar
que a vida fosse necessariamente sofrimento.
Devagar, quase parando, a decadência do ensino e a desqualificação
laboral são inversamente proporcionais à acelerada mortandade de jovens no
Brasil. Comparando com o tempo em que a desqualificação era tão grande que
havia máquina moderna a ser operada e ninguém para aprender como funcionava,
até que, em termos, melhorou.
Máquina avançada, com raras similares no mundo, a primeira
barca a vapor vinda para o Brasil foi abandonada por volta de 1825 porque
morreu o maquinista e ninguém mais no Império sabia operar a bendita. Assim, se
é verdade que “a verdade vos libertará” (e quem se atreverá a negar essa máxima
tão bem dita?), a verdade científica nos ajudará a romper os grilhões da ignorância
e da mentira.
Cientistas da Nasa, com base em Mike Russell, supõem
que a vida teve origem no mar. Se assim foi, não é exato que do pó viemos. Avançando
os estudos de Russell, cientistas da Universidade de Osnabrück, Alemanha,
descobriram agora que não foi do pó que viemos, nem da vastidão do oceano, mas
de pequenas poças, em terra. A velha lama nossa de cada dia. O mundo da
ganância global virado num mar de lama, portanto, só demonstra que ainda não
tivemos capacidade para sair dela. E lama, enfim, quando seca vira pó.
....
* Escritor
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Livros
em papel ainda encantam crianças
e adolescentes
O sentimento de que a
invasão de tablets, smartphones e aplicativos sociais pode estar tomando o
lugar dos tradicionais livros em papel entre crianças e adolescentes se desfaz
imediatamente quando se chega à 17ª Bienal do Livro do Rio. Nos três pavilhões
do Rio Centro, milhares de crianças, quase todas integrantes de excursões
promovidas pelos colégios, tomam o espaço e enchem o ambiente de alegria. Os
pequenos lotam as livrarias, principalmente aquelas com temáticas
infantojuvenis.
A explicação para essa
preferência pelos livros em papel em tempo de redes sociais pode estar tanto no
tipo de narrativa que a obra oferece, sem distrações e mais aprofundada, quanto
na capacidade das novas gerações de segmentar a atenção para várias mídias ao
mesmo tempo, algo que é difícil para os mais velhos.
A opinião é da diretora da
Bienal, Tatiana Zaccaro, que vê grande espaço para o crescimento dos livros na
atualidade, em todo o mundo, apesar das tecnologias que cada vez mais fazem
parte da vida de todos.
– A cada ano, temos mais
visitantes, e o número de livros comprados aumenta. E temos algo, que está
ocorrendo no Brasil e no mundo, que são os adolescentes lendo bastante. A média
de livros vendidos tem aumentado exatamente nessa faixa etária. Isso leva a acreditar
que, mesmo competindo com toda a tecnologia que faz parte de sua vida, os
adolescentes, que nasceram na era das telas de toque e da internet, não
abandonam os livros. Eles querem o autógrafo, querem conhecer o autor. Isso
mostra que o livro está mais vivo do que nunca – disse Tatiana.
Uma das formas de garantir
essa simbiose entre mídias de papel e digital é oferecer livros desde muito
cedo às crianças, que assim crescem com amor às páginas impressas. A dica é da
empresária Vanessa Mazzoni, que visitava a bienal em companhia das filhas Ana
Clara, de 11 anos, e Larissa, de 5 anos. “A Ana Clara devora livros, a
pequenina ainda não lê, mas está indo pelo mesmo caminho. A gente incentiva.
Presentes de aniversário são sempre livros, pois ela já está na adolescência.
Elas têm tablet, mas não têm o hábito de ler nele, tem que ser livro de papel
mesmo”, afirmou Vanessa.
A filha Ana Clara, que está
no sexto ano, explicou como consegue se dividir entre as mídias digitais e as
páginas impressas. “Eu fico dividindo o meu tempo. Fico um pouco lendo, um
pouco usando o celular e dá para fazer tudo. Se eu gosto da história e do
autor, eu procuro na internet sobre os outros livros dele e aí compro para ler.
Eu gosto de ver o livro, a capa, acho legal”, contou.
O amor pela leitura às vezes
independe de classe social e condições de adquirir livros que, muitas vezes,
podem ser difíceis de se encaixar no orçamento familiar. Isabele Vitória da
Silva Santos Faria, de 10 anos, integrante do projeto social Circo Crescer e Viver,
aproveita o tempo extra na escola para se dedicar à leitura. O hábito, segundo
ela, veio dos pais. A mãe é cozinheira e o pai, segurança, mas sempre tiveram
livros em casa. “Eu gosto mais de ler contos de fadas e ficção. O tablet
compete com os livros às vezes, mas minha mãe diz que é preciso uma hora para
cada coisa”, disse Isabele.
Colega no circo, Pablo
Richard, de 11 anos, gostaria de ter mais livros em casa. Ele mora com a mãe,
que vende salgados, e não dispõe de tablet nem celular. Diz que prefere ler em
papel mesmo, mas reclama do preço. “Às vezes, vou à biblioteca da escola e pego
o maior livro que tem. Gosto de contos de fadas e histórias de terror. Pena que
os preços aqui na Bienal são o dobro do que eu trouxe em dinheiro”, lamentou.
Mesmo para quem trabalha nas
livrarias, passando o dia entre prateleiras e pilhas de livros, a questão
financeira acaba sendo um limitador. Para Ivisson Laurent dos Santos Silva, o
acesso a determinadas obras, principalmente aos livros técnicos, está distante
da realidade. “Os livros ainda são inacessíveis para a maioria dos brasileiros.
Aqui pagamos muitos impostos e tributos. Apesar de eu trabalhar em uma
livraria, tenho que optar em fazer as coisas pessoais ou comprar um livro.
Entre o pão e o livro, ganha o pão”.
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Independência,
uma pinoia!
Alceu A.
Sperança*
Será grosseiro e radical dizer isso? No honorável Dicionário da Língua Portuguesa da Porto
Editora, “pinoia” é tanto a moça leviana, a periguete, como o ato da trapaça. No
sentido geral, pura malandragem. Sempre um mau negócio. Feita a acusação, vamos
às provas.
O príncipe João podia até rimar com bobalhão, por
conta das manias, da esposa insuportável Carlota e não ser bem educado porque
não era o primeiro na fila para ser rei – entrou no vácuo da morte do irmão
mais velho, José Francisco, e da fanática loucura religiosa da mãe. Um cara de
sorte, no fim das contas. Ah, e adorava coxinhas.
João VI, entretanto, jamais rimou com mal assessorado.
Orientou-se, rapaz, direitinho sobre como agir quando o Brasil decidisse o
óbvio nos tempos revolucionários do início do século XIX: sonhar com as tais
liberdade, igualdade e fraternidade, coisas ainda jamais vistas pela humanidade
até as primeiras décadas deste século XXI.
Assim, João bolou um jeito de simular a independência
do Brasil e ganhar uma grana fácil. Iria abater a dívida que tinha com a
Inglaterra e, de quebra, deixar o filho Pedrinho tomando conta da lojinha.
Bobalhão, uma pinoia!
O movimento maçônico brasileiro pela independência
evoluiu sem sangue, ao contrário de toda a luta dos uruguaios para ter sua
pátria, porque nossa emancipação foi comprada em libras esterlinas. E mesmo pagando
pela Independência, o Brasil ficou dependente, sob o comando de três monarcas
europeus. Pedro I do Brasil saiu daqui e foi virar Pedro IV de Portugal. Uma
pinoia.
Como prefeito brasileiro dá ao filho uma deputança, tradição
mantida pelos séculos afora, o rei João fez do filho Pedrinho (e a si mesmo) o
imperador do Brasil. A princesa Leopoldina determinou a independência brasileira
em 2 de setembro de 1822, mas o marido Pedro, infiel no casamento mas fiel ao
pai (“antes seja para ti, que me hás de respeitar”), manteve o Brasil sob três coroas
até o filho Pedro II entregar tudo a uma coroa só: a da rainha Vitória, após a
quartelada republicana de 1889. Outra pinoia.
Cadê as provas? Nos artigos 1º e 2º do Tratado de Reconhecimento,
datado de 29 de agosto de 1825, o rei João reconheceu o Brasil independente,
tendo por imperador “seu, sobre todos muito amado e prezado, filho d. Pedro”,
também se reservando o direito de ostentar o título de imperador do Brasil. Pois
Pedrinho, em “reconhecimento de respeito e amor a seu augusto pai”, o declarava
igualmente (e simultâneo) imperador do Brasil. Logo, duas coroas.
Celebrada a dupla coroação, o art. 9º do Tratado de
Paz e Aliança meteu o Brasil também sob o domínio da terceira coroa: “debaixo
da mediação de Sua Majestade Britânica**, convieram em virtude dos seus plenos
poderes respectivos” que Pedro pagaria a Portugal, como indenização, “a soma de
dois milhões de libras esterlinas”.
“Independência ou morte” ou uma trapaça (pinoia) para
tomar a grana dos brasileiros e endividar a nova Nação? Para pagar esses
trocados, agradar ao amado pai João e à amada coroa inglesa, Pedrinho se
comprometia a pagar a dívida de Portugal com os banqueiros ingleses e, voilá,
rola que rola, endividar o Brasil desde a Independência.
E eis aí a mãe da atual dívida nacional, uma pinoia
trilionária: hoje, R$ 3,6 trilhões de dívida interna e US$ 555 milhões de
externa. Pagamos caro demais (R$ 2,7 bilhões diários, a cada e todo dia) por um
produto falsificado.
**George IV, o Endividado.
....
* Escritor
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Deus
ex-machina e repúblicas às pampas
Alceu A.
Sperança*
Quando nada mais resolve, um cabo de aço para simular
voo faz pairar sobre a cena congelada o “espírito” salvador que traz a solução
genial bolada pelo dramaturgo. É o “deus ex-machina”, recurso do antigo teatro grego
para resolver impasses dramáticos.
Sempre que há crise (e quando não há?), os
desesperados saem à cata de uma solução “espiritual” extraterrena, tal como
beber veneno e embarcar na cauda de um cometa, método maluco de ser “escolhido”
pelas potências celestiais. Para sumir deste planeta em ruínas no primeiro
disco-voador que partir depois da laranjada matinal, Porto Alegre sediou em
junho o Fórum Mundial de Contatados, Abduzidos e Testemunhas, uma espécie de “pare
o mundo que eu quero descer” trazido pelo deus ex-machina. Os não escolhidos
que se danem com sua falta de fé.
Para os contentinhos com o sistema vigente no Brasil,
o deus ex-machina para a sempiterna crise é o pré-sal, a entidade miraculosa
que trará a definitiva salvação para o país. Basta extrair e vender o petróleo
e tudo se resolverá. Na Venezuela já se viu que as coisas não são bem assim. A
gasolina, lá, é mais barata que água de torneira aqui. E todo o ouro e a prata já
extraídos, a imensidão de minerais que se extraem hoje avidamente já deveriam
ter tido lá atrás essa função salvadora de deus ex-machina. Mas o que se vê, sempre,
é a riqueza mais e mais acumulada em menos mãos.
Para os indignados sulistas, o deus ex-machina é a
República dos Pampas (ver “Como ficaria o Brasil dividido?”, 12.3.2009). É a
crise piorar e o indignado invocar o deus ex-machina do separatismo salvador
para confortar sua alma atormentada.
A malandragem de retalhar o Brasil em vários pedaços remonta
no mínimo ao oceanógrafo Matthew Fontaine Maury, por volta de 1850. Carlos
Chagas, na revista Manchete
(5.6.1997), pisa na bola ao escrever que em 1816 o capitão “Mathew Fawry” (ficção
para Maury, que nessa época tinha só dez anos) remeteu memorando secreto a seus
superiores nos EUA aconselhando a criação do “Estado Soberano da Amazônia”.
Incluiria as Guianas atuais, tendo por fronteira Sul uma
linha reta partindo de São Luís do Maranhão ao ponto extremo onde hoje Rondônia
se limita com o Mato Grosso. A Bahia não seria mais só um estado de espírito,
mas uma nação independente. Sem ela, proclamada por Napoleão, o Nordeste seria
a República do Equador. Santa Catarina, outra Malvina britânica. Ao Sul, claro,
a República Rio-grandense.
“Fawry” é fake, inventado por Fernando Sampaio em O Dia em Que Napoleão Fugiu de Santa Helena,
mas Maury de fato propôs a Amazônia para acolher os escravos libertos nos EUA. Influenciado
por essas ideias, o próprio Lincoln, em 1862, quando declara “desde já e para
sempre livres todos os escravos existentes nos Estados rebeldes”, propõe aos
libertos que aceitem a proposta do general James Watson Webb, amigo de d. Pedro
II, de criar um Estado Livre para os ex-escravos na Amazônia.
Um detalhe essencial impediu o Brasil de perder a
Amazônia já naquela época: os negros estadunidenses não quiseram sair de lá.
Alegaram que os EUA, “terra da liberdade”, também era o país deles. Foram
respeitados, veja só. No Brasil, defensores da propriedade privada ainda hoje matam
e expulsam índios a pretexto de que... seus verdadeiros donos têm terras demais!
Se os negros estadunidenses topassem criar uma
República apartada do Brasil, hoje não teríamos mais a Amazônia. E assim, via Efeito
Borboleta, quem sabe nem os EUA tivessem o presidente Obama.
....
* Escritor
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Assim
vovô se livrou da escravidão
Alceu A.
Sperança*
Pai contra
mãe, o chocante conto de Machado de
Assis, expõe o impacto que uma nova ordem traz sobre os restolhos da velha. “A
escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições
sociais” é a oração que dá o tom da narrativa. Ao ser extinta, a ordem
escravista condenou aos museus os equipamentos usados para prender e castigar
os escravos.
A caixinha de pregar mão vai dar saudades em pais
neuróticos que dizem “amém” ao senhor gerente e descontam as humilhações sofridas
nas crianças ao chegar ao doce lar. A berlinda desperta suspiros nostálgicos
nos exploradores mais radicais: o rebelde tinha os punhos e o pescoço presos e
quem passava lhe distribuía tapas, petelecos e cusparadas.
Enfim, a ordem capitalista só conseguiu progresso de
fato ao liquidar esses restolhos do escravismo que ainda permaneciam no
feudalismo. E aí inventou a nova máquina dentre as tantas que o caracterizaram
como a formação social e econômica mais evoluída forjada pela humanidade: o
relógio do cartão-ponto.
Não é demais supor que na futura ordem socialista
haverá restolhos da ordem capitalista e eles terão sobre nossos netos o mesmo
efeito angustiante que os entulhos das crueldades escravistas motivaram nos
leitores de Machado de Assis ao ler o livro Relíquias
da Casa Velha, em 1906. Nada que Maquiavel já não tenha advertido, aliás:
“Não há nada mais difícil de realizar nem mais perigoso de controlar que o
inicio de uma nova ordem de coisas”.
É possível que nossa expressão de horror ao saber como
o escravo era tratado na berlinda seja o mesmo sentimento de piedade que os atuais
bisnetos sentirão pelo bisavô ao saber como remetia torpedos em sua época. Primeiro,
precisava de uma rústica máquina de escrever, na qual sujava os dedos de tinta
ao colocar a fita. Precisava então de papel para deslizar no cilindro da
máquina, alinhar e então catar milho (só isso ainda permanece!) para digitar o
texto da mensagem.
Mais papel era necessário: um envelope. Nele, o papel
com o texto do torpedo era colocado. Aí vinha o esforço propriamente dito:
andar até uma agência de correio para a postagem, que dependia ainda de fechar
o envelope com cola e lacrá-lo com um selo e um carimbo. Então bisavô pagava o
selo e sua parte estava concluída, equivalente a um clique no “send”: a
mensagem foi finalmente postada para a bisa, ainda sua namoradinha de colegial.
Ah, mas até ela receber a mensagem tudo ainda dependia
de mais esforço e um tempão desde a cartinha ser colocada num malote e ser
transportada de caminhão até uma central dos Correios e Telégrafos. Dela (ufa!)
partiam carteiros a pé ou de bicicleta levando a correspondência até o endereço
físico da namorada, onde era colocada numa caixinha externa ou por baixo da
porta. Que horror, pobre bisa!
Não tenha tanta pena, bisnetinho, porque no fim da
história seu bivovô ficou maravilhado com o avanço da ciência e da tecnologia. O
velho descobriu de vez a felicidade, com a sagrada certeza de que o capitalismo
tinha dado certo ao receber a grande novidade, que fazia o torpedo chegar de
imediato às mãos da bisa, já na faculdade.
Exultante, põe o bisneto no colo e lembra o
maravilhoso avanço tecnológico que mudou totalmente sua vida e o fez ter a
certeza de finalmente chegar ao melhor dos mundos, o plano final do Divino para
a humanidade: o fax... Como diziam os bisavós chineses e seus vizinhos no
tempo, “isso também passará”.
....
* Escritor
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Para cultivar livro e leitura,
num país diverso mas oral
Por Jéferson Assumção
O artigo A Dimensão Cultural da Leitura, do ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, publicado no caderno do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), em 2006, traz uma frase que considero ser a chave para uma política de livro e leitura a ser desenvolvida no Brasil:
“É necessário também pensar o modo como essa prática leitora se articula com nossa cultura, tão nossa, tão brasileira, tão rica em sua oralidade e espontaneidade, mas ainda pobre em sua dimensão escrita. Se desenvolvê-la nessa direção não é tarefa fácil, com certeza ela só se realizará plenamente se feita em consonância e respeito com a diversidade cultural de nosso povo, de modo a potencializá-la e não suprimi-la”.
De fato, a diversidade cultural (cuja convenção da Unesco para sua defesa e promoção completa dez anos em 2015) se trata de um dos desafios mais importantes a que uma política de livro e leitura deve se ater em um país com nossas dimensões e peculiaridades territoriais e culturais. Uma megadiversidade tão cheia de interiores e com eles suas riquezas, amazônicas, sertanejas, agrestes, pantaneiras, pampeanas impõe a quem quer que aqui desenvolva o livro e a leitura um olhar ainda mais plural que em outros territórios e países menos heterogêneos. A população brasileira, formada basicamente por três grandes blocos: os indígenas e os africanos, ágrafos, e os portugueses, cujo nível de alfabetização sempre foi o menor da Europa e em seguida enriquecida por povos de todos os quadrantes da Terra, é belo resultado de uma especial mistura.
No entanto, ao permanecer por séculos longe dos livros – até o ano de 1808 Portugal proibia que se fizessem livros no Brasil – e com uma educação rarefeita até mais da metade do século XX, chegamos ao século XXI com elevados índices de analfabetismo absoluto (cerca de 10% da população) e uma relação recente e problemática com o livro e a prática leitora. Diferentemente da maioria dos países da Europa, por exemplo, em que a literatura e o livro cumpriram um enorme papel social e político, no Brasil a relação com o livro só se desenvolve, ainda que de forma muito precária, em escala social, depois da relação com os meios de comunicação de massa. E, hoje, com os meios digitais.
Mas, então, como cultivar a leitura neste contexto adverso? Temos um mapa, pelo menos. Precisamos desenvolver políticas e ações que se orientem pelos cinco princípios norteadores do PNLL:
1) O Livro deve ocupar um lugar de destaque no imaginário coletivo;
2) Deve haver escolas que saibam formar leitores;
3) Devem existir famílias de leitores;
4) Melhor acesso ao Livro; e
5) Um melhor Preço do livro.
E, assim como sem leitura o Brasil não se tornará uma pátria educadora, uma política de leitura para o Brasil de nosso tempo necessita estar intimamente ligada à Educação e à vida na escola, focando principalmente a faixa entre os 7 e os 14 anos, período em que a prática leitora se desenvolve e tem chances de se consolidar. E contar com as necessárias parcerias com a sociedade civil organizada, as redes, coletivos e o mercado do livro.
Precisamos relacionar a leitura com a cultura, num contexto de megadiversidade. País antropofágico, de tradições e inovações, de modernidades e arcaísmos, de hibridismos e identidades, de urbes tão imensas quanto seus campos, florestas e faixas litorâneas, o Brasil impõe-se como desafio de multiplicidade a qualquer prática cultural em seu território, entre elas a da leitura e da literatura. Um país com tantas fontes, indígenas, negras, europeias, asiáticas olha para o mundo e é olhado por ele de maneira especial. A prática da leitura, por aqui, também deve ser tão especial quanto o Brasil é.
Temos que desenvolver a leitura no Brasil a partir dos pressupostos culturais de sua singular formação. Antropologicamente, historicamente, sociologicamente, a tarefa de fazer do Brasil um país leitor não pode ser articulada de maneira instrumental, funcional, ao desenvolvimento econômico e mesmo social sem ser qualificado pela especificidade de sua cultura, sob pena de achatar-se e não acompanhar sua própria grandiosidade. Também, para o desenvolvimento de uma visão sistêmica de leitura, é preciso, junto com a leitura solitária, cartesiana, fundamental para a formação do olhar íntimo do leitor silencioso, a leitura solidária, aberta, dialogante com a diversidade cultural e com a cultura digital contemporâneas.
Fundamental é desenvolver diálogos estratégicos entre Cultura e Educação, Cultura e Comunicação, com a Sociedade (redes e coletivos de cultura, pontos de cultura etc) e com as Políticas Culturais de nosso País. Com isso, podemos, a sociedade e os governos, articular grandes ações dentro e fora da escola, como escritores nas escolas, tal como o Rio Grande do Sul faz com sucesso há cerca mais de 30 anos; campanhas de visibilidade da leitura e da literatura; trabalhar o já grande acervo de literatura distribuído em todo o Brasil pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola, do MEC; desenvolver ações na linha Formação literária e difusão cultural, recentemente incluída no Mais Cultura nas Escolas; atuar em ações de visibilização das atividades realizadas nas periferias, centros urbanos e interior do Brasil (saraus, festas literárias, rodas de leitura etc) pelas redes, coletivos e as mais de mil bibliotecas comunitárias do Brasil.
É preciso ajudar na articulação em rede dessas inúmeras iniciativas, com editais específicos para as narrativas urbanas, indígenas, negras etc. Precisamos também mostrar a exemplaridade de bibliotecas públicas e comunitárias, com um selo Biblioteca Viva, além de realizar ações no sentido de promover a língua portuguesa, como veículo para a difusão da produção cultural brasileira em todas as linguagens, desde a literatura, a música popular, cinema, teatro, manifestações populares etc. Essas e outras ações só serão possíveis com o esforço de muitos (governo, parlamentares, sociedade, movimentos, mercado) em prol de ações estruturantes, entre elas, aprovar no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Plano Nacional de Livro e Leitura – PNLL, criar o Fundo Setorial Pró-Leitura; e recuperar a institucionalidade do livro e da leitura no País por meio de um Instituto Nacional do Livro, Leitura e Literatura. Muito já foi feito, mas muito ainda é necessário para que a riqueza da cultura brasileira se amplie também na dimensão escrita.
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O canibalismo nosso de cada dia
Alceu A. Sperança*
Ao se estender à história, um olhar contaminado pelo presente e convicções atuais cria um filme de terror: nossos antepassados foram canibais, alega a antropóloga Silvia Bello, do Museu de História Natural de Londres. Ao estudar ossos achados na Caverna de Gough, em Somerset, ela descobriu que pessoas eram devoradas por um tipo muito especial de animal: gente.
Nesse restaurante-caverna, há cerca de 15 mil anos os fregueses tinham o hábito de consumir seus quitutes o máximo possível, até quebrando os ossos para saborear o tutano. Sem esbanjar, limpavam o prato. Que, como os copos, eram feitos com crânios. Silvia Bello supõe que havia um ritual religioso nesse processo alimentar – algo como render graças antes da saborosa refeição.
Só na Inglaterra? Na península ibérica, de onde vieram os “achadores” e primeiros donos de papel passado do Brasil, o canibalismo não era incomum. No Norte da Espanha, as carnes mais apreciadas eram as de crianças e adolescentes, o que leva à solução do pio Jonathan Swift para a fome, em sua “Modesta Proposta”. Comer crianças pobres zera a miséria e não requer redução da idade penal. O problema será a futura falta de mercadorias. Os pobres, por extinção, deixarão de produzir acepipes para os abastados (e pedófilos) comensais. Aí, sem saída, o jeito será passar no cutelo gordinhos filhotes da classe média...
Ao contrário dos escravistas europeus, que obrigavam os negros e índios a se esfalfar até a morte prematura, trabalhando impiedosamente abaixo de condições aterrorizantes, os Tupis eram piedosos canibais. Comendo os inimigos capturados em combate, celebravam religiosamente sua bravura, evitavam que sofressem e não precisavam sustentá-los. Escravos só rendem mais do que produzem em condições muito especiais, coisa que os ingleses descobriram logo no alvorecer do capitalismo e os Tupis sempre souberam.
Os Tupis não consideravam justo alimentar quem nada produz – e a produtividade não é, hoje, o cerne do debate econômico nacional? Vencer uma guerra e sustentar os folgados vencidos à custa do trabalho dos nossos irmãos e filhos? Jamais! Cadê aquele velho livro de receitas?
Chega desses horrores do passado e das “velhidades” de Silvia Bello. Melhor esquecer esse remoto passado para não despertar apetites ancestrais nem julgar fora de contexto as preferências culinárias de vovô. Melhor prospectar o futuro lendo obras recentes sobre descobertas científicas. O novo livro de Nick Lane, The Vital Question: Energy, Evolution, and the Origins of Complex Life (A questão vital: energia, evolução e as origens da vida complexa), sustenta que até certa altura da evolução a vida se resumia a micróbios incapazes de gerar seres maiores – gente, nem pensar. O que aconteceu, então? Fiat lux?
Deu-se o caso clássico do ovo, que vem antes da galinha. Com base nos estudos do biólogo William Martin, Lane supõe que começamos a ser “criados” no mágico instante em que um micróbio passou a viver dentro de outro – a mitocôndria se deixa “comer” pelo hospedeiro e vai esticar a vida até formas mais complexas. Devolve-nos, assim, ao horror do canibalismo. Ou do parasitismo, o que explica bilhões de pessoas pagando pelo que não devem a menos de 1% de espertalhões. Então é isso: do canibalismo viemos...
Cabe ter hoje suficiente humanidade para não canibalizar nossos iguais, explorando-os até enlouquecerem de tanta dívida, discriminando-os por qualquer diferença de aparência, essência ou preferência, nem matá-los nas guerras em nome de deuses cujos nomes reais são grana, poder, petróleo e agora até água. Que com a terra, o ar e o fogo faziam a quádrupla deidade elementar dos antigos canibais.
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* Escritor
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Igualdade para as cavalgaduras
Alceu A. Sperança*
Um encrenqueiro grego, Xenófanes, sacudiu a arrogância humana ao supor que “se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os deuses sob forma de cavalos e os bois pintariam os deuses sob forma de bois”. De fato, os homens supõem seus “deuses” como vingativos ou bondosos como eles próprios julgam ser.
Animais sociais como abelhas e formigas possuem um “RG” natural que os identifica por sexo, idade e participação na comunidade. Isso devolve a espécie humana à depreciação de que somos todos animais, e nesse caso inferiores a espécies que a natureza preza mais que o homem, como as bactérias – seres que todas as evidências comprovam os mais queridos pelo equilíbrio universal.
Assiste-se há milênios a um enquadramento dos humanos a procedimentos de registro e controle, hoje cartonados e biométricos. Chips plastificados de bancos, lojas, farmácias, igrejas ou transporte coletivo são requeridos para tudo: circular, ultrapassar fronteiras, comprar, vender. Um monte de cartões e um mundaréu de senhas para os humanos, quando uma simples formiga ou abelha tem tudo isso desde que nasce, livre dessa cartonagem bestial e numérica (666, of course!).
A igualdade é considerada humanitária, embora por desumanidade não se pratique. Liberdade é para as borboletas. Para os humanos, é ter dinheiro. Fraternidade é brigar por herança em cima do cadáver do pai ainda quente. E igualdade? Talvez, como “equivalente”, seja coisa de animais, sobretudo cavalgaduras – equus, do Latim, era a parelha de bestas que transportava a biga. Lado a lado, iguais, equus sugere igualdade e equivalência. Arre, égua!
Homens se sentem grandiosos e sob proteção “divina”, mas seus sistemas bagunçados se arruínam em sanguinolência, maldade e sofrimento. Abelhas não têm corrupção eleitoral – sua rainha não manda nem ordena, porque sua sociedade é regulada naturalmente, conflitando com nossa bela noção republicana de igualdade perante a lei. Mas aí aparecem os desiguais para atrapalhar exigindo direitos. E dê-lhe gás de pimenta e borrachada nas ancas.
Igualdade, no Brasil, é tirar os desiguais da sala de conchavos. O sistema de poder foi montado na Constituição de 1988 de forma que o presidente, governador e prefeito reproduzam a figura do imperador. São chefes de partido, governo e Estado. Se as leis não lhes bastam, saem a decretar ou alugar maiorias para impor os interesses de quem financiou as campanhas.
Essa é a raiz do Mensalão, a governabilidade cultivada por petistas, tucanos e agregados no Big Center (Centrão, para os íntimos). A maioria parlamentar é forjada pelo poder econômico a cavaleiro de uma enorme desigualdade. Quando o imperador de plantão e o Congresso conflitam, seus atritos interna corporis se resolvem por uma lei. No limite, por uma ação ou recurso judicial.
Se a mensalização é demais e as leis são apunhaladas grosseiramente com jeitinhos e pedaladas, o Ministério Público, qual Grilo Falante, dá uma sacudida nos Pinóquios. Nada disso, porém, limita os poderes imperiais do trichefe executivo nem democratiza o parlamento, cuja composição é nomeada pelo grosso do poder econômico. E assim as cavalgaduras que aspiram igualdade/equivalência se reduzem à insignificância de meros equus, com direito a ser iguais somente na parelha que transporta o orgulhoso imperador em sua biga do ano.
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* Escritor
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Entidades se preocupam com programa de livros
"Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos, que inauguram a vida, como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária é proposição indispensável. Se é um projeto literário é também uma ação política por sonhar um País mais digno."
(BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS, in Manifesto por um Brasil Literário, 2009)
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A Associação Brasileira de Editoras de Livros Escolares, a Associação Nacional de Livrarias, a Câmara Brasileira do Livro, a Liga Brasileira de Editores e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, em nome de seus associados, vem manifestar sua preocupação em relação à continuidade da política pública de inclusão da literatura no âmbito da Educação Infantil e dos ensinos Fundamental e Médio, tendo em vista a imposição de cortes nas verbas do Ministério da Educação.
A educação deve ser entendida no sentido amplo, sem se restringir a ensinar a criança a ler e a escrever, mas também a pensar, refletir e compreender. Através do hábito de leitura, a criança aumenta seu conhecimento sobre o mundo e se prepara para exercer sua cidadania.
Hoje, apenas 25% dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos, o que significa que 75% não têm capacidade de compreender e interpretar textos, segundo dados do INAF -- Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional.
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de bibliotecas escolares com livros de literatura devem ser prioridades nas ações do Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só assim poderemos equiparar direitos, garantindo a mesma qualidade na formação a todas as crianças e jovens brasileiros, independentemente da cidade onde vivem, das carências e desigualdades de cada região.
Um grande passo nesse sentido foi a criação, em 1998, do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), e seu desenvolvimento e aprimoramento ao longo dos últimos anos. Até 2014, este programa vinha cumprindo seu objetivo de "prover as escolas de ensino público das redes federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, no âmbito da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino fundamental, do ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA), com o fornecimento de obras e demais materiais de apoio à prática da educação básica". Na última década, o PNBE tornou-se um exemplo de sucesso na inclusão da literatura em sala de aula, e outros programas de igual importância foram também criados, como o PNBE do Professor, o PNBE Periódicos, o PNBE Temático e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Estes programas permitiram aos alunos de todo o país o acesso a uma grande diversidade de obras literárias, de escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros, obras estas que foram avaliadas e selecionadas por profissionais especializados em literatura e educação. Permitiram também que editoras de todos os portes participassem do processo de seleção e tivessem a oportunidade de incluir seus títulos nestes programas.
Em 2015, porém, segundo informações recentes da Fundação Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela execução desses programas, não houve ainda a liberação de verbas para viabilizar tanto o PNBE Temático 2013, que já estava com contratos em andamento, quanto o PNAIC 2014 cujos livros já estavam selecionados e as editoras devidamente habilitadas para a negociação e o contrato. Lamentavelmente, o processo de avaliação dos livros inscritos para o PNBE 2015 também estagnou. De acordo com dados estimativos, as verbas destinadas ao PNBE Temático 2013 e do PNAIC 2014, em conjunto, representam menos de 1% do valor do corte orçamentário de R$ 9,4 bilhões sofrido pelo Ministério da Educação.
Além disso, o governo do Estado de São Paulo, em comunicado oficial, suspendeu a compra de livros para escolas e bibliotecas. Temos acompanhado notícias aterradoras de paralisia de ações em diversos estados e municípios, como o fim de um dos projetos mais emblemáticos do país, a Jornada Literária de Passo Fundo. Casos recentes que preocupam o caminho da transformação do Brasil pela leitura.
O atraso na execução desses programas e projetos já causa reflexos preocupantes na cadeia produtiva do livro, atingindo não somente editores e livreiros como também autores, tradutores, ilustradores, revisores e a indústria gráfica.
Entretanto, muito mais grave do que esse prejuízo tangível da cadeia produtiva do livro é o prejuízo incalculável e talvez irreparável causado a milhões de crianças e jovens brasileiros, que deixarão de receber livros de literatura em suas escolas, o que representará um grande retrocesso nas conquistas educacionais dos últimos anos e um dano irreversível ao pensamento livre e crítico da nossa população jovem.
Acreditamos que a leitura de livros de literatura, além de prioritária, é também um direito da criança e do jovem.
Paraty, 3 de julho de 2015.
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8 dicas para adquirir o hábito de leitura rápida
Por Universia, com base em Shutterstock
A leitura é uma atividade muito importante e que pode trazer grandes benefícios para aqueles que a praticam. Aumento da bagagem cultural, desenvolvimento do senso crítico, da criatividade e ampliação da quantidade de conteúdos aprendidos são alguns deles. No entanto, por causa da rotina acelerada, diversos indivíduos têm interesse pelos livros, mas não têm tempo para desfrutar do hábito.
Mesmo que seja complicado realizar essa atividade no dia a dia, é essencial que as pessoas encontrem formas de conseguir realizá-la devido à importância da prática. Se você está dentro dessas estatísticas e não sabe o que fazer, confira hábitos que podem ajudar a inserir a leitura no seu cotidiano:
1- Tenha mais livros do que você conseguirá ler
Independentemente se você prefere pegar as obras emprestadas com amigos, em bibliotecas ou comprá-las, sempre tenha mais delas do que conseguirá ler. Assim, todas as vezes que lembrar a quantidade de livros que tem para ler, provavelmente será impulsionado a acelerar as leituras, para conseguir entrar em contato com a maior parte delas.
A dica também serve para aqueles que preferem os e-books: faça o download de muitas obras. A grande quantidade armazenada nos seus dados certamente será um motivador para que você leia mais rapidamente.
2- Leia mais de um livro ao mesmo tempo
Além de estimular mais o funcionamento do cérebro ao ler mais de um livro ao mesmo tempo, essa prática é boa, porque você torna-se capaz de se adequar a vários tipos de leitura de uma vez. Algumas obras são mais fáceis de ler durante o dia, já que exigem mais atenção do leitor que precisa fazer análises com base no texto. Outros, como romances, podem ser facilmente lidos durante a noite, já que não exigem tanto. Assim, a pessoa consegue ler mais e ainda contemplar vários tipos pelos quais se interessa.
3- Estabeleça metas de leitura
No momento que começar um novo livro, estabeleça em quanto tempo irá terminá-lo, além da quantidade de páginas que lerá por dia. Assim, você se torna mais organizado e, consequentemente, consegue ler mais obras em um período determinado de tempo.
4- Leia pensando em você
O mais importante do hábito de leitura é que você escolha livros que irão ser benéficos para você. Não se preocupe com o que deveria estar lendo ou o que as pessoas esperariam que você estivesse. Seja honesto com você mesmo e aproveite o momento para desfrutar de obras que realmente o interessem.
5- Leia em dispositivos móveis durante o caminho para o trabalho ou instituição de ensino
O celular é um aparelho que sempre acompanha as pessoas durante a rotina e, por isso, pode ser um bom instrumento de leitura. Caso você não goste de desfrutar os livros por meio de dispositivos digitais, aproveite o tempo para ler textos menores disponíveis na internet. Pela quantidade de conteúdos online, com certeza você encontrará algum que interessará.
6- Analise qual o melhor momento do dia para ler
Cada um precisa analisar quando é o melhor horário para ler e onde prefere fazer a atividade. Preocupe-se em escolher um em que você sinta que consegue absorver a mensagem passada pela obra e que sente prazer em estar lendo. É essencial que o hábito torne-se confortável e até imprescindível na sua rotina.
7- Estabeleça prioridades
Se você quer criar o hábito de ler, precisa estabelecer uma lista de prioridades em que a leitura seja um dos primeiro tópicos. Você precisa se condicionar a prática e não ser corrompido pelas distrações, como a internet ou a televisão. Quando você se dispuser a ler, fique longe desses objetos, para que mantenha o foco somente no texto que escolheu.
8- Faça apostas com pessoas que você gosta
Se você tem amigos que leem muito, por que não realizar apostas com eles para que isso seja um motivador para ampliar seu hábito de leitura? Estabeleçam metas que vocês devem cumprir e escolham um prêmio para o ganhador, como um livro. Aproveite para ter momentos de diversão com pessoas queridas e para se beneficiar das vantagens da leitura.
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A
tarifa não tem graça
Alceu A. Sperança*
O transporte coletivo continuará indo de mal a pior se
as cidades que se pretendem “metrópoles” não adotarem padrões de, digamos o
palavrão, sustentabilidade. Dificultar o transporte coletivo e privilegiar o
individual equivale a puxar um gatilho assassino: nos últimos três anos, a letalidade
do trânsito brasileiro passou de 18,7 mortes por 100 mil habitantes para 23,4.
O atual modelo de transporte urbano é criminoso e maluco, tendendo a piorar a
qualidade do ar e fragilizar ainda mais a saúde humana – e tudo isso custa,
custa, custa muito.
A substituição dos cobradores pelo cartão de crédito
cria mais problemas e não resolve nenhum dos problemas já existentes. Desempregar
os cobradores, compensando-os com a reciclagem, vá lá, como agentes de turismo
e orientadores sociais, seria um custo razoável se houvesse a gratuidade do
sistema, como ocorreu em Ivaiporã e Pitanga, onde foi adotada a Tarifa Zero –
e, a partir de dezembro, também em Tijucas do Sul.
Desempregá-los e o sistema ficar ainda mais caro e
menos atrativo, obrigando os usuários a comprar vários créditos de um só desembolso
ao contrário de pagar apenas uma passagem por vez, só favorece ao transporte
individual. Justo e sensato seria facilitar por todos os meios a gratuidade do
transporte de estudantes, trabalhadores e donas de casa e forçar imediatamente a
eletrificação dos veículos.
Na Europa, os tribunais vêm aceitando a tese de que o
deslocamento não deve ser pago pelo trabalhador. Sair para trabalhar e voltar
do serviço não é um BigMac que se compra num quiosque para excesso alimentar: é
parte do trabalho que consome o tempo do trabalhador. Esse tempo teria que ser remunerado
– nunca o trabalhador gastar esse tempo no deslocamento e ainda ter que pagar
por perder esse tempo. Isso é pagar para trabalhar.
A lógica é que as empresas, o governo e a sociedade
precisam dos trabalhadores se deslocando aos locais de trabalho, onde vão gerar
as riquezas apropriadas pelas empresas, os impostos arrecadados pelo poder
público e os serviços estendidos a todos. Ao entrar num ônibus, portanto, o
trabalhador deveria ser pago por destravancar o trânsito e melhorar a qualidade
do ar – mas, ao contrário, paga uma tarifa extorsiva.
Nesse mesmo sentido, a dona de casa ao sair às compras
vai fazer circular o dinheiro nas feiras e supermercados, além de prestar um
serviço aos familiares ao sair em busca dos gêneros que depois de preparados
por ela ou auxiliares os alimentarão ao voltar da escola e do trabalho. Por
que, raios, donas de casa têm que pagar para se deslocar aos pontos comerciais onde
deixarão lucros e também para, no retorno, prestar um serviço de amor aos familiares?
E se estudar qualificará melhor uma geração, em
benefício do futuro do Brasil e do mundo, por que cargas d’água o estudante tem
que pagar pelo deslocamento? E se o cara sai para o forró, o teatro, a bocha, o
futebolzinho, visitar os amigos, por onde circular estará gastando,
movimentando a economia, ganhando e distribuindo satisfação. Por que complicar
seu deslocamento, se atravancar ruas estraga produtos perecíveis e faz mais
demorado o acesso dos consumidores às mercadorias transportadas?
Se sair para trabalhar faz parte do trabalho, pagar
pelo transporte é como pagar para trabalhar. Tempos malucos estes, em que tudo
que não dá lucro a alguma corporação ou banco não presta – por isso danificam
tanto o ar, as águas e desviam o ser humano para longe da felicidade,
forçando-o a pagar por tudo... e mais um pouco.
....
* Escritor
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Filme assustador insinua que é tudo real
Alceu A. Sperança*
É tão assustador quanto ouvir narração de assalto. O
temor de estar na mesma situação do narrador detona imagens absurdas na cabeça
do ouvinte. Rio Perdido (Lost River),
filme de estreia como roteirista e diretor do já consagrado ator Ryan Gosling,
foi recebido pela crítica e pela imprensa com aquele ódio que o sujeito sente
quando alguém o coloca impiedosamente diante de seus esqueletos de armário.
O que dá menos medo e angústia no filme, todo em clima
surreal e sombrio, é o drama familiar de Billy, garçonete endividada e sem
marido, com dois filhos para criar, forçada pelo banqueiro a se vender “de
corpo e alma” a uma exploração que é econômica, ideológica e sexual – um triplo
estupro. Algo tão corriqueiro que já banalizou.
Assusta ver sinais do presente projetando o futuro bem
ali à frente, já insinuado e semipresente. As casas incendiadas introduzem o
pesadelo excludente da gentrificação, processo imposto pelos donos do mundo a gestores
autocráticos em alguma pequena ou grande metrópole.
Quem ainda não prestou atenção logo verá a
gentrificação passando o rodo numa esquina próxima, o sinistro Bully a bordo de
uma “limusine” com trono anunciando que você, menino Bones, não pode tirar o
cobre das casas abandonadas pelas famílias que não aguentam mais a situação e partem
a toda hora: a cidade é dele porque a tomou para si.
Uma das poucas cenas que escapa ao clima de fábula e
surrealismo do filme é quando o taxista, não se sabe bem se latino, europeu ou
asiático, diz: “Em meu país todos acham que a riqueza nos EUA é um direito de
todos e o dinheiro farto brota do chão”.
Ele, Billy e as famílias de retirantes sentem na pele
que a crise é brutal e o dinheiro pinga sangue: quem ainda tem posses vai se divertir
assistindo a um teatro de horror e tortura. A criança, Franky, aprende que a
melhor diversão é se lambuzar de sangue, é dar e tirar sangue. Só com muito
sangue, como o das guerras, tudo fica divertido e lucrativo.
Bones e Rat, a doce mocinha que tem um rato de
estimação, tentam fugir à loucura da vida real curtindo antigos filmes com pistas
sobre a possível maldição que produziu toda essa derrota, decadência e o estado
de choque permanente da avó. Mas debaixo do lago poluído por lixo e escombros
há, escondida, uma cidade saudável, reservada apenas a quem consegue descobrir
como entrar nela.
Para fugir da maldição do banqueiro explorando os
endividados e de Bully queimando as casas das famílias pobres e da classe média
com seu IPTU-tocha, é preciso encontrar um meio de penetrar na cidade onde tudo
é lógico e bom. Acharão?
Até aí, mesmo os momentos mais felizes do filme – o culto
ao cinema e uma trilha sonora deliciosa – fazem o espectador a toda hora sentir
vontade de se levantar da sala e sumir dali. Talvez, porém, seja melhor valorizar
o ingresso e assistir até o fim, para saber onde está a saída.
Levanta-se e sai já do cinema, para onde o esperam o
banqueiro estuprador e Bully, o dono da cidade? Ou suporta até os letreiros
finais de fogo e destruição para saber como escapar a esse mundo tão ilusório e
dialeticamente tão real?
Haverá uma cidade melhor debaixo dessa maldição ou ela
terá que ser construída com os materiais que o jovem Bones conseguir nas
demolições? Sai, finalmente, e há um mundo em demolição e em chamas exatamente
agora à sua frente, mas para isso o cinema, que já vai apagando as luzes, não
tem como dar respostas.
***
alceusperanca@ig.com.br
* Escritor
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País
afunda, mas já sabe a saída
Alceu A.
Sperança*
É difícil para um crente lembrar o momento da
“conversão”. Em geral, as crenças são heranças culturais. Vêm mais das
chineladas maternas e dos puxões de orelha paternos que do DNA. Já que ler é
também uma herança cultural, é provável que a genialidade de Marx tenha ficado
evidente ao ler sua afirmação de que “é um paradoxo a Terra se mover ao redor
do Sol e a água, que recobre a Terra, seja constituída por dois gases altamente
inflamáveis”.
Pensando bem (ou mal?), é como carregar uma banana de
dinamite debaixo de cada braço, um balde de gasolina e uma tocha incandescente
e ainda assim nada incendiar nem explodir, nunca, dia após dia, milênio após
milênio de sol intenso em cima de tanto hidrogênio e oxigênio.
Os gases inflamáveis de que a água é formada, enfim e
melhor para todos nós, são sábios o bastante para continuar se combinando de
tal forma que a tocha solar não nos exploda de vez. A água apagaria a tocha,
mas o sol danaria a água. E nós, que não somos gasolina, dinamite ou tochas,
por que nos inflamamos, explodimos, brigamos, infernizamos a própria vida e a
dos demais semelhantes?
O fenômeno de milhares de pessoas obrigadas a
abandonar lares e pátrias para fugir da estupidez da guerra provocada pela avidez
dos donos do mundo por seus recursos naturais – petróleo e minérios – afasta a
hipótese de haver juízo e boa vontade entre os homens. Quando a água for a bola
da vez, o Brasil será alvo da mesma cupidez. Se expulsam índios (“donos” da
terra) por que não expulsarão brancos (invasores)?
É um mundo cheio de horrores. O pior deles é 0,1% da
humanidade ditando o destino – e endividamento – dos restantes 99,99%, mas o horror
causado pela diáspora dos refugiados fica logo de lado na TV quando em lugar
das imagens das pessoas mortas nas perigosas travessias em embarcações frágeis
aparece a alegria de um povo que orgulhosamente salva sua Pátria.
Salva, aliás, sem gentrificação, matança de pobres-diabos,
encarceramento em massa e ofensas dirigidas a quem pensa ou age diferente. Salva
com união de esforços, que não parece tão difícil considerando que o principal
líder da oposição ao presidente Anote Tong é seu irmão Harry...
O Kiribati é um atol-nação localizado no Pacífico. Será
engolido pelo mar nos próximos anos da mesma forma que nações bem firmes em
amplos territórios, zil! zil!, foram engolidas pelas dívidas nacionais
fabricadas pelos banqueiros. O mar não é um cruel agiota cobrando falsa dívida,
mas vai fazer Kiribati afundar, irreversivelmente.
Qual a saída? Naturalmente, comprar território firme no
qual possa estabelecer sua população sem perda de usos e costumes, migrando, ao
contrário dos refugiados da guerra, para uma região de ambiente e clima
similares aos já experimentados historicamente.
Comprando terras mundo afora para o dia em que
precisará fazer a migração final, Kiribati é ao mesmo tempo um dos menores
países do mundo e o único a ter territórios nos quatro hemisférios da Terra,
como a velha Inglaterra da rainha Vitória. É também o país mais avançado no
tempo, já que o ano novo sempre começa lá.
Comprar território para que milhares de pessoas morem
não é coisa barata. Imagine a alegria do corretor de imóveis escolhido pelo
presidente Tong (sim, descendente de chineses), ao lhe vender a primeira parcela
de terras, em Fiji, ao custo de módicos US$ 11,7 milhões. É um país que afunda
mas já sabe como resolver seu problema. E nós?
....
* Escritor
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Cadeias
lotadas e o mistério de Lúcifer
Alceu A. Sperança*
A desinformação, eufemismo para ignorância, é uma das piores
consequências do analfabetismo funcional que domina o Brasil. Sem boas fontes,
uma ampla massa crê nas balelas malandras disseminadas pelos interesses
dominantes, que os comunicadores venais papagueiam sem o menor pudor.
Uma delas sugere que encher as cadeias de malucos,
descontentes, desajustados e sofredores traz a paz social. A não ser como
sadismo e segregar pela força quem incomoda, cadeia não tem servido para grande
coisa. Ao contrário da paz, causa mais revolta e infelicidade, frustrando logo
de saída os familiares das vítimas dos crimes.
Aprendem na dor que não há consolo após a prisão dos culpados
se não houver a reparação dos malfeitos. Prender ou matar o assassino Zé Cruel
não traz de volta quem ele matou nem melhora a segurança. Sofrem angústia
parecida as famílias dos contraventores, que sem dever também são condenados à
humilhação, como se fossem automaticamente culpadas pelas transgressões
cometidas por outros.
Se cadeia produzisse os resultados que os autores das
leis esperam, Napoleão não teria fugido de Elba e reconquistado o poder. Fidel Castro
amargou um xilindró pesado um tempão, mas a história o absolveu, como ele pretendia. Se o caso de Mandela não bastou, não conte
muito com a prisão de líderes. Eles saem dos cárceres mais poderosos.
Um governador paranaense saiu da cadeia diretamente
para o poder: Teófilo Soares. O pai do atual presidente da China, Xi Jinping, suportou
vários anos de cadeia e seu filho foi preso três vezes, reeducou-se, trabalhou
e conquistou posições decisivas na luta política até se tornar o principal
líder da grande nação. Dilma e Lula já estiveram na cadeia, e daí? “Curso de
canário”, em muitos casos, só faz o papel do casulo para a borboleta. Em
outros, impõe a morte em vida para infelizes sem trazer felicidade a quem está
solto.
O melhor livro da Bíblia, Eclesiastes, garante que não
há nada de novo debaixo do sol, mas debaixo de uma geleira, onde o sol não
bate, algo novo foi encontrado. Diga-se em favor de Salomão que em sua época,
por volta de mil a.C., não havia o IceCube – não confundir com o rapper O’Shea
Jackson. É um observatório astrofísico fincado no gelo eterno da Antártica,
onde se deu uma descoberta enregelante, vinda de onde veio, as profundas mais
geladas do planeta.
Trata-se do neutrino de maior energia já encontrado.
São mais de dois quatrilhões de elétron-volts. Os cientistas – físicos e
astrônomos – estão pasmos tentando entender a batata quente que lhes caiu nas
mãos. Neutrinos são tão honestos quanto a cascavel, a cobra que avisa quando
está chegando, qual uma espanhola de castanhola: ele jamais esconde de onde
veio.
Com o neutrino bombado descoberto na geleira,
entretanto, ninguém ainda sabe de onde, raios cósmicos!, ele veio. Alguns
supõem que seja uma espécie de novo Lúcifer, grande anjo de luz, trazendo decadência
(caiu, não caiu?) e notícias do nascimento ou fim do universo. Mas tudo não é
eterno, monsieur Lavoisier? Só se tudo se cria e ainda não sabemos da missa um
terço...
Mr. Stephen Hawking talvez dissesse que o neutrino
bombado veio de um buraco negro, mas seu sintetizador de voz ainda não
metalizou uma resposta. Ah, Horácio, certo estava Hamlet quando lhe jogou na
cara haver mais coisas no céu e na terra do que sonha sua filosofia. Pois no
fundo, debaixo do sol eclesiástico ou na arrepiante geleira antártica, nossa
avançada ciência é ainda uma analfabeta funcional.
....
* Escritor
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Da
lama viemos e nela continuamos
Alceu A.
Sperança*
A água é de graça, mas a prestação de serviços em cima
dela custa um bocado. O ar é de graça, mas a poluição que o sistema dominante
enfia nela custa muito, até demais. Tudo que originalmente era “de graça” ganhou
etiquetas de preço. A usura, que condenava os praticantes às penas do inferno,
hoje é a causa de manter menos de 0,01% da humanidade no paraíso afortunado e
os restantes 99,99% pagando as contas infernais das dívidas nacionais somadas
ao arrocho salarial, impostos e o tributo extra da inflação.
Quando o Uber começou a se espalhar pelo Brasil, os
empresários do setor de táxi protestaram. Sentiram o mesmo que já haviam
sentido os locadores de filmes com a emergência da Netflix, que nada tinha a ver
com a condenável pirataria. Foi o que também sentiram os hoteleiros com o
aplicativo Airbnb abrindo vagas à hospedagem em espaços vagos de residências comuns.
Todas as medidas tentadas para resistir à nova
revolução tecnológica sucumbirão no vazio. Formidáveis e múltiplas inovações
põem abaixo tudo aquilo em que se acreditava. É a ruptura com padrões superados
passando o rodo nas obsolescências remanescentes do século XX. “A aceleração e
a ruptura são os principais fatores do impacto dos meios sobre as formas
sociais existentes”, dizia Marshall McLuhan. Em 1964!
O capitalismo trouxe grandes maravilhas, mas é injusto
e num crescendo afunda a humanidade em doenças, guerras, destruição ambiental, rancores
e um imenso, indescritível sofrimento. Ainda persiste um virulento caldo
reacionário cozinhando, fazendo o mundo uma desgraça globalizada, mas no ventre
da ordem corrupta e gananciosa começa a pulsar a superação do sistema.
Com o Uber, Netflix, Airbnb e tantas outras coisas que
já rolam por aí e logo virão, vai se confirmar aquilo que dizia uma rosa morta
chamada Che Guevara: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas
jamais conseguirão deter a primavera”. A primavera também não foi detida pelos
ludistas, sequer pelos pobres carregadores de riquixá que ao saber da
autorização dada pelo governo de Hong Kong a máquinas poluentes chamadas
“automóveis” para fazer o serviço de táxi, preferiam se deitar nas ruas por
onde passavam os taxistas. Escolheram morrer, como os índios suicidas, por não aceitar
que a vida fosse necessariamente sofrimento.
Devagar, quase parando, a decadência do ensino e a desqualificação
laboral são inversamente proporcionais à acelerada mortandade de jovens no
Brasil. Comparando com o tempo em que a desqualificação era tão grande que
havia máquina moderna a ser operada e ninguém para aprender como funcionava,
até que, em termos, melhorou.
Máquina avançada, com raras similares no mundo, a primeira
barca a vapor vinda para o Brasil foi abandonada por volta de 1825 porque
morreu o maquinista e ninguém mais no Império sabia operar a bendita. Assim, se
é verdade que “a verdade vos libertará” (e quem se atreverá a negar essa máxima
tão bem dita?), a verdade científica nos ajudará a romper os grilhões da ignorância
e da mentira.
Cientistas da Nasa, com base em Mike Russell, supõem
que a vida teve origem no mar. Se assim foi, não é exato que do pó viemos. Avançando
os estudos de Russell, cientistas da Universidade de Osnabrück, Alemanha,
descobriram agora que não foi do pó que viemos, nem da vastidão do oceano, mas
de pequenas poças, em terra. A velha lama nossa de cada dia. O mundo da
ganância global virado num mar de lama, portanto, só demonstra que ainda não
tivemos capacidade para sair dela. E lama, enfim, quando seca vira pó.
....
* Escritor
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Livros
em papel ainda encantam crianças
e adolescentes
O sentimento de que a
invasão de tablets, smartphones e aplicativos sociais pode estar tomando o
lugar dos tradicionais livros em papel entre crianças e adolescentes se desfaz
imediatamente quando se chega à 17ª Bienal do Livro do Rio. Nos três pavilhões
do Rio Centro, milhares de crianças, quase todas integrantes de excursões
promovidas pelos colégios, tomam o espaço e enchem o ambiente de alegria. Os
pequenos lotam as livrarias, principalmente aquelas com temáticas
infantojuvenis.
A explicação para essa
preferência pelos livros em papel em tempo de redes sociais pode estar tanto no
tipo de narrativa que a obra oferece, sem distrações e mais aprofundada, quanto
na capacidade das novas gerações de segmentar a atenção para várias mídias ao
mesmo tempo, algo que é difícil para os mais velhos.
A opinião é da diretora da
Bienal, Tatiana Zaccaro, que vê grande espaço para o crescimento dos livros na
atualidade, em todo o mundo, apesar das tecnologias que cada vez mais fazem
parte da vida de todos.
– A cada ano, temos mais
visitantes, e o número de livros comprados aumenta. E temos algo, que está
ocorrendo no Brasil e no mundo, que são os adolescentes lendo bastante. A média
de livros vendidos tem aumentado exatamente nessa faixa etária. Isso leva a acreditar
que, mesmo competindo com toda a tecnologia que faz parte de sua vida, os
adolescentes, que nasceram na era das telas de toque e da internet, não
abandonam os livros. Eles querem o autógrafo, querem conhecer o autor. Isso
mostra que o livro está mais vivo do que nunca – disse Tatiana.
Uma das formas de garantir
essa simbiose entre mídias de papel e digital é oferecer livros desde muito
cedo às crianças, que assim crescem com amor às páginas impressas. A dica é da
empresária Vanessa Mazzoni, que visitava a bienal em companhia das filhas Ana
Clara, de 11 anos, e Larissa, de 5 anos. “A Ana Clara devora livros, a
pequenina ainda não lê, mas está indo pelo mesmo caminho. A gente incentiva.
Presentes de aniversário são sempre livros, pois ela já está na adolescência.
Elas têm tablet, mas não têm o hábito de ler nele, tem que ser livro de papel
mesmo”, afirmou Vanessa.
A filha Ana Clara, que está
no sexto ano, explicou como consegue se dividir entre as mídias digitais e as
páginas impressas. “Eu fico dividindo o meu tempo. Fico um pouco lendo, um
pouco usando o celular e dá para fazer tudo. Se eu gosto da história e do
autor, eu procuro na internet sobre os outros livros dele e aí compro para ler.
Eu gosto de ver o livro, a capa, acho legal”, contou.
O amor pela leitura às vezes
independe de classe social e condições de adquirir livros que, muitas vezes,
podem ser difíceis de se encaixar no orçamento familiar. Isabele Vitória da
Silva Santos Faria, de 10 anos, integrante do projeto social Circo Crescer e Viver,
aproveita o tempo extra na escola para se dedicar à leitura. O hábito, segundo
ela, veio dos pais. A mãe é cozinheira e o pai, segurança, mas sempre tiveram
livros em casa. “Eu gosto mais de ler contos de fadas e ficção. O tablet
compete com os livros às vezes, mas minha mãe diz que é preciso uma hora para
cada coisa”, disse Isabele.
Colega no circo, Pablo
Richard, de 11 anos, gostaria de ter mais livros em casa. Ele mora com a mãe,
que vende salgados, e não dispõe de tablet nem celular. Diz que prefere ler em
papel mesmo, mas reclama do preço. “Às vezes, vou à biblioteca da escola e pego
o maior livro que tem. Gosto de contos de fadas e histórias de terror. Pena que
os preços aqui na Bienal são o dobro do que eu trouxe em dinheiro”, lamentou.
Mesmo para quem trabalha nas
livrarias, passando o dia entre prateleiras e pilhas de livros, a questão
financeira acaba sendo um limitador. Para Ivisson Laurent dos Santos Silva, o
acesso a determinadas obras, principalmente aos livros técnicos, está distante
da realidade. “Os livros ainda são inacessíveis para a maioria dos brasileiros.
Aqui pagamos muitos impostos e tributos. Apesar de eu trabalhar em uma
livraria, tenho que optar em fazer as coisas pessoais ou comprar um livro.
Entre o pão e o livro, ganha o pão”.
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Independência,
uma pinoia!
Alceu A.
Sperança*
Será grosseiro e radical dizer isso? No honorável Dicionário da Língua Portuguesa da Porto
Editora, “pinoia” é tanto a moça leviana, a periguete, como o ato da trapaça. No
sentido geral, pura malandragem. Sempre um mau negócio. Feita a acusação, vamos
às provas.
O príncipe João podia até rimar com bobalhão, por
conta das manias, da esposa insuportável Carlota e não ser bem educado porque
não era o primeiro na fila para ser rei – entrou no vácuo da morte do irmão
mais velho, José Francisco, e da fanática loucura religiosa da mãe. Um cara de
sorte, no fim das contas. Ah, e adorava coxinhas.
João VI, entretanto, jamais rimou com mal assessorado.
Orientou-se, rapaz, direitinho sobre como agir quando o Brasil decidisse o
óbvio nos tempos revolucionários do início do século XIX: sonhar com as tais
liberdade, igualdade e fraternidade, coisas ainda jamais vistas pela humanidade
até as primeiras décadas deste século XXI.
Assim, João bolou um jeito de simular a independência
do Brasil e ganhar uma grana fácil. Iria abater a dívida que tinha com a
Inglaterra e, de quebra, deixar o filho Pedrinho tomando conta da lojinha.
Bobalhão, uma pinoia!
O movimento maçônico brasileiro pela independência
evoluiu sem sangue, ao contrário de toda a luta dos uruguaios para ter sua
pátria, porque nossa emancipação foi comprada em libras esterlinas. E mesmo pagando
pela Independência, o Brasil ficou dependente, sob o comando de três monarcas
europeus. Pedro I do Brasil saiu daqui e foi virar Pedro IV de Portugal. Uma
pinoia.
Como prefeito brasileiro dá ao filho uma deputança, tradição
mantida pelos séculos afora, o rei João fez do filho Pedrinho (e a si mesmo) o
imperador do Brasil. A princesa Leopoldina determinou a independência brasileira
em 2 de setembro de 1822, mas o marido Pedro, infiel no casamento mas fiel ao
pai (“antes seja para ti, que me hás de respeitar”), manteve o Brasil sob três coroas
até o filho Pedro II entregar tudo a uma coroa só: a da rainha Vitória, após a
quartelada republicana de 1889. Outra pinoia.
Cadê as provas? Nos artigos 1º e 2º do Tratado de Reconhecimento,
datado de 29 de agosto de 1825, o rei João reconheceu o Brasil independente,
tendo por imperador “seu, sobre todos muito amado e prezado, filho d. Pedro”,
também se reservando o direito de ostentar o título de imperador do Brasil. Pois
Pedrinho, em “reconhecimento de respeito e amor a seu augusto pai”, o declarava
igualmente (e simultâneo) imperador do Brasil. Logo, duas coroas.
Celebrada a dupla coroação, o art. 9º do Tratado de
Paz e Aliança meteu o Brasil também sob o domínio da terceira coroa: “debaixo
da mediação de Sua Majestade Britânica**, convieram em virtude dos seus plenos
poderes respectivos” que Pedro pagaria a Portugal, como indenização, “a soma de
dois milhões de libras esterlinas”.
“Independência ou morte” ou uma trapaça (pinoia) para
tomar a grana dos brasileiros e endividar a nova Nação? Para pagar esses
trocados, agradar ao amado pai João e à amada coroa inglesa, Pedrinho se
comprometia a pagar a dívida de Portugal com os banqueiros ingleses e, voilá,
rola que rola, endividar o Brasil desde a Independência.
E eis aí a mãe da atual dívida nacional, uma pinoia
trilionária: hoje, R$ 3,6 trilhões de dívida interna e US$ 555 milhões de
externa. Pagamos caro demais (R$ 2,7 bilhões diários, a cada e todo dia) por um
produto falsificado.
**George IV, o Endividado.
....
* Escritor
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Deus
ex-machina e repúblicas às pampas
Alceu A.
Sperança*
Quando nada mais resolve, um cabo de aço para simular
voo faz pairar sobre a cena congelada o “espírito” salvador que traz a solução
genial bolada pelo dramaturgo. É o “deus ex-machina”, recurso do antigo teatro grego
para resolver impasses dramáticos.
Sempre que há crise (e quando não há?), os
desesperados saem à cata de uma solução “espiritual” extraterrena, tal como
beber veneno e embarcar na cauda de um cometa, método maluco de ser “escolhido”
pelas potências celestiais. Para sumir deste planeta em ruínas no primeiro
disco-voador que partir depois da laranjada matinal, Porto Alegre sediou em
junho o Fórum Mundial de Contatados, Abduzidos e Testemunhas, uma espécie de “pare
o mundo que eu quero descer” trazido pelo deus ex-machina. Os não escolhidos
que se danem com sua falta de fé.
Para os contentinhos com o sistema vigente no Brasil,
o deus ex-machina para a sempiterna crise é o pré-sal, a entidade miraculosa
que trará a definitiva salvação para o país. Basta extrair e vender o petróleo
e tudo se resolverá. Na Venezuela já se viu que as coisas não são bem assim. A
gasolina, lá, é mais barata que água de torneira aqui. E todo o ouro e a prata já
extraídos, a imensidão de minerais que se extraem hoje avidamente já deveriam
ter tido lá atrás essa função salvadora de deus ex-machina. Mas o que se vê, sempre,
é a riqueza mais e mais acumulada em menos mãos.
Para os indignados sulistas, o deus ex-machina é a
República dos Pampas (ver “Como ficaria o Brasil dividido?”, 12.3.2009). É a
crise piorar e o indignado invocar o deus ex-machina do separatismo salvador
para confortar sua alma atormentada.
A malandragem de retalhar o Brasil em vários pedaços remonta
no mínimo ao oceanógrafo Matthew Fontaine Maury, por volta de 1850. Carlos
Chagas, na revista Manchete
(5.6.1997), pisa na bola ao escrever que em 1816 o capitão “Mathew Fawry” (ficção
para Maury, que nessa época tinha só dez anos) remeteu memorando secreto a seus
superiores nos EUA aconselhando a criação do “Estado Soberano da Amazônia”.
Incluiria as Guianas atuais, tendo por fronteira Sul uma
linha reta partindo de São Luís do Maranhão ao ponto extremo onde hoje Rondônia
se limita com o Mato Grosso. A Bahia não seria mais só um estado de espírito,
mas uma nação independente. Sem ela, proclamada por Napoleão, o Nordeste seria
a República do Equador. Santa Catarina, outra Malvina britânica. Ao Sul, claro,
a República Rio-grandense.
“Fawry” é fake, inventado por Fernando Sampaio em O Dia em Que Napoleão Fugiu de Santa Helena,
mas Maury de fato propôs a Amazônia para acolher os escravos libertos nos EUA. Influenciado
por essas ideias, o próprio Lincoln, em 1862, quando declara “desde já e para
sempre livres todos os escravos existentes nos Estados rebeldes”, propõe aos
libertos que aceitem a proposta do general James Watson Webb, amigo de d. Pedro
II, de criar um Estado Livre para os ex-escravos na Amazônia.
Um detalhe essencial impediu o Brasil de perder a
Amazônia já naquela época: os negros estadunidenses não quiseram sair de lá.
Alegaram que os EUA, “terra da liberdade”, também era o país deles. Foram
respeitados, veja só. No Brasil, defensores da propriedade privada ainda hoje matam
e expulsam índios a pretexto de que... seus verdadeiros donos têm terras demais!
Se os negros estadunidenses topassem criar uma
República apartada do Brasil, hoje não teríamos mais a Amazônia. E assim, via Efeito
Borboleta, quem sabe nem os EUA tivessem o presidente Obama.
....
* Escritor
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Assim
vovô se livrou da escravidão
Alceu A.
Sperança*
Pai contra
mãe, o chocante conto de Machado de
Assis, expõe o impacto que uma nova ordem traz sobre os restolhos da velha. “A
escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições
sociais” é a oração que dá o tom da narrativa. Ao ser extinta, a ordem
escravista condenou aos museus os equipamentos usados para prender e castigar
os escravos.
A caixinha de pregar mão vai dar saudades em pais
neuróticos que dizem “amém” ao senhor gerente e descontam as humilhações sofridas
nas crianças ao chegar ao doce lar. A berlinda desperta suspiros nostálgicos
nos exploradores mais radicais: o rebelde tinha os punhos e o pescoço presos e
quem passava lhe distribuía tapas, petelecos e cusparadas.
Enfim, a ordem capitalista só conseguiu progresso de
fato ao liquidar esses restolhos do escravismo que ainda permaneciam no
feudalismo. E aí inventou a nova máquina dentre as tantas que o caracterizaram
como a formação social e econômica mais evoluída forjada pela humanidade: o
relógio do cartão-ponto.
Não é demais supor que na futura ordem socialista
haverá restolhos da ordem capitalista e eles terão sobre nossos netos o mesmo
efeito angustiante que os entulhos das crueldades escravistas motivaram nos
leitores de Machado de Assis ao ler o livro Relíquias
da Casa Velha, em 1906. Nada que Maquiavel já não tenha advertido, aliás:
“Não há nada mais difícil de realizar nem mais perigoso de controlar que o
inicio de uma nova ordem de coisas”.
É possível que nossa expressão de horror ao saber como
o escravo era tratado na berlinda seja o mesmo sentimento de piedade que os atuais
bisnetos sentirão pelo bisavô ao saber como remetia torpedos em sua época. Primeiro,
precisava de uma rústica máquina de escrever, na qual sujava os dedos de tinta
ao colocar a fita. Precisava então de papel para deslizar no cilindro da
máquina, alinhar e então catar milho (só isso ainda permanece!) para digitar o
texto da mensagem.
Mais papel era necessário: um envelope. Nele, o papel
com o texto do torpedo era colocado. Aí vinha o esforço propriamente dito:
andar até uma agência de correio para a postagem, que dependia ainda de fechar
o envelope com cola e lacrá-lo com um selo e um carimbo. Então bisavô pagava o
selo e sua parte estava concluída, equivalente a um clique no “send”: a
mensagem foi finalmente postada para a bisa, ainda sua namoradinha de colegial.
Ah, mas até ela receber a mensagem tudo ainda dependia
de mais esforço e um tempão desde a cartinha ser colocada num malote e ser
transportada de caminhão até uma central dos Correios e Telégrafos. Dela (ufa!)
partiam carteiros a pé ou de bicicleta levando a correspondência até o endereço
físico da namorada, onde era colocada numa caixinha externa ou por baixo da
porta. Que horror, pobre bisa!
Não tenha tanta pena, bisnetinho, porque no fim da
história seu bivovô ficou maravilhado com o avanço da ciência e da tecnologia. O
velho descobriu de vez a felicidade, com a sagrada certeza de que o capitalismo
tinha dado certo ao receber a grande novidade, que fazia o torpedo chegar de
imediato às mãos da bisa, já na faculdade.
Exultante, põe o bisneto no colo e lembra o
maravilhoso avanço tecnológico que mudou totalmente sua vida e o fez ter a
certeza de finalmente chegar ao melhor dos mundos, o plano final do Divino para
a humanidade: o fax... Como diziam os bisavós chineses e seus vizinhos no
tempo, “isso também passará”.
....
* Escritor
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Para cultivar livro e leitura,
num país diverso mas oral
Por Jéferson Assumção
O artigo A Dimensão Cultural da Leitura, do ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, publicado no caderno do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), em 2006, traz uma frase que considero ser a chave para uma política de livro e leitura a ser desenvolvida no Brasil:
“É necessário também pensar o modo como essa prática leitora se articula com nossa cultura, tão nossa, tão brasileira, tão rica em sua oralidade e espontaneidade, mas ainda pobre em sua dimensão escrita. Se desenvolvê-la nessa direção não é tarefa fácil, com certeza ela só se realizará plenamente se feita em consonância e respeito com a diversidade cultural de nosso povo, de modo a potencializá-la e não suprimi-la”.
De fato, a diversidade cultural (cuja convenção da Unesco para sua defesa e promoção completa dez anos em 2015) se trata de um dos desafios mais importantes a que uma política de livro e leitura deve se ater em um país com nossas dimensões e peculiaridades territoriais e culturais. Uma megadiversidade tão cheia de interiores e com eles suas riquezas, amazônicas, sertanejas, agrestes, pantaneiras, pampeanas impõe a quem quer que aqui desenvolva o livro e a leitura um olhar ainda mais plural que em outros territórios e países menos heterogêneos. A população brasileira, formada basicamente por três grandes blocos: os indígenas e os africanos, ágrafos, e os portugueses, cujo nível de alfabetização sempre foi o menor da Europa e em seguida enriquecida por povos de todos os quadrantes da Terra, é belo resultado de uma especial mistura.
No entanto, ao permanecer por séculos longe dos livros – até o ano de 1808 Portugal proibia que se fizessem livros no Brasil – e com uma educação rarefeita até mais da metade do século XX, chegamos ao século XXI com elevados índices de analfabetismo absoluto (cerca de 10% da população) e uma relação recente e problemática com o livro e a prática leitora. Diferentemente da maioria dos países da Europa, por exemplo, em que a literatura e o livro cumpriram um enorme papel social e político, no Brasil a relação com o livro só se desenvolve, ainda que de forma muito precária, em escala social, depois da relação com os meios de comunicação de massa. E, hoje, com os meios digitais.
Mas, então, como cultivar a leitura neste contexto adverso? Temos um mapa, pelo menos. Precisamos desenvolver políticas e ações que se orientem pelos cinco princípios norteadores do PNLL:
1) O Livro deve ocupar um lugar de destaque no imaginário coletivo;
2) Deve haver escolas que saibam formar leitores;
3) Devem existir famílias de leitores;
4) Melhor acesso ao Livro; e
5) Um melhor Preço do livro.
E, assim como sem leitura o Brasil não se tornará uma pátria educadora, uma política de leitura para o Brasil de nosso tempo necessita estar intimamente ligada à Educação e à vida na escola, focando principalmente a faixa entre os 7 e os 14 anos, período em que a prática leitora se desenvolve e tem chances de se consolidar. E contar com as necessárias parcerias com a sociedade civil organizada, as redes, coletivos e o mercado do livro.
Precisamos relacionar a leitura com a cultura, num contexto de megadiversidade. País antropofágico, de tradições e inovações, de modernidades e arcaísmos, de hibridismos e identidades, de urbes tão imensas quanto seus campos, florestas e faixas litorâneas, o Brasil impõe-se como desafio de multiplicidade a qualquer prática cultural em seu território, entre elas a da leitura e da literatura. Um país com tantas fontes, indígenas, negras, europeias, asiáticas olha para o mundo e é olhado por ele de maneira especial. A prática da leitura, por aqui, também deve ser tão especial quanto o Brasil é.
Temos que desenvolver a leitura no Brasil a partir dos pressupostos culturais de sua singular formação. Antropologicamente, historicamente, sociologicamente, a tarefa de fazer do Brasil um país leitor não pode ser articulada de maneira instrumental, funcional, ao desenvolvimento econômico e mesmo social sem ser qualificado pela especificidade de sua cultura, sob pena de achatar-se e não acompanhar sua própria grandiosidade. Também, para o desenvolvimento de uma visão sistêmica de leitura, é preciso, junto com a leitura solitária, cartesiana, fundamental para a formação do olhar íntimo do leitor silencioso, a leitura solidária, aberta, dialogante com a diversidade cultural e com a cultura digital contemporâneas.
Fundamental é desenvolver diálogos estratégicos entre Cultura e Educação, Cultura e Comunicação, com a Sociedade (redes e coletivos de cultura, pontos de cultura etc) e com as Políticas Culturais de nosso País. Com isso, podemos, a sociedade e os governos, articular grandes ações dentro e fora da escola, como escritores nas escolas, tal como o Rio Grande do Sul faz com sucesso há cerca mais de 30 anos; campanhas de visibilidade da leitura e da literatura; trabalhar o já grande acervo de literatura distribuído em todo o Brasil pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola, do MEC; desenvolver ações na linha Formação literária e difusão cultural, recentemente incluída no Mais Cultura nas Escolas; atuar em ações de visibilização das atividades realizadas nas periferias, centros urbanos e interior do Brasil (saraus, festas literárias, rodas de leitura etc) pelas redes, coletivos e as mais de mil bibliotecas comunitárias do Brasil.
É preciso ajudar na articulação em rede dessas inúmeras iniciativas, com editais específicos para as narrativas urbanas, indígenas, negras etc. Precisamos também mostrar a exemplaridade de bibliotecas públicas e comunitárias, com um selo Biblioteca Viva, além de realizar ações no sentido de promover a língua portuguesa, como veículo para a difusão da produção cultural brasileira em todas as linguagens, desde a literatura, a música popular, cinema, teatro, manifestações populares etc. Essas e outras ações só serão possíveis com o esforço de muitos (governo, parlamentares, sociedade, movimentos, mercado) em prol de ações estruturantes, entre elas, aprovar no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Plano Nacional de Livro e Leitura – PNLL, criar o Fundo Setorial Pró-Leitura; e recuperar a institucionalidade do livro e da leitura no País por meio de um Instituto Nacional do Livro, Leitura e Literatura. Muito já foi feito, mas muito ainda é necessário para que a riqueza da cultura brasileira se amplie também na dimensão escrita.
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O canibalismo nosso de cada dia
Alceu A. Sperança*
Ao se estender à história, um olhar contaminado pelo presente e convicções atuais cria um filme de terror: nossos antepassados foram canibais, alega a antropóloga Silvia Bello, do Museu de História Natural de Londres. Ao estudar ossos achados na Caverna de Gough, em Somerset, ela descobriu que pessoas eram devoradas por um tipo muito especial de animal: gente.
Nesse restaurante-caverna, há cerca de 15 mil anos os fregueses tinham o hábito de consumir seus quitutes o máximo possível, até quebrando os ossos para saborear o tutano. Sem esbanjar, limpavam o prato. Que, como os copos, eram feitos com crânios. Silvia Bello supõe que havia um ritual religioso nesse processo alimentar – algo como render graças antes da saborosa refeição.
Só na Inglaterra? Na península ibérica, de onde vieram os “achadores” e primeiros donos de papel passado do Brasil, o canibalismo não era incomum. No Norte da Espanha, as carnes mais apreciadas eram as de crianças e adolescentes, o que leva à solução do pio Jonathan Swift para a fome, em sua “Modesta Proposta”. Comer crianças pobres zera a miséria e não requer redução da idade penal. O problema será a futura falta de mercadorias. Os pobres, por extinção, deixarão de produzir acepipes para os abastados (e pedófilos) comensais. Aí, sem saída, o jeito será passar no cutelo gordinhos filhotes da classe média...
Ao contrário dos escravistas europeus, que obrigavam os negros e índios a se esfalfar até a morte prematura, trabalhando impiedosamente abaixo de condições aterrorizantes, os Tupis eram piedosos canibais. Comendo os inimigos capturados em combate, celebravam religiosamente sua bravura, evitavam que sofressem e não precisavam sustentá-los. Escravos só rendem mais do que produzem em condições muito especiais, coisa que os ingleses descobriram logo no alvorecer do capitalismo e os Tupis sempre souberam.
Os Tupis não consideravam justo alimentar quem nada produz – e a produtividade não é, hoje, o cerne do debate econômico nacional? Vencer uma guerra e sustentar os folgados vencidos à custa do trabalho dos nossos irmãos e filhos? Jamais! Cadê aquele velho livro de receitas?
Chega desses horrores do passado e das “velhidades” de Silvia Bello. Melhor esquecer esse remoto passado para não despertar apetites ancestrais nem julgar fora de contexto as preferências culinárias de vovô. Melhor prospectar o futuro lendo obras recentes sobre descobertas científicas. O novo livro de Nick Lane, The Vital Question: Energy, Evolution, and the Origins of Complex Life (A questão vital: energia, evolução e as origens da vida complexa), sustenta que até certa altura da evolução a vida se resumia a micróbios incapazes de gerar seres maiores – gente, nem pensar. O que aconteceu, então? Fiat lux?
Deu-se o caso clássico do ovo, que vem antes da galinha. Com base nos estudos do biólogo William Martin, Lane supõe que começamos a ser “criados” no mágico instante em que um micróbio passou a viver dentro de outro – a mitocôndria se deixa “comer” pelo hospedeiro e vai esticar a vida até formas mais complexas. Devolve-nos, assim, ao horror do canibalismo. Ou do parasitismo, o que explica bilhões de pessoas pagando pelo que não devem a menos de 1% de espertalhões. Então é isso: do canibalismo viemos...
Cabe ter hoje suficiente humanidade para não canibalizar nossos iguais, explorando-os até enlouquecerem de tanta dívida, discriminando-os por qualquer diferença de aparência, essência ou preferência, nem matá-los nas guerras em nome de deuses cujos nomes reais são grana, poder, petróleo e agora até água. Que com a terra, o ar e o fogo faziam a quádrupla deidade elementar dos antigos canibais.
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* Escritor
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Igualdade para as cavalgaduras
Alceu A. Sperança*
Um encrenqueiro grego, Xenófanes, sacudiu a arrogância humana ao supor que “se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os deuses sob forma de cavalos e os bois pintariam os deuses sob forma de bois”. De fato, os homens supõem seus “deuses” como vingativos ou bondosos como eles próprios julgam ser.
Animais sociais como abelhas e formigas possuem um “RG” natural que os identifica por sexo, idade e participação na comunidade. Isso devolve a espécie humana à depreciação de que somos todos animais, e nesse caso inferiores a espécies que a natureza preza mais que o homem, como as bactérias – seres que todas as evidências comprovam os mais queridos pelo equilíbrio universal.
Assiste-se há milênios a um enquadramento dos humanos a procedimentos de registro e controle, hoje cartonados e biométricos. Chips plastificados de bancos, lojas, farmácias, igrejas ou transporte coletivo são requeridos para tudo: circular, ultrapassar fronteiras, comprar, vender. Um monte de cartões e um mundaréu de senhas para os humanos, quando uma simples formiga ou abelha tem tudo isso desde que nasce, livre dessa cartonagem bestial e numérica (666, of course!).
A igualdade é considerada humanitária, embora por desumanidade não se pratique. Liberdade é para as borboletas. Para os humanos, é ter dinheiro. Fraternidade é brigar por herança em cima do cadáver do pai ainda quente. E igualdade? Talvez, como “equivalente”, seja coisa de animais, sobretudo cavalgaduras – equus, do Latim, era a parelha de bestas que transportava a biga. Lado a lado, iguais, equus sugere igualdade e equivalência. Arre, égua!
Homens se sentem grandiosos e sob proteção “divina”, mas seus sistemas bagunçados se arruínam em sanguinolência, maldade e sofrimento. Abelhas não têm corrupção eleitoral – sua rainha não manda nem ordena, porque sua sociedade é regulada naturalmente, conflitando com nossa bela noção republicana de igualdade perante a lei. Mas aí aparecem os desiguais para atrapalhar exigindo direitos. E dê-lhe gás de pimenta e borrachada nas ancas.
Igualdade, no Brasil, é tirar os desiguais da sala de conchavos. O sistema de poder foi montado na Constituição de 1988 de forma que o presidente, governador e prefeito reproduzam a figura do imperador. São chefes de partido, governo e Estado. Se as leis não lhes bastam, saem a decretar ou alugar maiorias para impor os interesses de quem financiou as campanhas.
Essa é a raiz do Mensalão, a governabilidade cultivada por petistas, tucanos e agregados no Big Center (Centrão, para os íntimos). A maioria parlamentar é forjada pelo poder econômico a cavaleiro de uma enorme desigualdade. Quando o imperador de plantão e o Congresso conflitam, seus atritos interna corporis se resolvem por uma lei. No limite, por uma ação ou recurso judicial.
Se a mensalização é demais e as leis são apunhaladas grosseiramente com jeitinhos e pedaladas, o Ministério Público, qual Grilo Falante, dá uma sacudida nos Pinóquios. Nada disso, porém, limita os poderes imperiais do trichefe executivo nem democratiza o parlamento, cuja composição é nomeada pelo grosso do poder econômico. E assim as cavalgaduras que aspiram igualdade/equivalência se reduzem à insignificância de meros equus, com direito a ser iguais somente na parelha que transporta o orgulhoso imperador em sua biga do ano.
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* Escritor
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Entidades se preocupam com programa de livros Filme assustador insinua que é tudo real
Alceu A. Sperança*
alceusperanca@ig.com.br
* Escritor
Deus ex-machina e repúblicas às pampas
Igualdade para as cavalgaduras
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"Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos, que inauguram a vida, como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária é proposição indispensável. Se é um projeto literário é também uma ação política por sonhar um País mais digno."
(BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS, in Manifesto por um Brasil Literário, 2009)
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A Associação Brasileira de Editoras de Livros Escolares, a Associação Nacional de Livrarias, a Câmara Brasileira do Livro, a Liga Brasileira de Editores e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, em nome de seus associados, vem manifestar sua preocupação em relação à continuidade da política pública de inclusão da literatura no âmbito da Educação Infantil e dos ensinos Fundamental e Médio, tendo em vista a imposição de cortes nas verbas do Ministério da Educação.
A educação deve ser entendida no sentido amplo, sem se restringir a ensinar a criança a ler e a escrever, mas também a pensar, refletir e compreender. Através do hábito de leitura, a criança aumenta seu conhecimento sobre o mundo e se prepara para exercer sua cidadania.
Hoje, apenas 25% dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos, o que significa que 75% não têm capacidade de compreender e interpretar textos, segundo dados do INAF -- Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional.
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de bibliotecas escolares com livros de literatura devem ser prioridades nas ações do Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só assim poderemos equiparar direitos, garantindo a mesma qualidade na formação a todas as crianças e jovens brasileiros, independentemente da cidade onde vivem, das carências e desigualdades de cada região.
Um grande passo nesse sentido foi a criação, em 1998, do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), e seu desenvolvimento e aprimoramento ao longo dos últimos anos. Até 2014, este programa vinha cumprindo seu objetivo de "prover as escolas de ensino público das redes federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, no âmbito da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino fundamental, do ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA), com o fornecimento de obras e demais materiais de apoio à prática da educação básica". Na última década, o PNBE tornou-se um exemplo de sucesso na inclusão da literatura em sala de aula, e outros programas de igual importância foram também criados, como o PNBE do Professor, o PNBE Periódicos, o PNBE Temático e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Estes programas permitiram aos alunos de todo o país o acesso a uma grande diversidade de obras literárias, de escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros, obras estas que foram avaliadas e selecionadas por profissionais especializados em literatura e educação. Permitiram também que editoras de todos os portes participassem do processo de seleção e tivessem a oportunidade de incluir seus títulos nestes programas.
Em 2015, porém, segundo informações recentes da Fundação Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela execução desses programas, não houve ainda a liberação de verbas para viabilizar tanto o PNBE Temático 2013, que já estava com contratos em andamento, quanto o PNAIC 2014 cujos livros já estavam selecionados e as editoras devidamente habilitadas para a negociação e o contrato. Lamentavelmente, o processo de avaliação dos livros inscritos para o PNBE 2015 também estagnou. De acordo com dados estimativos, as verbas destinadas ao PNBE Temático 2013 e do PNAIC 2014, em conjunto, representam menos de 1% do valor do corte orçamentário de R$ 9,4 bilhões sofrido pelo Ministério da Educação.
Além disso, o governo do Estado de São Paulo, em comunicado oficial, suspendeu a compra de livros para escolas e bibliotecas. Temos acompanhado notícias aterradoras de paralisia de ações em diversos estados e municípios, como o fim de um dos projetos mais emblemáticos do país, a Jornada Literária de Passo Fundo. Casos recentes que preocupam o caminho da transformação do Brasil pela leitura.
O atraso na execução desses programas e projetos já causa reflexos preocupantes na cadeia produtiva do livro, atingindo não somente editores e livreiros como também autores, tradutores, ilustradores, revisores e a indústria gráfica.
Entretanto, muito mais grave do que esse prejuízo tangível da cadeia produtiva do livro é o prejuízo incalculável e talvez irreparável causado a milhões de crianças e jovens brasileiros, que deixarão de receber livros de literatura em suas escolas, o que representará um grande retrocesso nas conquistas educacionais dos últimos anos e um dano irreversível ao pensamento livre e crítico da nossa população jovem.
Acreditamos que a leitura de livros de literatura, além de prioritária, é também um direito da criança e do jovem.
Paraty, 3 de julho de 2015.
8 dicas para adquirir o hábito de leitura rápida
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